terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Merval Pereira: Expectativa de poder

O Globo

O jantar comemorativo do grupo Prerrogativas em homenagem ao ex-presidente Lula se transformou em evento político de relevo, não apenas pela presença de vários líderes da esquerda brasileira, como pelo lançamento informal da chapa Lula-Alckmin à Presidência da República no ano que vem. Há uma diferença imensa, porém, entre defender que a Justiça seja feita ou acusar o ex-juiz Sergio Moro de ter distorcido os processos para condenar o ex-presidente e apoiá-lo publicamente como candidato à Presidência. Individualmente, cada um desses advogados tem o direito de apoiar quem quer que seja, mas o conjunto deles só deveria atuar em defesa de valores e princípios do Direito e da democracia, pois para isso foi formado.

Defender os direitos do cidadão Luiz Inácio Lula da Silva não significa, automaticamente, apoiá-lo à Presidência, mesmo que acreditem nessa balela de que o juiz Sergio Moro o condenou para ajudar Bolsonaro a vencer a eleição de 2018. O erro político de Moro se evidencia no flanco que abriu a seus críticos ao ter aceitado ser ministro da Justiça de Bolsonaro, não pelo fato em si, pois tinha a seu favor a intenção declarada do novo governo de apoiá-lo no combate à corrupção. Agiu melhor que outro “ingênuo”, o ministro da Economia, Paulo Guedes, que segue agarrado ao barco pilotado por Bolsonaro depois de inúmeras demonstrações de que o presidente não pretende cumprir nenhuma das promessas liberais no campo econômico.

Míriam Leitão: O jovem Boric e os sonhos chilenos

O Globo

O presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, ouvia música durante a campanha, nem que fosse meia hora, de madrugada, porque, como disse, “precisa de música”. Gostaria de morar no centro da cidade, perto do La Moneda, mas não no Palácio. Não tem carro e gosta de andar de metrô. Durante a campanha, que ele definiu como “de uma intensidade que não se alcança quando se começa”, Boric conseguiu um tempo, no disputado segundo turno, para ver dois episódios da série “Get Back", sobre os Beatles. Sua namorada, Irina, não gosta do papel de “primeira dama”, e prefere continuar liderando a Frente Feminista. Esses fatos foram narrados em entrevista a jornalistas da TV Nacional, 72 horas antes da eleição que o consagrou vencedor. No domingo, ele pulou uma mureta de proteção para chegar mais rápido ao palco onde falaria para a multidão, que o aguardava gritando “Justiça, verdade, não à impunidade”.

Os sinais da juventude são uma lufada de ar fresco na política chilena, que precisava muito de renovação. Mas a grande questão que se coloca agora é como o jovem roqueiro, que começou como líder estudantil, poderá entregar os sonhos que estimulou. Ele sabe dessa dificuldade tanto que disse no discurso de vitória: “os tempos não serão fáceis diante das consequências sociais, econômicas e sanitárias da pior pandemia da história”.

Luiz Carlos Azedo: A eleição de Boric no Chile pode virar um El Niño político

Correio Braziliense

O principal beneficiado da eleição de Boric é o ex-presidente Lula, favorito em todas as pesquisas de opinião. Bolsonaro, porém, não se sente derrotado estrategicamente

A esquerda venceu as eleições no Chile com a eleição do ex-líder estudantil e jovem deputado Gabriel Boric, de 35 anos, o mais jovem político a presidir o país em toda a sua história. Foi uma eleição marcada pela polarização política, na qual o candidato da Convergência Social, apoiado pelo Partido Comunista chileno, derrotou o ultradireitista José Antônio Kast, do Partido Republicano, um fanático admirador do ex-presidente Augusto Pinochet, o ditador sanguinário que liderou o golpe militar de 1973, no qual o presidente Salvador Allende se suicidou, em meio ao bombardeio do Palácio La Moneda por aviões de caça da Força Aérea chilena. A eleição foi de virada: no primeiro turno, Boric havia ficado em segundo lugar.

A nova situação chilena parece retomar o fio da história interrompido com o golpe de 1973, quando Allende representava o sonho de um socialismo democrático. É como se a história tivesse sido “descongelada” após quase 50 anos. Embora o atual presidente Sebastian Piñera e a socialista Michelle Bachelet tenham protagonizado as disputas políticas direita x esquerda dos últimos 16 anos, ambos são políticos moderados, governaram em aliança com os liberais. Boric se apresentou no primeiro turno como uma candidatura de viés muito esquerdista. Entretanto, moderou o discurso no segundo e se aproximou dos socialistas, liberais e democrata-cristãos para derrotar a extrema-direita.

Hélio Schwaetsman: Gasto eleitoral de 5,7 bi é imoral

Folha de S. Paulo

Um Congresso responsável já teria desenhado um sistema de redução paulatina do fundo eleitoral

Congresso com enorme frequência toma decisões ruins. Por vezes, essas decisões são também moralmente injustificáveis. É o caso da derrubada do veto presidencial ao fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões. Partidos políticos poderão dispor no pleito do ano que vem de mais do que o dobro do que gastaram em 2018.

A pandemia deixou o Brasil mais pobre. Para alguns estratos sociais, isso significa fome. O setor público, que mantém programas que podem acolchoar a crise, também passa por apertos. Num exemplo quase aleatório, reitores de universidades federais se queixam de que não têm recursos para continuar com o funcionamento dos bandejões, que vendem refeições subsidiadas para os estudantes. É a definição mesma de economia burra. A universidade oferece a alunos cursos que, no setor privado, podem custar centenas de milhares de reais, mas não dá aquele tantinho a mais que lhes permitiria dedicar-se integralmente aos estudos.

Joel Pinheiro da Fonseca: A guerra está apenas começando

Folha de S. Paulo

Radicalização nas redes sociais segue a todo vapor e promete ser mais violenta que em 2018

A se acreditar nas pesquisas até agora, a vitória de Lula no ano que vem é líquida e certa. E que Bolsonaro perderia no segundo turno contra qualquer oponente. Conforme nos aproximemos da eleição, contudo, tudo pode mudar. Não devemos descartar Bolsonaro tão cedo.

O presidente tem um ativo que nenhum outro candidato, até agora, tem: engajamento e militância. Nas ruas, a diferença é gritante: protestos enormes; aglomeração de apoiadores para aplaudi-lo onde quer que vá. O mesmo não acontece com Lula. Não há contradição entre liderar com folga as pesquisas e não ter engajamento popular —Biden que o diga. Mas a desigualdade de engajamento indica, no mínimo, que Bolsonaro terá larga vantagem no número de voluntários a seu favor no ano que vem.

Cristina Serra: Máquina mortífera no Planalto

Folha de S. Paulo

O que ainda impressiona é que nenhuma instituição política e/ou jurídica do país seja capaz de deter Bolsonaro

Enquanto políticos, juristas e analistas em geral discutem se o que Bolsonaro comanda é genocídio, extermínio, mortandade ou carnificina, o criminoso ri da discussão semântica, dobra a aposta e ataca outra vez. Agora, nega vacinas para crianças. O massacre de 620 mil brasileiros nos cemitérios não basta. O vírus pede mais sangue, e Bolsonaro se dispõe a despachar a encomenda.

No costumeiro estilo miliciano, ele expande a truculência e parte para cima da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que autorizou a imunização para crianças entre 5 e 11 anos. Até pouco tempo atrás parceiro do delinquente em protesto negacionista e, hoje, ao que parece, distanciado do Planalto, o diretor-presidente da Anvisa, Barra Torres, pediu proteção policial para servidores e diretores da agência, tamanha a gravidade das ameaças.

Alvaro Costa e Silva: Marilene Felinto precisa dar um rolé maior no Rio

Folha de S. Paulo

Ela conversou com dois taxistas e acha que entende a cidade

Entre os cronistas cariocas nas décadas de 50 e 60 —um timaço com Sérgio Porto, Paulinho Mendes Campos, Fernando Sabino, Carlinhos Oliveira—, Antônio Maria é o que menos deve a Rubem Braga, que abriu o caminho da modernidade estilística e da conversa fiada com o leitor no fim dos anos 30. Os craques, de alguma maneira, são filhotes do velho sabiá. Maria, não; já veio arrumadinho e penteado do Recife.

O pesquisador Guilherme Tauil, na antologia "Vento Vadio" (Todavia), reuniu 185 textos do cronista, a maioria deles só publicada em jornais e revistas. É um livraço, o melhor lançamento do ano. Nele se comprova que Antônio Maria até se atrevia a tirar sarro de Rubem Braga:

"Sou novo no bairro e faço uma grande confusão entre o Jardim Botânico e a casa da Besanzoni [atual parque Lage]. Ambas são moradas de muito muro e, às vezes, dão impressão de casa mal-assombrada. No Jardim Botânico não acontece nada além da árvore da primavera, que bota uma flor em setembro para o Braga escrever uma crônica e viver, por longo tempo, dos comentários que desperta".

Andrea Jubé: Presidenciáveis elegem as leituras de Natal

Valor Econômico

Roosevelt, escravidão, racismo, e crime na cabeceira

A relação dos presidentes da República com os livros e o hábito da leitura é um capítulo à parte na história brasileira, com lances dramáticos, ou trágicos, dignos da melhor ficção.

Por exemplo, a fatalidade que levou à morte o marechal Castello Branco (1897-1967), apenas quatro meses depois de ele transmitir a Presidência ao general Costa e Silva (1899-1969).

Após uma escala breve na fazenda da amiga e escritora Rachel de Queiroz, Castello embarcou com o irmão, Candinho, em uma aeronave cedida pelo governo estadual rumo a Fortaleza (CE). Em um arranjo nefasto do destino, o avião chocou-se no ar com jatos da FAB.

Na cena do acidente, o que intrigou historiadores foi o embrulho de papel pardo, contendo um exemplar raro da primeira edição de “Iracema”, de José de Alencar.

Devoto da leitura, Castello tinha lido toda a obra de Alencar, seu parente distante e conterrâneo cearense, na juventude. Posteriormente soube-se que Rachel havia incumbido o irmão de Castello de entregar a raridade a um amigo no Rio de Janeiro.

A escritora temia que Castello apreendesse a encomenda e a desviasse para sua biblioteca particular. No desenlace da triste epopeia, o livro foi encontrado mais próximo do corpo de Castello do que do portador do volume.

Pedro Cafardo: A triste sensação de ser um país ignorado

Valor Econômico

Brasil passou a ser não contestado, mas desprezado no mundo

Há um momento, na 3ª temporada da série de TV “Succession”, em que a família do magnata Logan Roy, interpretado por Brian Cox, discute o apoio a um candidato republicano à presidência dos Estados Unidos. No meio da conversa, a filha Shiv Roy (atriz Sarah Snook) lembra que o preferido da família era fascista e que, se eleito, a América correria o risco de se transformar em uma “f*** (palavrão) república russa, berlusconiana ou brasileira”.

A citação passa meio despercebida para quem não presta atenção no inglês, porque a legenda em português traduz “Brazilian” por “tupiniquim”. Mas essa passagem ilustra, de forma quase subliminar, a triste e vergonhosa imagem adquirida pelo Brasil no exterior nos últimos três anos.

Discorrendo sobre esse tema em artigo (21/11/21) na “Folha de S.Paulo”, Candido Bracher, ex-presidente do Itaú Unibanco, observa que a imagem do Brasil foi cruelmente retratada em um vídeo em que o presidente Jair Bolsonaro “aparece perdido entre os líderes do G20, [em Roma, no mês passado], perambulando pelo salão sem encontrar outra forma de aliviar seu isolamento que não fazendo graça com garçons, que sorriam constrangidos”.

Gustavo Loyola*: Um ano novo desafiador

Valor Econômico

O caminhar do processo eleitoral será fundamental para o cenário da economia brasileira em 2022

Às vésperas das comemorações do Réveillon, cabe perguntar o que se espera no Ano Novo no que diz respeito ao desempenho da economia brasileira. As previsões trazidas pelo Relatório Focus do Banco Central, infelizmente, não dão margem para muito otimismo. Em sua última divulgação, a mediana das expectativas para o crescimento do PIB em 2022 estava apenas em 0,5%, percentual que vem caindo seguidamente nas últimas semanas.

Há várias causas, estruturais e conjunturais, que explicam as previsões pessimistas para o ano que vem. Entre elas se destaca, certamente, o aperto monetário que está sendo praticado pelo Banco Central que elevou a taxa Selic de 2% no início de 2021 para os atuais 9,25%, taxa que deve subir ainda mais em 2022, atingindo 11,5%, segundo o mesmo Relatório Focus.

Ana Carla Abrão*: (I)mobilidade social

O Estado de S. Paulo.

Um novo instituto, o IMDS, discute políticas públicas eficazes para fugir do populismo

Estamos às portas de 2022, ano de eleições presidenciais. Agendas pululam e, torçamos, propostas serão colocadas à prova. Pesquisas mostram que será a economia o tema que deverá concentrar as atenções. Inflação e desemprego machucam, e o anseio é o de saber quem poderá – e como – aliviar os impactos sobre o bolso do cidadão brasileiro. Esses são os problemas reais, e enfrenta-los de forma certeira e rápida é o que se espera de quem vier a nos governar a partir de 2023.

Não é para menos. A inflação em 12 meses superou os 10%, a maior desde janeiro de 2016. O desemprego, que se mantinha na casa dos 14%, continua resiliente. Ainda são 13,5 milhões de brasileiros sem emprego. Sem contar a informalidade, o subemprego e um desequilíbrio que se confunde com baixa qualificação. Assim convivem, paradoxalmente, desemprego e falta de oferta de mão de obra na medida em que o mercado de trabalho avança buscando novas competências. Responsabilidade fiscal e crescimento vão na direção da solução. Uma torna mais efetivo (e menos custoso) o solitário trabalho da política monetária. O outro garante a abertura de novos postos de trabalho.

Bernard Appy*: Descompasso

O Estado de S. Paulo.

Em vez de nortear suas decisões pela análise de de custos e benefícios, governo tem se guiado por palavras de ordem

Há vários grupos desenvolvendo propostas de políticas públicas para o próximo governo – alguns ligados a determinados candidatos, outros sem vinculação partidária. Tenho contato com diversos desses grupos e chama a atenção não apenas a qualidade do trabalho, como a convergência entre propostas de pessoas que seguem linhas políticas bastante distintas. Apesar da polarização disfuncional dos últimos anos, minha impressão é que, mais do que em eleições passadas, há hoje uma compreensão mais difundida sobre os problemas do País e sobre o que precisa ser feito para superá-los.

Felipe Salto*: Quem quer dinheiro?

O Estado de S. Paulo.

Quando o orçamento é tratado como feira livre, perde-se a capacidade de controle e de resposta aos anseios da população

No último dia 13, ao ser entrevistado no programa Roda Viva, da TV Cultura, falei à jornalista Vera Magalhães que estávamos diante de uma política fiscal destrambelhada. O teto de gastos, única âncora ativa, foi alçado. Além disso, o chamado orçamento secreto, revelado pelo Estadão, não teve reação institucional à altura. Em 2022, haverá até R$ 36 bilhões para gastos pulverizados. É a lógica do Silvio Santos no orçamento público: “quem quer dinheiro”?

A Instituição Fiscal Independente (IFI) calculou que o rombo no teto de gastos se combinou com o calote nos precatórios e nas sentenças judiciais para abrir espaço fiscal de quase R$ 118 bilhões em 2022. Esse número poderá ser um pouco menor, a depender da inflação de 2021 (que conheceremos no início de janeiro). De todo modo, contabilizados os gastos já anunciados ou aprovados (caso do Auxílio Brasil), sobrariam cerca de R$ 36 bilhões para despesas extras.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Congresso se refestela, Bolsonaro silencia

O Estado de S. Paulo

Presidente usa vacinação de crianças contra covid-19 como distração enquanto parlamentares triplicam o fundo eleitoral, com apoio do governo

A tradicional farra com dinheiro público que acontece todo fim de ano nas votações do Congresso Nacional atingiu um novo ápice. Com apoio de 317 deputados e 53 senadores, os partidos terão R$ 5,7 bilhões para financiar suas campanhas políticas em 2022, quase o triplo dos R$ 2 bilhões do ano passado. Esse volume escandaloso de recursos do Orçamento poderá ser utilizado para viagens, contratação de cabos eleitorais e publicidade nas redes sociais. Ele se somará ao fundo partidário de R$ 1,1 bilhão, que banca a estrutura das legendas, mas também abastece o caixa das candidaturas.

O aumento do fundão teve apoio suprapartidário e contou com a constrangedora leniência do governo. Nem parece que Jair Bolsonaro transformou o tema em um cavalo de batalha há alguns meses, quando decidiu vetar a proposta e ignorar o acordo feito entre os partidos da base e responsabilizar o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), como se a iniciativa tivesse sido do vice-presidente da Câmara. A diferença é que, agora, o presidente tem um novo partido que precisa desses recursos para financiar sua tentativa de reeleição. Por isso, desta vez, optou por um conivente silêncio.

Poesia | Joaquim Cardozo: Canto do homem marcado

Sou um homem marcado ...

Em país ocupado

Pelo estrangeiro.

Sou marinheiro

Desembarcado;

Marcho na bruma das madrugadas;

                                                    Mas-

Trago das águas

A substância

Da claridade.

DA CLARIDADE!