sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Vera Magalhães - Oposição dá discurso social a Bolsonaro

O Globo

“Evidentemente, nós, que somos cumpridores de acordo, vamos encaminhar o voto ‘sim’, mas eu faço questão de registrar isto: nós estamos cometendo um crime contra a credibilidade do país”, profetizou o senador Jaques Wagner, do PT da Bahia, na votação de ontem da PEC dos Precatórios.

Poucas frases podem ser mais esquizofrênicas e mais emblemáticas do que a oposição chancelou nesta quinta-feira: um cheque em branco para Jair Bolsonaro sair das cordas em que está desde a pandemia e entabular um discurso social para as eleições de 2022.

Essa frase e a votação de ontem certamente serão objeto de estudo se o presidente conseguir recuperar fôlego após o início do Auxílio Brasil, um benefício que ataca um flagelo grave e oferece uma transferência necessária de renda, mas empurrando montanha abaixo uma bola de neve fiscal de efeito explosivo para todos, principalmente os mais necessitados.

Bernardo Mello Franco – O salto de Mendonça

O Globo

Durante quase oito horas, o pastor André Mendonça encenou o papel de jurista terrivelmente laico. Das 9h31 às 17h26 de quarta-feira, ele prometeu não misturar a Bíblia com a Constituição. A performance garantiu os votos que lhe faltavam para assumir uma cadeira no Supremo.

Aprovado pelo Senado, o futuro ministro suspendeu o teatro. Às 19h46, já voltou a discursar como se estivesse no púlpito. “Glórias a Deus por essa vitória. É um passo para um homem, um salto para os evangélicos”, congratulou-se.

O Neil Armstrong de Miracatu não pisou na lua, mas chegou ao olimpo do Judiciário. Sua escolha representa mais um pontapé do bolsonarismo nas instituições. Pela primeira vez, um presidente usa a indicação ao Supremo como arma de barganha eleitoral.

Eliane Cantanhêde - Um manda, todos obedecem

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro pulou em PF, Coaf, Receita, STJ e Câmara, agora avança sobre STF e TCU

Depois de jogar fora o discurso de 2018 e não pôr nada no lugar, o presidente Jair Bolsonaro vai construindo a sua persona de 2022 com base em pautas conservadoras e no avanço sobre o Supremo, o STJ, o TCU e a Polícia Federal, tudo junto e misturado. A Câmara já está no bolso.

Se os ministros indicados para o Supremo na era PT não votaram como agentes dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, nem no mensalão nem no petrolão, muito pelo contrário, os dois da era Bolsonaro vão na linha do general Eduardo Pazuello: “Um manda, o(s) outro(s) obedece(m)”.

Kassio Nunes Marques vota sempre, ou quase sempre, com o presidente. E o novo ministro André Mendonça, que toma posse no dia 16, antes do recesso do Judiciário, vai pelo mesmo caminho, com uma diferença: tende a fazer tudo o que, não um, mas seus dois mestres mandarem – Bolsonaro e evangélicos.

Luiz Carlos Azedo - Guedes perdeu o rumo, mas ninguém tem uma alternativa

Correio Braziliense

O processo eleitoral é um fator de incertezas; ao mesmo tempo, é a travessia a ser feita, porque um novo governo terá credibilidade para tirar a economia da estagnação. O problema é que todos os pré-candidatos estão fugindo do debate econômico

A desaceleração global da indústria e a redução do preço das commodities podem provocar uma tempestade perfeita no Brasil, se a economia brasileira continuar fora de controle e desacelerando. Na prática, o único instrumento disponível para evitar uma explosão dos preços é a alta dos juros. O ministro da Economia, Paulo Guedes, perdeu a credibilidade e a economia está ancorada apenas na política monetária, ou seja, na ortodoxia do Banco Central (BC).

Os números divulgados, ontem, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que o Brasil está vivendo uma “recessão técnica”, puxada pelo agronegócio — pasmem! —, que teve uma queda de atividade de 8% no terceiro trimestre de 2021. O PIB variou -0,1% em relação ao trimestre imediatamente anterior. A Indústria ficou estável (0,0%) e os Serviços subiram (1,1%). No setor externo, tanto as exportações de bens e serviços (-9,8%) quanto as importações de bens e serviços (-8,3%) tiveram quedas em relação ao segundo trimestre de 2021. Mesmo assim, o PIB cresceu 4,0% frente ao mesmo período do ano passado.

Bruno Boghossian – A largada do segundo pelotão

Folha de S. Paulo

Bolsonaro, Moro, Ciro e Doria sabem que só há uma vaga para o confronto direto com Lula

A formação das trincheiras para 2022 precipitou a disputa pelo segundo lugar da corrida presidencial. A liderança de Lula nas pesquisas e a incerteza sobre o destino dos votos que elegeram Jair Bolsonaro aceleraram o embate entre os candidatos que buscam uma vaga para um confronto direto com o petista.

Sergio Moro, Ciro Gomes, João Doria e o próprio Bolsonaro se veem como adversários. O quarteto sabe que, ao que tudo indica, só haverá espaço para um deles no segundo turno. Todos trabalham para fortalecer suas credenciais de oposição a Lula e, ao mesmo tempo, desinflar ou evitar o crescimento de outros competidores nesse campo.

Não foi acidental o tom do discurso de Flávio Bolsonaro na filiação do pai ao PL. Ainda que tenha carimbado Lula mais uma vez como "ladrão", o senador dedicou atenção especial a Moro, a quem chamou de "traidor".

Ruy de Castro - Ideias por um fio

Folha de S. Paulo

Teme-se que as súbitas convicções de André Mendonça durem menos que seu novo cabelo

André Mendonça, ex-advogado-geral da União, ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública e ex-careca, teve seu nome aprovado nesta quarta-feira (1º) pelo Senado para uma vaga no STF. Os 47 votos a favor homologaram tanto o seu novo forro de cabelo quanto o de convicções. Os 32 contrários —um recorde na história desses julgamentos para o Supremo— não pareceram convencidos da firmeza nem dos pelos nem das palavras. Desconfiam de que, às primeiras escovadas e questões judiciais, as felpas lhe caiam pelas lapelas juntamente com suas novas opiniões.

Reinaldo Azevedo - A PEC é o mal menor; isso é política

Folha de S. Paulo

Se o texto tivesse sido rejeitado, governo poderia apelar a decreto de calamidade, e desordem fiscal seria maior

O Senado acertou ao aprovar o texto da PEC dos Precatórios. Defendi que assim fosse no programa "O É da Coisa", que ancoro na BandNews FM. Não tardou para que chegasse a indagação: "Tá bolsonarizando?" Não. Estava escolhendo o mal menor e, no meu pequeno quintal, preferindo a política à desordem.

Como disse aquele, "é preciso cultivar nosso jardim". Ou tudo vira terra crestada na esperança do quanto pior, melhor. Os petistas, por exemplo, votaram a favor.

Quando o governo anunciou que daria um jeito de driblar o teto de gastos, juntando na tal PEC, a um só tempo, calote, furo do teto e pedalada fiscal, a Bolsa caiu e o dólar subiu. Agora, enquanto escrevo, a Bolsa sobe e o dólar tende a andar de lado. Salvo algum evento alheio à votação do Senado, assim deve fechar o dia.

Vinicius Torres Freire - O teto caído, o PIB parado, mercado calmo

Folha de S. Paulo

Donos do dinheiro se contentam com economia ruim e não ligam para o resto

A Bolsa subiu 3,7%. As taxas de juros no atacadão do mercado de dinheiro caíram. No mesmo dia, soube-se que a economia está pelo menos estagnada, quase embicando para a recessão. No Congresso, passou a emenda constitucional que autoriza um calote parcial dos precatórios, uma moratória, na verdade.

No pacote da PEC veio também o certificado de óbito do teto de gastos, aquele que era para durar até 2026, pelo menos. Para ser mais preciso, passou a gambiarra do reajuste do limite das despesas do governo federal.

Sim, claro, há sequelas, que vão durar pelo ano que vem ou 2023, pelo menos. As taxas de juros caíram apenas alguns degraus abaixo da cobertura do arranha-céu para onde haviam se mudado desde setembro, graças também ao desgoverno teratológico de Jair Bolsonaro. A Bolsa está no prejuízo. Outros indicadores das "condições financeiras", como dizem os economistas, sugerem arrocho no investimento e no consumo.

José de Souza Martins* - A difícil terceira via

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

O fundamento de uma terceira via é a do primado da vida e da ética correspondente, que nos livre do autoritarismo e da miséria e nos devolva o sentido da esperança

Nas cogitações de uma terceira via política, para que o Brasil saia dos limites de um movimento pendular entre lulismo e bolsonarismo, falta tudo. É busca motivada por uma premissa antipolítica: ao mesmo tempo cassar Lula antes de eventualmente eleito, de um lado, e depor Bolsonaro, porque muito aquém do que se espera de um governante. Essa terceira via é a da procura de outro, no formato do mesmo.

As pesquisas de opinião eleitoral nos mostram que o eleitorado ainda é prisioneiro do movimento pendular do nosso processo político. Abandonou o populismo de um Lula desgastado, pelos processos nem sempre claros da Operação Lava-Jato, em favor da nova cara do terrorismo político, o da manipulação da opinião e das fake news.

Nesse cenário, fica muito difícil identificar e localizar os novos personagens do processo político brasileiro que personifiquem o mandato democrático de encontrar uma saída para a ameaça do novo poder pessoal às instituições. E possibilite a superação da mediocridade que está levando o país ao caos e à ruína.

Terceira via pressupõe identidades sociais, de classe, de grupo ou de outros agentes sociais de convergência de interesses e de visão de mundo em favor do país e em favor do bem comum. Tudo isso foi aqui fragilizado em decorrência de transformações sociais do último meio século.

Humberto Saccomandi - AL está presa num ciclo de instabilidade política

Valor Econômico

Eleição de extremista no Chile será um marco dessa onda

Um extremista será eleito, daqui a duas semanas, presidente do Chile, país que foi por três décadas um paradigma de desenvolvimento econômico e estabilidade política na América Latina. Será um momento simbólico no processo de desorganização política da região, que começou em 2015 e vem se agravando.

A América Latina nunca foi politicamente estável. Golpes, ditaduras, assassinatos, caudilhismo, populismo e corrupção marcam a história da região. A palavra “golpe” (idêntica em português e espanhol) é frequentemente usada em outros países, numa contribuição latino-americana ao vocabulário político global.

Mas a região viveu um momento de estabilidade e até euforia política a partir dos anos 90, à medida que muitos países foram se redemocratizando. Os processos foram diferentes, cada país teve suas particularidades. Mas parecia que, aos poucos, o cenário político e institucional latino-americano ia amadurecendo e se assentando.

Hoje é cada vez mais claro que a América Latina viveu um breve período de estabilidade política induzido do exterior, financiado pelo chamado superciclo de commodities. Os preços crescentes, a partir do ano 2000, de produtos de exportação como minério de ferro, cobre, soja e petróleo, puxados pela demanda chinesa, ajudaram a financiar de investimentos a programas sociais. Isso gerou as condições sócio-econômicas que favoreceram a estabilidade política. Permitiram também a compra sem precedentes de apoio político pelos governos.

Flávia Oliveira - Na Câmara, o dossiê antirracista

O Globo

Um ano atrás, no Dia da Consciência Negra, o Brasil amanheceu enlutado pelo assassinato por espancamento de João Alberto Silveira Freitas, um homem negro, por seguranças de uma loja do Carrefour em Porto Alegre (RS) — justamente a cidade que legou ao país as celebrações do 20 de Novembro. Semanas após o crime, que já rendeu acordo de R$ 115 milhões em medidas de enfrentamento ao racismo e reparação coletiva com MPF, MP-RS, DPU e Defensoria Pública gaúcha, a Câmara dos Deputados instituiu comissão de juristas para analisar e propor medidas legislativas de combate ao racismo estrutural e institucional no Brasil. Nesta semana, o relatório de quase 600 páginas foi entregue à Mesa Diretora da Casa, mas acabou eclipsado pela nona filiação partidária de Jair Bolsonaro em três décadas de vida pública, pela aprovação no Senado do ministro terrivelmente evangélico para o Supremo Tribunal Federal, pela confirmação de casos da variante Ômicron do coronavírus e pela recessão técnica da economia conduzida por Paulo Guedes.

Ruth de Aquino - A única verdade de André Mendonça

O Globo

“Não se pode criminalizar a política”. O novo juiz terrivelmente evangélico, André Mendonça, mentiu muito na sabatina, nem parecia servo de Deus. Disfarçou, lambeu a boca seca e repetiu o tique nervoso de projetar o pescoço para o lado, o que revela ansiedade. Mas Mendonça falou uma verdade incontestável: não se pode criminalizar a política no Brasil. Porque ela já é terrivelmente criminosa.

As análises sobre o desempenho de Mendonça variam. Uns dizem que ele foi inteligente, estratégico. Assim, ensinamos a nossos filhos e netos. Quer ser inteligente, convincente? Minta muito quando for preciso. Com a maior cara de pau. Se perceber que derrapou, como no “não derramamento de sangue na ditadura militar”, peça logo desculpas e elabore uma mentira mais estapafúrdia. Vai colar. Ainda mais se você for uma autoridade. 

Em que momento Mendonça conquistou o coração do Senado? “Não se constrói uma democracia sem política, sem políticos e sem partidos políticos”, afirmou. “Então, todos somos contra a corrupção, todos somos sabedores de que não se pode criminalizar a política”. Todos contra a corrupção, todos a favor da transparência. Teve checagem? É fake news? Humor? Não dá para fingir que a gente acredita. Seria passar recibo de suprema ingenuidade.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

PIB no chão

Folha de S. Paulo

Economia tem novo trimestre ruim e projeta, quando muito, alta medíocre em 2022

A economia está estagnada, com risco considerável de quedas recorrentes de produção e renda —vale dizer, do Produto Interno Bruto— nos próximos trimestres.

O desempenho do ano de 2022 ainda é uma incógnita, mas as possibilidades estão limitadas por deficiências crônicas, pela alta dos juros, pela inflação e por incertezas agravadas em razão do eleitoral.

Ainda que o PIB viesse a se expandir em 0,5% a cada trimestre a partir do final deste 2021, o ano que vem terminaria com um crescimento de apenas 1,5%, similar à média de 2017 a 2019.

Ou seja, em uma hipótese agora otimista, a economia voltaria àquele mesmo padrão de desempenho menos do que medíocre.

Poesia | Ascenso Ferreira - Toré

Os dois maracás,
um fino e outro grosso,
fazem alvoroço
nas mãos do Pajé:

— Toré!
— Toré!

Bambus enfeitados,
compridos e ocos,
produzem sons roucos
de querequexé!

— Toré!
— Toré!

Lá vem a asa-branca,
no espaço voando,
vem alto, gritando...
— Meus Deus, o que é?

— Toré!
— Toré!

— É o Caracará
que está na floresta,
vai ver minha besta
de pau catolé...

— Toré!
— Toré!

Cabocla bonita,
do passo quebrado,
teu beiço encarnado,
parece um café

— Toré!
— Toré!

Pra te ver, cabocla!
na minha maloca,
fiando na roça,
torrando pipoca,
eu entro na toca
e mato onça a quicé!

— Toré!
— Toré!

Publicado no livro Cana Caiana