segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Fernando Gabeira - Bolsonaro e a extinção da espécie humana

O Globo

Bolsonaro disse no Oriente Médio que a Amazônia não pega fogo porque é uma floresta úmida. E disse tranquilamente, apesar de tantas evidências colhidas por satélites e depoimentos visuais.

Em vez de repetir que Bolsonaro é cínico e mentiroso, continuo tentando entender como essas barbaridades acontecem.

Quando li “Guerra pela eternidade”, de Benjamin R. Teitelbaum, pensei em articular um roteiro de estudo que pudesse explicar para mim fenômenos como a vitória de Trump e Bolsonaro, para mencionar apenas dois nomes.

A impressão que tenho é que a extrema direita, apesar de ter apenas um milionésimo da capacidade de formulação da esquerda, compartilha com ela, ao que me parece, duas ilusões essenciais: que a História tem um sentido e que há atores predestinados a realizá-la. O sentido e os atores não coincidem, uma vez que uma se dedica a impulsionar o rumo da História; outra, a neutralizar sua trajetória materialista.

Steve Bannon manifestou sua simpatia pelos americanos do interior, como se houvesse nas suas convicções e modo de vida grandes qualidades a valorizar; Olavo de Carvalho, por sua vez, admiração por fervorosos grupos religiosos.

O ex-chanceler Ernesto Araújo defendia abertamente uma espécie de recomeço universal em que os valores espirituais prevalecessem e via em Trump a encarnação do herói que conduziria essa batalha.

A pane foi do próprio PSDB

Gustavo Schmitt / O Globo

Falha na ferramenta de votação das prévias presidenciais beneficia Moro, que amplia espaço no campo da terceira via

SÃO PAULO — Em meio ao vexame com o aplicativo de votação das prévias tucanas, não há dúvidas de quem foi o maior perdedor: o próprio PSDB. A sigla, que quer protagonizar a construção da terceira via, para além da polarização entre Bolsonaro e Lula, fragilizou mais sua imagem.

O partido, que chegou duas vezes à presidência da República, terminou o domingo incapaz de organizar suas próprias prévias. Nos últimos anos, contrariou suas bandeiras históricas e a orientação de seu presidente, se alinhando repetidamente ao bolsonarismo e ao Centrão.

E, enquanto o PSDB se esfacela e seus candidatos patinam nas pesquisas, o ex-juiz Sergio Moro é quem ganha pontos, ampliando espaço na centro-direita para sua eventual candidatura.

Depois de tanta confusão ontem e de tucanos da velha guarda ficarem ruborizados com o que viam, fazer previsões sobre como terminarão estas prévias tucanas requer uma bola de cristal. Certo é que se ampliou ainda mais o fosso entre as candidaturas dos governadores João Doria e Eduardo Leite, cujos grupos se digladiam nos bastidores e se distanciam cada vez mais de qualquer perspectiva futura de unidade partidária.

Elio Gaspari - Propaganda transforma Planalto em casa da sogra

O Globo, 21.11.2021

O capitão mandou pendurar um painel de 10 metros por 2,5 no saguão do Palácio do Planalto. Chama-se “Brasil acima de tudo” e faz seu gosto. Bolsonaro também quer privatizar a Petrobras. É seu direito defender a ideia, tomando as providências que a lei determina. Não é seu direito, contudo, tratar o prédio onde trabalha como propriedade privada. Se o Instituto do Patrimônio Histórico não serve para proteger a arte do palácio presidencial, seria melhor fechá-lo.

Os palácios brasileiros passaram a ser tratados como propriedade privada há pouco tempo. Getulio Vargas pouco mexeu no Catete ou no Laranjeiras. No Alvorada de JK, a sala de jantar era iluminada por lâmpadas fluorescentes que arruinavam a maquiagem das senhoras. No governo de FHC, colocou-se uma grande escultura de madeira no jardim do Alvorada. Com a chegada de Lula, a peça foi retirada e acabou num galpão. No lugar, entrou um canteiro de flores vermelhas com a forma da estrela do PT. No Planalto, Nosso Guia instalou um pequeno museu com peças de sua vida. Lula se foi, e com ele a estrela de flores e o museu.

O presidente americano Ronald Regan comparou o palácio da “Alvarado” ao QG de uma companhia de seguros. Bolsonaro já havia exposto no saguão do Planalto, onde pôs o painel, as roupas que ele e sua mulher Michelle usaram no dia da posse. Elas continuam lá, afastadas.

Essas manifestações de falso gosto histórico ou artístico são bregas e constrangedoras. Os museus brasileiros conservam peças que poderiam ser emprestadas ao Planalto. Aquelas paredes não são molduras de painéis de propaganda política.

Rafael Cortez* - Resultado é secundário em legenda desunida

O Estado de S. Paulo

Indefinição

Não por acaso, a eventual não candidatura a presidente segue como opção para os tucanos

As prévias tucanas definem não apenas o possível candidato do partido em 2022, mas o nome que pode liderar a legenda em um dos momentos mais cruciais de sua história, em busca do protagonismo que perdeu em 2018, com a vitória do presidente Jair Bolsonaro.

Aquele pleito deslocou o PSDB da organização da competição política no Brasil, colocando um desafio para o partido no próximo ano; retomar o papel de legenda com capacidade de formular e executar um projeto de Nação ou permanecer como sigla satélite no interior da constelação partidária, orientando sua sobrevivência à política local.

Esse delicado momento do PSDB, paradoxalmente, ocorreu justamente quando o PT, seu maior adversário, passou por crises profundas com o mensalão e, depois, a Lava Jato. Se seu maior adversário passa por um processo de impeachment, e seu maior rival não ganha votos, é sinal de risco de sobrevivência organizacional.

Denis Lerrer Rosenfield* - O tour de Lula

O Estado de S. Paulo

Ex-presidente insiste em que se dirige aos progressistas. O que isso significa? Apoio aos ditadores, aos que destroem a democracia, aos liberticidas?

O ex-presidente Lula é o mais bem situado candidato a presidente da República, segundo vários institutos de pesquisa. Logo, cabe explorar com mais vagar o que pensa caso volte a exercer a função de mandatário máximo de nosso país. Considerando que tem jogado parado, evitando dar declarações ou assumir compromissos, aproveitando-se dos erros de seu principal adversário, cabe verificar o que fez e disse em seu tour europeu. Temos, aqui, um bom itinerário de suas ideias.

Em seu discurso, repetidas vezes reitera que pretende “recuperar” ou “devolver” a democracia a nosso país. Uma pessoa, por pouco curiosa que seja, poderia se perguntar o que pretende dizer com isso. O candidato e o seu partido têm demonstrado um compromisso inarredável com as ditaduras cubana e nicaraguense, para não falar da Venezuela. Eleições fraudadas, assassinatos e prisões de opositores, cárceres em condições insalubres, inclusive com tortura, e assim por diante. Povos famintos, sem remédios e vacinas adequadas e sem nenhum direito de manifestação. Eis a democracia que Lula pretende instalar no País, neste seu esforço incansável de “recuperação” e “desenvolvimento” democráticos?

Celso Rocha de Barros - Lula no palco, Bolsonaro em fuga

Folha de S. Paulo

Em viagens ao exterior, ambos pareciam tentar voltar às origens

Em sua viagem pela Europa, Lula parecia preparar sua volta em grande estilo ao cenário internacional. Em sua viagem a Dubai, Bolsonaro parecia preparar sua saída. Ambos pareciam tentar voltar às origens.

Em texto da semana passada na Folha, Mathias Alencastro mostrou o tamanho do triunfo diplomático de Lula na Europa. A imprensa europeia recebeu Lula com uma mistura de simpatia e surpresa pelo Brasil ainda não ter acabado.

Na Europa, Lula reforçou vínculos históricos do PT e da CUT com a esquerda democrática europeia. Segundo a coluna de Alencastro, sua viagem foi paga pela Fundação Friedrich Erbert, ligada ao Partido Social-Democrata alemão. O PT sempre teve dificuldade de se assumir como partido trabalhista ou social-democrata, mas a centro-esquerda do velho mundo reconheceu a semelhança de família já no berço.

Marcus André Melo* - Chile despedaçado

Folha de S. Paulo

Alienação eleitoral e reforma institucional minaram a estabilidade de um sistema dinástico

Há grande perplexidade sobre a turbulência no Chile, o país mais bem-sucedido economicamente da região e que exibia maior estabilidade. O cenário é desolador. O padrão de competição política vertebrado por duas coalizões de centro-direita e centro-esquerda, deu lugar a um confronto entre outsiders extremistas. Boric, líder estudantil sem experiência que surgiu como candidato independente, lidera coligação com o partido comunista e movimentos. Kast foi candidato independente; agora é líder de partido de perfil pinochetista.

Ruy Castro - Blearghh! em uníssono

Folha de S. Paulo

Nenhuma interjeição, como esta criada por Jaguar nos anos 70, parece tão perfeita para o Brasil de hoje

Leitores escreveram apoiando uma onomatopeia que usei outro dia (29/10) ao descrever a sensação de asco diante de alguma nova agressão de Jair Bolsonaro ao Brasil. A onomatopeia era "Blearghh!", criada por Jaguar no Pasquim dos anos 70 para identificar o som de um vômito. Jaguar, o maior cartunista brasileiro de todos os tempos e a quem devemos uma edição abrangente de sua obra, fez dela a trilha sonora de seu personagem Gastão, o Vomitador, que assim expressava sua reação ao que acontecia no Brasil da ditadura. O Brasil de Bolsonaro obrigaria Gastão a vomitar de hora em hora.

Catarina Rochamonte* - Inep, Enem e doutrinação reversa

Folha de S. Paulo

A tentativa de doutrinação é um problema inerente ao modelo educacional

O que inspira as ações do presidente Jair Bolsonaro na educação, além de ignorância e obscurantismo, é uma espécie de ideologia reativa. Visto que a militância ideológica de esquerda vigente nos governos petistas corrompeu muita coisa no Brasil, inclusive a educação, a direita bolsonarista no poder tem pretendido corrigir tais rumos com doses cavalares de doutrinação reversa e estatismo.

Ao afirmar que as questões do Enem "começam agora a ter a cara do governo", Bolsonaro abriu o jogo intervencionista que deflagrou a crise no Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). Acusando a "fragilidade técnica e administrativa da atual gestão máxima" do órgão, 37 servidores pediram exoneração de suas funções denunciando assédio moral, ideológico e tentativa de interferência indevida no processo de elaboração do exame.

Está clara a tentativa de manipulação ideológica no Enem por parte do governo federal. Mas causa estranheza o horror da comunidade política e acadêmica em relação ao caso, tendo em vista o grau de enviesamento ideológico que já havia na educação; só que para o lado oposto. Tal viés está explícito na BNCC, nos acervos das bibliotecas das universidades, nos currículos de formação docente e mesmo em questões passadas do Enem. Nada disso chocava os indignados de agora.

Mirtes Cordeiro* - A Educação, mesmo cambaleante, ainda é a esperança

Atravessamos um tempo em que assistimos sistematicamente ao desmonte das políticas públicas. Sem que se coloque nada no lugar.

Gostaria de começar este texto falando de todas as formas de empenho adotadas para a retomada dos processos educacionais em salas de aula por esse país afora.

Era o que esperávamos, mas não é o que está acontecendo.

Numa sociedade midiática como a nossa, podemos acompanhar ao vivo as situações mais variadas sobre o que vem ocorrendo em todo o país com o anunciado retorno às aulas, que foram paralisadas no seu formato presencial em março de 2020.

Escolas públicas, sobretudo as municipais, não têm as condições básicas exigidas pelos protocolos de saúde para a retomada das aulas presenciais. Muitos alunos não voltaram para as salas de aula e é preciso mobilizar esforços para que as famílias enviem novamente os seus filhos para as escolas.

A pandemia do novo coronavírus foi capaz de interromper de forma drástica o rumo da nossa educação já cambaleante, situação essa expressada durante alguns anos seguidos através dos sistemas de avaliação da aprendizagem, sobretudo o IDEB, sob responsabilidade do INEP, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, o mesmo responsável pela realização do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) que habilita os alunos para o ingresso nas universidades públicas no país.

Antônio Gois - A cara do governo

O Globo

Em situações normais, o noticiário dos últimos dias em relação ao Enem teria tratado exclusivamente da preparação dos estudantes para a prova. Mas não há nada de normal quando um presidente afirma que o principal exame público de acesso ao ensino superior teria “a cara do governo”. Até o momento, porém, o efeito mais visível da interferência indevida não estava nas questões que apareceram na prova de ontem.

Além do zelo dos servidores do Inep, uma das características que ameniza interferências drásticas e de curto prazo no exame é o fato de ele ser elaborado num processo extremamente profissional. Para que uma questão seja incluída no exame, primeiro é feito um edital de contratação de professores para escreverem perguntas. Uma vez que elas são selecionadas, é preciso ainda fazer um pré-teste com uma amostra de estudantes, para saber qual seu nível de dificuldade e sua capacidade de avaliar o conhecimento do candidato. Após essas etapas, a questão passa a compor o chamado banco de itens. Quanto mais amplo for esse banco, mais segura será a prova, pois o risco de vazamento diminui bastante.

O governo Bolsonaro não teve tempo ainda de moldar as questões que fazem parte deste banco de itens à sua imagem e semelhança. Mas já conseguiu ao menos promover a censura de algumas questões, como revelaram várias reportagens publicadas na semana passada.

Bruno Carazza* - De Marina para Moro

Valor Econômico

Lições de 2014 para uma terceira via em 2022

A única vez em que se vislumbrou a possibilidade real de uma “terceira via” chegar ao segundo turno aconteceu em 2014. Faltando um mês para os brasileiros irem às urnas naquele ano, o Datafolha indicava Dilma Rousseff e Marina Silva tecnicamente empatadas, com 35% a 34% das intenções de voto. O tucano Aécio Neves vinha bem atrás, com apenas 14%.

As eleições de 2014 foram as mais surpreendentes e disputadas de nossa história recente. Marina Silva teve o registro do seu partido - a Rede Sustentabilidade - negado em 2013 e por isso decidiu se aliar a Eduardo Campos (PSB), assumindo o posto de vice. Em 13 de agosto, porém, um trágico acidente aéreo tirou a vida do ex-governador pernambucano. Marina foi então alçada à cabeça de chapa a uma semana do início oficial da campanha.

Marina Silva tinha recall: em 2010, havia impressionado ao terminar em terceiro lugar com quase 20 milhões de votos (19,3% do total) concorrendo ao Palácio do Planalto pelo minúsculo PV. Além disso, com uma longa trajetória ligada a pautas sociais - havia sido vereadora, deputada estadual e senadora pelo PT e ministra do Meio Ambiente de Lula - e tendo na retaguarda André Lara Resende e Eduardo Giannetti pregando responsabilidade fiscal e reformas econômicas, Marina tinha tudo para furar a polarização histórica entre PT e PSDB.

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - O debate fiscal revisitado

Valor Econômico

Presidencialismo de coalizão cria demanda quase autônoma de gasto público como moeda de troca de apoio

Vivemos hoje no Brasil uma verdadeira histeria conservadora no debate sobre o estado de nossas contas fiscais. As instituições internacionais que tradicionalmente funcionaram como auditores externos de nossa situação fiscal - agências de risco como S&P, FMI e IIF - foram atropeladas pelos chamados economistas de mercado na sua avaliação de uma situação à beira do caos.

A preocupação com a sustentabilidade das contas públicas faz parte do debate econômico no Brasil principalmente depois que a Constituição de 1998 estabeleceu uma série de novos programas sociais, inclusive na fixação de regras trabalhistas e previdenciárias. A demora pelo Congresso Nacional em aprovar as leis que os regulamentaram fez com que o período de ajuste nos orçamentos públicos se estendesse por mais de duas décadas e, somente a partir de 2016, chegamos a uma certa estabilidade sistêmica.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Recuo democrático reflete o avanço da extrema direita

O Globo

Desde 2015, apenas a Polônia registrou retrocesso democrático maior que o Brasil, segundo índice de democracia liberal

O cientista político Larry Diamond cunhou em 2015 a expressão “recessão democrática” para descrever o recuo da democracia liberal no planeta. De lá para cá, é notável como a tendência se acentuou. O movimento tem características peculiares, não acontece em todo lugar, nem na mesma proporção. Já está claro, contudo, que o declínio recente está intrinsecamente vinculado ao populismo nacionalista representado lá fora por nomes como Donald Trump ou Viktor Orbán e, no Brasil, por Jair Bolsonaro.

Desde 2015, apenas a Polônia registrou retrocesso democrático maior que o Brasil, entre os 178 países acompanhados pelo projeto V-Dem, coalizão de cientistas políticos americanos e europeus com sede na Universidade de Gotemburgo, na Suécia. O V-Dem combina a avaliação do ambiente institucional, liberdades civis e de expressão, sistema partidário, participação em eleições e diversos outros elementos numa série de indicadores comparáveis. Um dos principais mede o nível de democracia liberal em cada país por meio de um número entre zero e um.

Com exceção de ditaduras africanas e da Bolívia — onde a esquerda voltou ao poder num cenário conturbado —, a lista dos 15 países que mais recuaram no índice de democracia liberal a partir de 2015 é uma sucessão de exemplos canônicos do avanço da extrema direita populista: Polônia, Brasil, Eslovênia, Filipinas, Turquia, Hungria, Estados Unidos e Índia. Na média dos países da Europa Ocidental e da América do Norte, que concentram o eixo histórico da democracia no planeta, o índice caiu de 0,83 para 0,77 no período.

Depois de décadas em que o principal responsável pelo encolhimento da democracia no mundo era o comunismo e depois dos anos de avanço democrático pós-queda do Muro de Berlim, a ameaça hoje vem da extrema direita. É verdade que, na América Latina, também houve retrocesso em ditaduras de esquerda, como Venezuela e Nicarágua. Mas, embora esses países sejam menos democráticos, eles já eram assim. Não houve recuo comparável ao ocorrido no Brasil, onde o índice de democracia liberal do V-Dem caiu de 0,79 para 0,51 em cinco anos — período que abrange o impeachment de Dilma Rousseff e a eleição de Bolsonaro.

Poesia | Joaquim Cardozo - Alucinação em branco

Nessas barracas em branco
Quem misteriosamente teria se escondido?
São barracas de campanha,
ou de passar todo o verão no campo.

Lembram também cordas de mastros
Dos quais as velas se ausentaram.
Pois as velas voaram enfunadas e suspensas
No ar, que é – sonho das asas –
Todo o branco do contorno,
Navegam em limpas atmosferas.

São panos estendidos ao sol
Para secar, no quintal de alguma casa;
Grandes lençóis ondulantes
Ao vento que vem e vai,
Ao vento que não pára de agitá-los.

Há um jogo de pontas nesses mastros,
Pontas dirigidas em todos os sentidos.
E as linhas e as sobre-linhas,
Se orientam como se fosse possível
Substituir definitivamente,
Todo o branco do papel.