domingo, 5 de dezembro de 2021

Fernando Henrique Cardoso - Nossa responsabilidade na pandemia

O Estado de S. Paulo / O Globo

A saúde, se é dever do Estado cuidar dela, também concerne a cada um de nós. A nossa saúde e a de todos

No meio de várias notícias ruins, há o que celebrar: o SUS, Sistema Único de Saúde, tem mostrado que funciona e pode atender a população brasileira. Eu era senador quando, na Assembleia Nacional Constituinte, um punhado de parlamentares que eram médicos se batia pela construção do dito SUS. Recordo-me especialmente do deputado Almir Gabriel, e ele não era o único. Mesmo que não se compreendesse inteiramente o alcance da medida, batemo-nos todos, mesmo os não médicos, que apoiamos os médicos. Os heróis foram os parlamentares-médicos, liderados por Sergio Arouca, presidente da Fiocruz e mentor da chamada frente sanitarista.

Mais tarde, graças a outros tantos funcionários competentes, o SUS foi se formando e hoje a população mais pobre, sobretudo, sabe da valia de tal instrumento. Com o SUS a saúde no Brasil mudou de patamar. Os mutirões nacionais de vacinação infantil se transformaram em dias de festa para milhões de mães de todo o País. O Brasil tomou gosto pela vacinação periódica. Caiu a mortalidade infantil, aumentou a expectativa de vida. Multiplicaram-se as equipes de médicos de família. Em São Paulo, a ação do dr. Adib Jatene foi significativa. E ele não foi o único no Brasil a compreender as dificuldades daquele momento. A ele e aos que foram ministros da Saúde de vários governos devemos o haver melhorado a situação sanitária do povo.

Merval Pereira - Contrastes brasileiros

O Globo

O desmonte do Teto de Gastos, que vai passando no Congresso com a aprovação da PEC dos Precatórios para financiar um programa social que nasce em ano eleitoral sem sustentabilidade financeira nem projeto definido, implode a última âncora fiscal vigente, contrapondo a esta desastrada gestão das contas públicas na esfera federal uma realidade subnacional caracterizada pela boa gestão das contas de diversos governos e que não expressa subserviência a ideologias - passa pela tradição de bons governos tucanos em São Paulo e pela mudança pela qual está passando Alagoas sob a gestão emedebista; vai desde Goiás, comandada pelo DEM, até governos do PT na Bahia, no Ceará e no Piauí.

Olhar para estas experiências com lupa foi a proposta que deu vida ao livro organizado pelos economistas Fabio Giambiagi, Guilherme Tinoco e Victor Pina - “O Destino dos Estados Brasileiros -Liderança, responsabilidade fiscal e políticas públicas” (editora Lux). A obra apresenta uma coletânea de artigos, assinados por 21 especialistas, com foco na realidade fiscal de doze estados com diversidade de situações ( RJ, SP, MG, RS , ES, CE, RN, AC, BA, GO, AL + DF).

Elio Gaspari - O mundo encantado de Sergio Moro

O Globo / Folha de S. Paulo

Em ritmo de campanha, o ex-juiz e ex-ministro não conta tudo em seu livro recém-lançado, mas solta insinuações e fala muito bem de si ao relembrar passagens com Bolsonaro

Sergio Moro está em campanha e tomou uma rara iniciativa: publicou um livro escrito por ele, explicando-se e apresentando-se. O epílogo diz tudo. Seu título é “Precisamos de você” e a última frase é um pedido de ajuda: “A luta contra o sistema de corrupção nunca poderá prescindir de bons combatentes, entre eles você.”

Moro fala muito bem de si. Saem mal de seu livro o Supremo (quando o declara parcial), o Congresso (quando altera suas propostas) e Jair Bolsonaro (quando fritou-o). A Sergio Moro ele concede um mecanismo que condena, a “presunção de inocência à brasileira”: Ela “é apenas uma construção interpretativa que visa garantir a impunidade de crimes cometidos pela classe dirigente”. Todo mundo é culpado de tudo, menos Sergio Moro.

Ele justifica suas sentenças e defende com argumentos que parecem insuficientes o fato de ter patrocinado a exposição da interceptação telefônica de uma conversa de Lula com a então presidente Dilma Rousseff quando o prazo legal da escuta já tinha caducado. Não foi ele quem autorizou a publicidade. Vá lá, mas quem foi?

O juiz que simbolizou a Lava-Jato com seus méritos históricos, conclui que a operação “foi vítima de suas virtudes, e não de seus erros”. Moro trata do episódio que pode ter sido o maior erro do campeão da Lava-Jato: sua ida para o Ministério de Jair Bolsonaro.

Bernardo Mello Franco - Lula com chuchu

O Globo

Lula e Alckmin ensaiam frente ampla que faltou em 2018

A dobradinha de Lula e Geraldo Alckmin saiu do mundo da imaginação e entrou no campo da probabilidade. A ideia parece ter empolgado os velhos rivais, que voltaram a se encontrar em segredo na sexta-feira. Se vingar, a chapa pode definir a eleição de 2022.

Apesar de liderar as pesquisas, o petista enfrentava dificuldades para ampliar o palanque em direção ao centro. Só contava com aliados à esquerda: PCdoB, PSB e PSOL, que pela primeira vez não deve lançar candidato. Para chegar ao Planalto em 2002, Lula cedeu a vice ao PL de José Alencar. Agora o empresário está morto e o partido foi alugado a Jair Bolsonaro.

Uma aliança com Alckmin não atrairia novas siglas, já que ele está de saída do PSDB e deve se filiar ao PSB. O objetivo é outro: quebrar resistências em setores que se desiludiram com Bolsonaro, mas temem a volta do PT. O tucano é um político conservador e afável à elite econômica. Sua adesão complicaria a vida de quem insiste em descrever Lula como um radical.

Eliane Cantanhêde – Estouro da tucanada

O Estado de S. Paulo

Doria precisa tirar votos de Bolsonaro, mas quem está tirando, e animando os tucanos, é Moro

Enquanto o governador João Doria faz campanha em Nova York, em encontros na ONU e com agências financeiras, o PSDB vai assistindo, ou melhor, patrocinando, o estouro da tucanada no Brasil. Abre o olho, Doria!

O encontro, a foto e os sorrisos do governador Eduardo Leite com o candidato Sérgio Moro poderiam ser apenas um gesto de anfitrião, já que Moro está no Rio Grande do Sul para eventos do Podemos. Mas são o estopim para a dispersão no PSDB.

Péssimo para o partido, ruim também para o próprio Leite, que é jovem, promissor, e deveria seguir uma velha regra: quem disputa prévias se compromete com o resultado. Pode até trair, mas tem de disfarçar.

Luiz Carlos Azedo - Quanto mais ocultas, mais fétidas serão as emendas ao Orçamento

Correio Braziliense / Estado de Minas

O patrimonialismo surge quando não existe distinção entre o público e o privado, as duas coisas se misturam. É o que está acontecendo no Congresso com as emendas secretas

Nova semana de queda de braços entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) teremos pela frente. Na aprovação da PEC dos Precatórios, a maioria do Senado manteve o sigilo sobre as emendas já executadas e adotou uma espécie de “me engana que eu gosto” em relação às que ainda não foram liberadas, ao propor que prefeituras, governos estaduais, órgãos federais e instituições da sociedade encaminhem “diretamente” ao relator os seus pedidos de emendas. A malandragem permite que os “padrinhos” desses pedidos não apareçam, ou seja os parlamentares, seus verdadeiros autores.

É como dizia, ironicamente, o cronista carioca Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, “ou restaura-se a moralidade ou nos locupletemos todos”. A proposta aprovada no Congresso adotou a segunda opção, que ainda vai dar muito pano para as mangas dos que estão distribuindo verbas do Orçamento com mãos de gato. O Supremo, ao endossar a decisão da ministra Rosa Weber, mandando sustar a execução das emendas, foi muito claro: orçamento secreto é inconstitucional. Tudo o que ocorreu precisa ter transparência, inclusive os nomes dos autores das emendas.

Míriam Leitão - Economia cai e governo fatura

O Globo

O cenário econômico não poderia ser pior. O país está estagnado, com inflação alta, desemprego elevado, e a renda despencou. A semana passada nos trouxe esses dados, e na próxima quarta haverá nova alta dos juros, o que levará Selic de 2% para 9,25% em poucos meses. O nome disso é choque de juros numa economia combalida. Mas o Banco Central está lutando sozinho contra a inflação. Os últimos dias também consagraram o ataque às leis fiscais liderado pela própria equipe econômica e aprovado pelo Congresso com votos até da oposição. O presidente que nos conduziu ao desastre econômico recebeu três presentes na semana: a aprovação de um programa social improvisado, dinheiro para gastar em ano eleitoral, um novo ministro submisso no Supremo. O Congresso a tudo disse sim.

A Câmara deu carta branca ao presidente na proposta do calote e do fura-teto. O Senado atuou na redução de danos. Oposição e independentes, de fato, melhoraram a PEC, mas o projeto era horroroso. Torná-lo menos ruim não contorna o fato de que o governo propôs não pagar dívidas, fazer uma mudança casuística no teto para aproveitar a inflação e desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Um projeto assim não se salva, derruba-se. Até porque o governo fez toda essa lambança com um único objetivo: buscar capital político em ano eleitoral.

Celso Ming - Uma incerteza depois da outra

O Estado de S. Paulo

O ser humano nasce e já se sente ameaçado. A emoção primordial é o medo, como já identificara Thomas Hobbes, no século 17.

Uma das principais fontes do medo são as incertezas – é o diabo que está por perto, mas é invisível. “No escuro, some a confiança (sublata lucerna nulla est fides)”, advertia o poeta Catullo, no século 1 antes de Cristo.

A economia brasileira vive hoje um quadro especialmente carregado de incertezas, que turva o horizonte e põe as pessoas na defensiva. E quando prevalece a defensiva, as mesmas incertezas parecem ainda maiores.

A incerteza mais recente é a nova cepa do coronavírus, a variante Ômicron. Suspeita-se de que seja altamente transmissível, que ataca até mesmo os totalmente vacinados. Mas ainda há dúvidas sobre seu grau de letalidade e se as atuais vacinas serão capazes de combatê-la.

Daí seguem-se outras incertezas: até que ponto será preciso exigir o distanciamento social, o recesso de empresas e o quanto a atividade econômica voltará a ser paralisada?

Janio de Freitas – Ou, melhor dizendo

Folha de S. Paulo

Candidatura de Moro completa a brasilidade do absurdo

A anulação de 13 condenações aplicadas por Sergio Moro, entre as quais as de Antonio Palocci e Marcelo Odebrecht, situa-se entre duas explicações possíveis.

Ou Moro ignorava que irregularidades de cunho eleitoral competem à específica Justiça Eleitoral ou suas sentenças nos 13 processos confirmam má-fé e parcialidade na apropriação desses casos.

A anulação e suas razões pulverizam todos os questionamentos e ressalvas, sobretudo as do próprio Moro, à recente imputação de julgamentos parciais e suspeitos que lhe fez o Supremo Tribunal Federal (na 2ª Turma e em confirmação pelo pleno).

Todos os atos desses processos na Lava Jato foram anulados no Superior Tribunal de Justiça. Caberá à Justiça Eleitoral decidir se os recupera, se inicia novos procedimentos ou não.

Em qualquer decisão, sem o principal acusável, que é o autor da absurda ilegalidade judicial, aliás preservada pelo Tribunal Regional Federal-Sul em decisões não menos parciais e suspeitas.

Bruno Boghossian – Dois caminhos para o templo

Folha de S. Paulo

Lula e Bolsonaro usam caminhos diferentes na disputa pelo apoio do segmento religioso

Jair Bolsonaro fez a festa de líderes evangélicos. "Não adianta chorar! Temos um pastor no STF", comemorou o estridente Silas Malafaia após a aprovação da André Mendonça para o tribunal. "Parabéns ao presidente Bolsonaro, que não cedeu a pressões internas e externas", escreveu.

O presidente não fez lá muito esforço para conquistar votos para Mendonça no Senado –o grosso do corpo a corpo com os parlamentares ficou a cargo dos próprios pastores. Ainda assim, esses líderes devem reconhecer que a caneta de Bolsonaro deu início a todo o processo.

A parceria que resultou na nomeação de um pastor para o STF é uma relação de mutualismo. As igrejas agora têm um representante direto em um posto estratégico da estrutura do poder. Bolsonaro, por sua vez, espera contar com o apoio incondicional dos líderes religiosos em 2022.

Vinicius Torres Freire - Religião barulhenta, fome quieta

Folha de S. Paulo

País passa por transformações sociais profundas e graves na Grande Estagnação

A gente anda esquecida de dar importância a transformações graves que acontecem bem diante das fuças, que mudam o ar social e político que se respira.

Não se trata apenas da normalização de horrores sob Jair Bolsonaro: golpetorturaditadura, ignorância e ódio à diversidade humana, por exemplo. Vai além do bolsonarismo, que foi veículo ou catalisador de mudanças, mas é menor do que essas torrentes.

A religião voltou a se tornar assunto de Estado, oficialmente, com a indicação e a aprovação de André Mendonça para uma cadeira do Supremo, por exemplo.

Sim, já tivemos crença oficial ou oficiosa. A Igreja Católica, muita vez reacionária e monopolista, teve peso enorme na política e na sociedade. Esqueceu-se disso talvez porque tenha havido um vácuo de política religiosa. Imaginou-se então que o país evoluía para a laicidade civilizada, de liberdade para todas as crenças, que seriam assunto privado, se não íntimo. Esse lapso ocorreu entre o começo da decadência da influência do catolicismo, a partir do final dos 1960, e o fortalecimento político-econômico do que se chama hoje genericamente de "evangélicos", no começo dos 1990. Foi lapso no sentido de tempo e de engano.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Um Estado para chamar de seu

O Estado de S. Paulo

Eleito por suas críticas ao aparelhamento do Estado pelo PT, Bolsonaro quer subvertê-lo em instrumento de seus interesses particulares

À época da ditadura, a pior ofensa que se podia fazer à Polícia Federal (PF) era dizer que era um órgão de governo, não de Estado. Caudatário daquele regime de exceção, Jair Bolsonaro, em seu arremedo de autocracia, dá um passo além: quer transformar a PF em sua guarda pretoriana, para não dizer sua milícia particular.

Como mostrou recente reportagem do Estadão, Bolsonaro acumula ao menos duas dezenas de mudanças na PF, um volume sem precedentes na história da República. Os delegados afastados têm em comum o fato de terem contrariado o presidente de alguma forma, em geral investigando zelotes bolsonaristas.

Seria tentador dizer que Bolsonaro confunde interesses pessoais com interesses de governo e de Estado. Mas o fato de que os primeiros sempre prevalecem revela que ele distingue bem as três dimensões e quer subvertê-las por completo: o Estado a serviço do governo; o governo a seu serviço.

O aparelhamento das forças de segurança é talvez a única tarefa à qual o ergofóbico presidente se dedica com afinco, seja porque formam suas bases eleitorais, seja pelos seus apetites autoritários, seja para apaziguar ressentimentos recalcados: o capitão enxotado do Exército por insubordinação e sedição, agora se quer generalíssimo.

“Meu Exército” é como Bolsonaro se referiu mais de uma vez à corporação do Duque de Caxias. Seguindo a cartilha do caudilho Hugo Chávez, a quem já declarou admiração, Bolsonaro colonizou o governo com militares. Mesmo após a sua malograda tentativa de “alinhar” as Forças Armadas, que levou à demissão dos seus comandantes, elas se permitiram confundir, em alguns momentos, com o bolsonarismo, como no desfile dos blindados no coração de Brasília para intimidar o Congresso e o Supremo ou ao tolerar a participação do general Eduardo Pazuello em manifestações políticas (e golpistas).

Poesia | Fernando Pessoa - Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroc
̧a de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabec
̧a,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensac
̧ão de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.