domingo, 14 de novembro de 2021

Merval Pereira - Geleia tucana

O Globo

PSDB e PT, que disputaram a liderança política do país durante 20 anos, até 2014, podem voltar a ser decisivos na eleição de 2022, em situações paradoxais muito próprias da geleia geral partidária brasileira.

Uma chapa com Lula para presidente e Geraldo Alckmin para vice deixou de ser “impensável” para ser “possível”, o que pode influir decisivamente no resultado final. O ex-presidente Lula, aproximando-se de Alckmin, dá passos largos em direção ao centro, mesmo que seja apenas um gesto político, que dificilmente se transformará em mudança de seu programa de governo.

O PT deve continuar sendo estatizante e controlador de áreas estratégicas, como a informação e comunicação, a cultura, a educação. Assim como o governo Bolsonaro de início deixou a área econômica com o “Posto Ipiranga” liberalizante e acabou controlando o setor com intervenções estatais e visão estatizante.

Mas a hoje possível, mas não provável, ida de Alckmin para um partido aliado do PT, a formar uma chapa presidencial, teria inicialmente o condão de mexer com a briga interna do PSDB, que caminha para uma prévia fratricida. O partido teria em São Paulo, sua principal base política, uma cunha importante com os adeptos de Alckmin querendo derrotar o governador, que consideram um traidor.

Bernardo Mello Franco – A segunda via de Moro

O Globo

Jair Bolsonaro tem muitos defeitos, mas não é bobo. Rapidamente, farejou o apetite de Sergio Moro por sua cadeira. Em dezembro de 2019, o presidente tentou amarrar o ministro a um plano mais modesto: ser seu vice na campanha à reeleição. “Seria uma chapa imbatível”, cortejou.

No mês seguinte, Moro foi questionado sobre a possibilidade de concorrer à Presidência. “Não tenho esse tipo de pretensão”, despistou. Como a resposta soou evasiva, ele ressaltou sua condição de subordinado. “Evidentemente, os ministros do governo Bolsonaro vão apoiar o presidente”, garantiu.

O capitão, que não é bobo, continuou desconfiado. Os dois se distanciaram, e a advogada Rosangela Moro parou de repetir que seu marido e Bolsonaro seriam “uma coisa só”. Na manhã de 24 de abril de 2020, o presidente disse a aliados que o ex-juiz queria seu lugar. Horas depois, Moro deixou o governo com ataques ao ex-chefe.

A filiação de Moro ao Podemos não marcou apenas o lançamento de um novo presidenciável. Entrou em cena, agora sem disfarces, um candidato a tirar Bolsonaro do segundo turno. O ex-juiz se apresentou como alternativa para o eleitorado de direita. Reciclou, em outro tom, o discurso vitorioso em 2018.

Elio Gaspari - O PT de salto alto

O Globo / Folha de S. Paulo

O comissariado petista subiu num salto alto e teve uma recaída do negacionismo que já lhe custou a perda do mandato de uma presidente

A um ano da eleição, Lula lidera com folga as pesquisas e vive uma maré de sorte, com a desidratação de Bolsonaro e uma terceira via que tem sobra de nomes e escassez de ideias. Prever resultado eleitoral antes que a campanha imponha sua dinâmica é algo como buscar sinais de vida em Marte. Apesar disso, o comissariado petista subiu num salto alto e teve uma recaída do negacionismo que já lhe custou a perda do mandato de uma presidente.

Aos fatos:

No último domingo, o presidente Daniel Ortega, da Nicarágua, reelegeu-se pela quarta vez. Tem a mulher como vice, e durante a campanha o governo prendeu sete postulantes. Nos últimos anos, o regime sandinista produziu centenas de mortos e milhares de expatriados. Coroando esse processo, conseguiu 76% dos votos.

Na segunda-feira o secretário de relações internacionais do PT, Romênio Pereira saudou o evento dizendo o seguinte:

“Os resultados preliminares, que apontam para a reeleição de Daniel Ortega e Rosario Murillo, da FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional), confirmam o apoio da população a um projeto político que tem como principal objetivo a construção de um país socialmente justo e igualitário.”

Em agosto passado, quando Ortega começou a baixar o chanfalho na oposição, Lula se afastou do companheiro, defendendo a alternância de governantes no poder. Parecia que o comissariado se dissociaria das ditaduras de esquerda, mas a nota mostrou que há no PT correntes que vão no sentido oposto. Até aí, seria o jogo jogado, com um secretário de relações internacionais pensando de um jeito, e o guia pensando de outro.

Eliane Cantanhêde - Como o diabo gosta

O Estado de S. Paulo

PSDB foca em Bolsonaro, esquece Lula e quer a centro-direita contra PT

O presidente do PSDB, Bruno Araújo, aproveitou o debate dos candidatos às prévias do partido, no Estadão, para dizer a mais pura, e melancólica, verdade: “Todos os partidos perderam controle na relação direta com as suas bancadas”. Tradução: o bolsonarismo produziu, ou aprofundou, um estouro da boiada no Congresso.

Os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS), candidatos às prévias tucanas, faziam malabarismo para se descolar do fato de que 22 dos 31 deputados federais tucanos votaram a favor da PEC dos Precatórios, ou “PEC da Reeleição” (do presidente Jair Bolsonaro, óbvio).

ACM Neto, presidente do DEM e futuro secretário-geral do União Brasil (DEM-PSL), poderia dizer: “Viram? Não fui só eu”. Exemplo da perda de controle das bancadas, ele não conseguiu manter os votos democratas no deputado Baleia Rossi para a presidência da Câmara.

Marcos Lisboa* - Cavalo de Troia do patrimonialismo ameaça o futuro

Folha de S. Paulo

Eleições serão afetadas pelo embate entre política velha e o Estado de Direito

Conflitos que ocorriam nas sombras em Brasília vieram a público nas últimas semanas. Não se trata de coisa pequena.

As eleições de 2022 serão afetadas pelo desfecho do embate entre o patrimonialismo da política velha, que se apropria dos recursos públicos para atender seus interesses paroquiais, e o Estado de Direito, que deve garantir as regras do jogo democrático, incluindo a concorrência na política.

O patrimonialismo acena aos mais pobres com uma mão, enquanto garante seu butim com a outra. A PEC dos Precatórios tem como justificativa a obtenção de recursos para o Auxílio Brasil, cerca de R$ 47 bilhões que não caberiam no Orçamento em razão do teto de gastos.

Não é bem assim. O Auxílio Brasil serviu de cavalo de Troia para muitos interesses. A PEC permite um gasto adicional entre R$ 106 bilhões e R$ 115 bilhões, a depender da inflação no fim do ano, mais de duas vezes o necessário para viabilizar o programa social.

Parte da folga tem como destino o aumento do fundo eleitoral, emendas de congressistas e diversos benefícios para grupos de pressão, como caminhoneiros e setores beneficiados com a desoneração da folha.

O acesso privilegiado de alguns congressistas a recursos públicos para fazer obras em suas paróquias, sobretudo em ano eleitoral, resgata as práticas do Brasil velho.

O poder discricionário de distribuir verbas compromete a concorrência política, favorece os aliados dos novos coronéis e restringe a divergência, tema da coluna do dia 9 de outubro.

Governos enfrentam dilemas e deveriam fazer escolhas antecipando suas consequências. Seria possível uma ampliação significativa do Bolsa Família sem furar o teto, desde que fossem eliminados programas pouco eficientes ou não destinados aos mais pobres.

Bruno Boghossian - Bolsonaro 2: a missão

Folha de S. Paulo

Autocrata com mandato renovado nas urnas pode ser tão perigoso quanto golpista bem-sucedido

Os arranjos que Jair Bolsonaro fez para sobreviver no cargo, proteger seus aliados e disputar a reeleição têm potencial para multiplicar o estrago que ele deve fazer se conquistar um segundo mandato. O contrato político com o centrão, as nomeações para tribunais e a ocupação de espaços na máquina do governo serão ferramentas exploradas pelo presidente numa insistente tentativa de ampliar seus poderes.

O acordo de Bolsonaro com o PL é mais do que o aluguel de uma casa para a campanha. Se conseguir mais quatro anos no cargo, o presidente terá uma sociedade consolidada com um bloco disposto a articular a aprovação de projetos do Planalto em troca de acesso a dinheiro público e dividendos políticos.

Janio de Freitas A contramão de outras vias

Folha de S. Paulo

Bolsonaro no PL leva governo a centrão-militar no chamado, com impropriedade, 'velha política'

Um jato de originalidade. Assim foram os últimos dias, literalmente uma primavera política à brasileira. Novidades eleitorais capazes de instalar mais situações sem precedentes e sem destino presumível.

Não é o caso da entrada formal, em si mesma, de Sergio Moro na política, afinal um projeto evidenciado desde seu início há mais de sete anos. A originalidade, no caso, está na peculiaridade que o pré-candidato traz como futuro: Moro seria portador de uma condição única, diante da tarefa de governar.

Está aí o escândalo do R$ 1,2 bilhão (levantamento do competente Gil Castello Branco no site "Contas Abertas"), investido por Bolsonaro para comprar a aprovação do projeto dos Precatórios na Câmara. Se esse método é local, a dependência dos governos ao Legislativo é comum aos regimes não ditatoriais. Tendo-a, para Moro governante a saída pela corrupção seria a melhor das situações possíveis. Por ser, ao menos, saída.

Míriam Leitão - O retrato eleitoral e a economia

O Globo

O país está a dez meses e 18 dias do primeiro turno das eleições, o centro da preocupação dos brasileiros deslocou-se da pandemia para a economia, e o presidente Bolsonaro perdeu apoio até entre os que votaram nele. A economia dificilmente virá em socorro de Bolsonaro, porque as projeções mostram que em 2022 haverá um declínio do ritmo de crescimento, chegando ao negativo no terceiro e quarto trimestres. O desconforto econômico não desaparecerá porque nada indica uma mudança para melhor na conjuntura.

O ex-presidente Lula cresceu mesmo em silêncio, mas ele terá que se expor mais. Nos últimos dias, o PT fez nota cumprimentando Daniel Ortega, ditador da Nicarágua, por “ganhar” uma eleição fraudada, em que ele prendeu sete concorrentes e na qual a abstenção foi de 80%. Depois o PT voltou atrás, desautorizou a nota, mas não renegou seu conteúdo. O PT insiste em defender ditadores latinos.

Vinicius Torres Freire - Brasil no pódio global da energia cara

Folha de S. Paulo

Alta de preços é a segunda maior entre as economias relevantes do mundo

A inflação da energia no Brasil é uma das maiores do mundo. Dá para dizer que é a segunda mais alta entre as maiores ou mais ricas economias, aquelas que, juntas, fazem uns 97% do PIB mundial. Perde apenas para a da rica, pacata e grande produtora de energia Noruega.

Na média dos países da OCDE, o preço da energia aumentou 15,8% em um ano, até setembro. O Brasil não tem uma estatística imediatamente comparável, mas os preços dos combustíveis domésticos (como gás) subiram 33%, os de energia elétrica 28,8% e os de combustíveis para veículos 43,7%. É medalha de prata.

Samuel Pessôa - Voos da galinha

Folha de S. Paulo

Nossa democracia não tem sustentado ciclos longos de crescimento

Nas últimas semanas, alguns textos de pessoas ligadas ao grupo político petista têm avaliado a experiência do PT no governo.

O argumento é que o desempenho foi muito bom, com algumas dificuldades no primeiro mandato de Dilma, até que a Operação Lava Jato, a recusa de Aécio em aceitar o resultado eleitoral e a reversão dos preços das commodities nos jogassem em uma profunda crise econômica.

Assim, para debater nosso passado, o petismo considera que o agravamento da crise em 2015 e 2016 nada tem a ver com as políticas adotadas pelo Executivo. A conta do governo petista para o petismo termina em 2014, de acordo com a minha interpretação daqueles textos e de outras manifestações
vindas desse grupo político.

Meu argumento é que o melhor momento que vivemos desde a redemocratização, os oito anos da presidência de Lula, teve política econômica não sustentável a partir de 2006. Mais cedo ou mais tarde testaríamos os limites. Estes foram testados no primeiro mandato de Dilma. O fato de ela ter dobrado a aposta a partir de 2012 explica em grande medida a gravidade da crise.

Rolf Kuntz* - O desmonte

O Estado de S. Paulo

A PEC do Calote pode ser mais um instrumento a serviço da política destruidora conduzida pelo presidente Jair Bolsonaro

Vinte milhões de pobres serão abandonados pelo poder federal, sem acesso ao novo Bolsa Família e sem ajuda emergencial, admitiu o senador Fernando Bezerra, líder do governo e relator da PEC do Calote, oficialmente conhecida como PEC dos Precatórios. O governo, segundo ele, acredita na retomada econômica, sobretudo no setor de serviços, grande gerador de emprego informal. No Ministério da Economia, acrescentou, ainda se espera um crescimento na faixa de 1,5% a 2% no próximo ano. Faltou explicar como um desempenho tão miserável poderá gerar empregos para acomodar a multidão em busca de ocupação e de algum sustento para a família. Salve-se quem puder, danemse os outros e parem de incomodar o governo, poderia ter concluído o senador, se quisesse usar a linguagem do presidente Jair Bolsonaro. Mas preservou a compostura e o tom formal.

Pedro S. Malan* - Competentes precisam se mobilizar pelo País

O Estado de S. Paulo

O Brasil não pode abandonar sua busca por um republicano Estado Democrático de Direito

A emenda constitucional aprovada pela Câmara dos Deputados tem como objetivo “abrir espaço” no teto para maiores gastos. O calote parcial dos precatórios e as mudanças casuísticas nos indexadores de gastos (para se beneficiar da maior inflação) abriram espaço superior a R$ 90 bilhões no antigo teto. É útil colocar em perspectiva essa iniciativa momentosa, que teve evidente apoio do Poder Executivo.

Em entrevista dada em novembro de 2014, logo após sua reeleição, Dilma Rousseff afirmou: “Ao longo do governo, você descobre que várias coisas estão desajustadas. Várias contas que podem ser reduzidas, (...) o que vamos tentar é um processo de ajuste em todas as contas do governo, vamos revisitar cada uma e olhar com lupa o que dá para reduzir, o que dá para tirar”. Surpreendente declaração para alguém que naquele momento já vinha de cinco anos à frente da Casa Civil e quase quatro anos como presidente da República, apresentada que fora como a melhor gerente de que o País dispunha. Haviam se passado nove longos anos desde que, ministra-chefe da Casa Civil, havia tachado de rudimentar o embrião de proposta então em discussão na área econômica, de reduzir a velocidade de crescimento dos gastos primários do governo; e acrescentado seu famoso “gasto é vida”.

Cacá Diegues - Respeito à democracia

O Globo

Ela sempre foi mais que um regime de qualquer natureza, sendo uma forma de viver

Me encantei com a oradora indígena que representou o Brasil extraoficialmente na reunião de Glasgow sobre o meio ambiente. Os jornais informaram que ela é bissexual, fã de funk e estudante de advocacia. Mas o que mais me interessou em Alice Pataxó foi o que ela disse diante dos espertos participantes da COP26: as pessoas de poder no Brasil, inclusive o presidente da República, não se interessam pela luta contra o coronavírus, não podemos contar com nossas autoridades, elas estão em outra. Num inglês de aluna recente do IBEU, Alice fez questão de afirmar, com a força de sua juventude, que veio a Glasgow para desmentir as mentiras de Bolsonaro.

Ela tem razão. Segundo as despesas do governo, Bolsonaro autorizou que se gastasse mais com o lançamento recente da nota de 200 reais do que com a luta contra o coronavírus. Incluindo aí, claro, o custo das vacinas que já produziram visíveis resultados. Como diz em coro a “grande imprensa”, o dinheiro público deve servir sempre ao bem estar da população, né não?

Enquanto isso, nossa oposição explícita condena, por um lado, os gestos autoritários dos bolsonaristas; por outro, saúda com entusiasmo a “eleição” de Daniel Ortega, na Nicarágua, como “grande manifestação popular e democrática”. O ex-herói da luta histórica contra a ditadura de Somoza, no final da década de 1970, não vacilou em mandar prender, para se manter por mais um mandato no poder, os sete candidatos de oposição durante a campanha eleitoral. Nela, Ortega tinha sob controle o Legislativo, o Judiciário, as Forças Armadas e a justiça eleitoral, além de reprimir ou mandar matar os que se manifestavam contra ele.

Cristovam Buarque * - Sem Mandela nem De Klerk

Blog do Noblat / Metrópoles

Tanto o Brasil quanto a África do Sul se estruturavam com base na segregação e consequente exclusão, por renda ou por apartheid

O Brasil África do Sul são parecidos. Pode-se dizer que o Atlântico é um espelho que mostra um lado similar ao outro no sistema social e econômico de apartheid, com a diferença que o sistema deles separava brancos de negros, o nosso separa ricos de pobres. As escolas sulafricanas eram segregadas conforme a raça, da mesma forma que as nossas são segregadas conforme a renda. O fim do apartheid fez aquele belo país africano ainda mais parecido com o nosso.

Tanto a sociedade de um lado quanto do outro do Atlântico se estruturavam com base na segregação e consequente exclusão: por renda, no Brasil, com nossa apartação; ou por raça, na África do Sul, com o apartheid. De um lado e outro, estas sociedades se caracterizavam pela concentração de renda e de benefícios sociais, pela violência e instabilidade.

Sérgio C. Buarque* - As fogueiras virtuais

Revista Será?

Na justa luta contra o preconceito e o desrespeito à diversidade, o movimento Politicamente Correto comporta-se como um dos baluartes da intolerância, com condenações a priori e desproporcionais ao que se consideram crimes de racismo ou homofobia. As redes sociais deste movimento se transformaram em fogueiras contemporâneas de purificação dos hereges, com massacres morais a qualquer desvio do seu padrão de correção política. Condenam e partem para o ataque, sem julgamento, a falas e atitudes que deveriam ser apuradas e analisadas com base na legislação brasileira que define e pune crime de racismo e homofobia. Cadeia, se for o caso. Mas a guerrilha do politicamente correto prefere partir direto para criminalizar, demonizando e, se possível, destruindo. 

A mais recente investida da sua rede inquisitória foi contra o jogador profissional de vôlei, com uma intensa pressão moral que provocou seu afastamento do clube que defendia e da seleção brasileira. O atleta está sendo trucidado moralmente por supostas declarações homofóbicas. Ele pode até ser homofóbico, mas o que está sendo condenado foi um comentário do jogador à foto de um novo “Superman” beijando um homem: “É só um desenho, não é nada demais. Vai nessa, que vai ver onde vamos parar”. A frase contém uma referência negativa a certa tendência de glamourização da homossexualidade e não uma rejeição ou agressão à homossexualidade. Como se tivesse pensado, com certa ironia, que “do jeito que as coisas vão, daqui a pouco o heterossexual vai ser visto com desconfiança, talvez até desprezo, quem sabe mesmo como uma aberração”. Mais ou menos como diz uma amiga homossexual, também com ironia, “o heterossexual é uma espécie em extinção”. 

Dorrit Harazim - Lixo humano

O Globo

Alexander Lukashenko costuma ser astuto em sua desumanidade. Currículo para isso ele tem, como primeiro e único “presidente” da Bielorrússia desde que esse antigo Estado-satélite da União Soviética tornou-se república, em 1990. Na última das eleições fraudulentas realizadas no país — a de 2020, para um sexto mandato de Lukashenko —, ele proclamou ter obtido 80% dos votos. E foi logo avisando ao mundo democrático: “A menos que vocês me matem, não haverá mais eleições”. O cara vive às turras com a União Europeia (UE), que lhe aplica sanções múltiplas por seus modos ditatoriais, e alinha-se com fervor à Rússia de Vladimir Putin, o vizinho imperial da fronteira leste.

Em tempos recentes, Lukashenko encontrou a maneira mais infame de ostentar seu poder e azucrinar a Europa democrática. Passou a importar como gado humano milhares de errantes de nações desintegradas do Oriente Médio e da África do Norte, para socá-los na soleira da porta trancada da sonhada União Europeia — mais precisamente, nas fronteiras com a Polônia, a Lituânia e a Letônia, todos países-membros da UE.

Luiz Carlos Azedo - Dois filmes, duas histórias que se cruzam na resistência ao regime militar

Correio Braziliense / Estado de Minas

Marighella queria que a derrubada da ditadura resultasse na revolução socialista; para Giocondo a redemocratização exigia longa resistência de uma ampla frente política

Vale a pena ver o filme Marighella, dirigido por Wagner Moura, com Seu Jorge esbanjando talento na telona, no papel de Carlos Marighella, em 1969, no auge da atuação da Ação Libertadora Nacional (ALN), o grupo guerrilheiro que liderava e foi dizimado pelo delegado Sérgio Fleury.

Em contraponto, sugiro também o documentário Giocondo Dias, Ilustre Clandestino, de Vladimir de Carvalho, disponível no Canal Brasil, que reúne depoimentos sobre o líder comunista que substituiu Luiz Carlos Prestes na Secretaria-Geral do PCB. Ambos mostram um passado de radicalização política que não deve se repetir.

Moura dirigiu um blockbuster político, que utiliza os recursos da ficção e dos filmes de ação para fazer um recorte histórico da vida de Carlos Marighella, inspirada na excelente biografia de Mario Magalhães sobre o líder comunista carismático que arrastou para a luta armada jovens militantes do antigo PCB e um grupo de padres dominicanos.

Carvalho fez um garimpo de imagens, a partir dos depoimentos de militantes que participaram do resgate de Giocondo Dias, o líder comunista clandestino que havia ficado isolado, após o desmonte da estrutura do velho Partidão, em 1975, quando 12 integrantes do Comitê Central foram assassinados e milhares de militantes foram presos.

Marighella e Giocondo fizeram parte do chamado “grupo baiano”, que lideraria a reorganização do PCB no final do Estado Novo, em 1943, tecendo uma aliança pragmática com Getúlio Vargas para o Brasil entrar na II Guerra Mundial contra o Eixo: Armênio Guedes, Moisés Vinhas, Aristeu Nogueira, Milton Caíres de Brito, Arruda Câmara, Leôncio Basbaum, Alberto Passos Guimarães, Jacob Gorender, Maurício Grabois, José Praxedes, Osvaldo Peralva, Boris Tabakoff, Jorge Amado, João Falcão, Fernando Santana, Mário Alves e Ana Montenegro, nem todos baianos.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A farsa se desvela

Folha de S. Paulo

Com o PL, Bolsonaro caminha para a sua matriz, o centrão, em união sem firmeza

A anunciada filiação do presidente Jair Bolsonaro ao PL de Valdemar Costa Neto, condenado por corrupção no mensalão, é mais um lance a desvelar a farsa, que só aos incautos iludiu, de que o capitão reformado do Exército renovaria os usos e costumes da política.

Se for confirmada a adesão, o Partido Liberal —não confundir significante com significado— será a nona sigla a abrigar Bolsonaro desde que ele entrou na política, no Rio da década de 1980, elegendo-se vereador e depois deputado federal por setes vezes seguidas.

Nesse período, constituiu em torno de seu núcleo familiar uma oligarquia provinciana, alimentada pelos votos e pelos interesses do corporativismo armado fluminense e financiada com dinheiro do contribuinte, por meios que as investigações sobre as chamadas rachadinhas vão deixando patentes.

Numa conjunção de fatores que dificilmente se repetirá, da periferia do sistema representativo foi alçado diretamente à Presidência. Sem capacidade administrativa, projetos nem quadros, acabou presa dos oligarcas federais do centrão, aos quais cedeu o manche e abriu os cofres do governo em troca de não sofrer impeachment.

Poesia | Joaquim Cardozo* – Tarde no Recife

Tarde no Recife.
Da ponte Maurício o céu e a cidade.
Fachada verde do Café Maxime,
Cais do Abacaxi. Gameleiras.

Da torre do Telégrafo Ótico
A voz colorida das bandeiras anuncia
Que vapores entraram no horizonte.

Tanta gente apressada, tanta mulher bonita;
A tagarelice dos bondes e dos automóveis.
Um camelô gritando: — alerta!
Algazarra. Seis horas. Os sinos.

Recife romântico dos crepúsculos das pontes,
Dos longos crepúsculos que assistiram à passagem dos fidalgos
[holandeses,
Que assistem agora ao movimento das ruas tumultuosas,
Que assistirão mais tarde à passagem dos aviões para as costas
[do Pacífico;
Recife romântico dos crepúsculos das pontes
E da beleza católica do rio.

*In: CARDOZO, Joaquim. Poesias completas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p.6-7