terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Andrea Jubé: Breve manual político do velho pescador

Valor Econômico

Com Alckmin à espera, PT e PSB reúnem-se na quinta-feira

Publicado há 70 anos, “O velho e o mar” traz o duelo eletrizante entre Santiago, um velho pescador, e um peixe gigante, de mais de cinco metros, que o desafiou em uma aparente centelha de sorte, após uma maré de revezes. “A sorte é uma coisa que vem de muitas formas, e quem é que pode reconhecê-la?”, refletiu a certa altura o personagem de Ernest Hemingway (1899-1961).

Quem conhece a obra, sabe que após uma luta que se estendeu por tortuosos dois dias e duas noites, a história chegou ao fim sem vencedor ou vencido, a não ser por um remoto “triunfo interior” que alguns críticos atribuem ao pescador. “O homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas nunca derrotado”, ensinou Santiago, em outro trecho do romance.

O embate entre o velho e o peixe serve de metáfora ao duelo de forças que se desdobra nos bastidores entre PT e PSB. Do desfecho depende a possível indicação do ex-governador Geraldo Alckmin para a vaga de vice do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na chapa petista.

Tal qual o clássico de Hemingway, a batalha entre as duas forças de esquerda implica uma combinação de tempo, estratégia e paciência de ambos os lados. “Posso aguentar tanto tempo quanto ele”, rugiu o pescador, em outra passagem do livro, num exemplo de persistência.

O próximo “round” da negociação entre PT e PSB está programado para quinta-feira (20) em Brasília. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e o presidente do PSB, Carlos Siqueira, voltam a se reunir para retomar as discussões sobre a criação de uma federação entre as siglas, que também abrangeria PCdoB e PV.

Outro impasse envolve os palanques em São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. As articulações desandaram após o último encontro da cúpula dos dois partidos no dia 20 de dezembro, em São Paulo, que contou com as participações de Lula e do ex-prefeito Fernando Haddad.

De lá pra cá, o PT lançou a pré-candidatura do senador Humberto Costa ao governo de Pernambuco, fazendo a terra tremer em território dominado pelo PSB há 15 anos. A possível escolha de Alckmin como vice de Lula foi criticada pelo ex-presidente do PT Rui Falcão: “Lula não precisa de muleta eleitoral”, reprovou Falcão, que é próximo de Lula.

A fala do ex-dirigente contrariou Alckmin e Haddad, um dos artífices da chapa, porque a composição implica a transferência de capital político do ex-tucano para a campanha petista ao Palácio dos Bandeirantes.

Para colocar panos quentes, o ex-presidente do diretório paulista do PT Emídio de Souza, escreveu ontem em seu perfil nas redes sociais: “O PT já aprendeu há muito tempo que não se faz aliança com iguais. Lula não precisa de muleta eleitoral, mas de um amplo arco de alianças para vencer e sustentar um programa de redução da desigualdade social e de garantias democráticas”. Emídio foi um dos coordenadores da campanha de Haddad em 2018.

Os defensores da escolha de Alckmin veem no enlace a mesma força simbólica da união do petista com o empresário José Alencar há 20 anos.

Em conversa com a coluna, Gleisi comparou o simbolismo da aliança de 20 anos atrás, com a possibilidade de uma chapa com Geraldo Alckmin, ou outro político que represente o espectro de centro. “Em 2002, a chapa com Zé Alencar apontou para uma necessária aliança com o setor produtivo da economia, que se refletiu no plano político, abrindo interlocução com setores que eram refratários a Lula e ao PT em torno de um programa para o país”, disse a dirigente petista.

“A composição da chapa de 2022 decorrerá mais de um processo de alianças políticas porque o país conhece Lula e seu modo de governar. O que o Brasil não aceita mais são aventureiros e candidatos que negam a política”, completou Gleisi.

O secretário-geral do PT, deputado federal Paulo Teixeira, acrescentou à coluna que a sigla ainda fará a discussão formal sobre Alckmin na vice da chapa petista. “O partido vai amadurecer junto com o Lula e o fruto desse amadurecimento será a decisão final”, resumiu.

Até lá, as conversas entre PT e PSB evoluem aos solavancos. No Rio Grande do Sul, a militância petista continua avessa ao apoio à candidatura ao governo do ex-deputado Beto Albuquerque, um aguerrido crítico da sigla no passado recente. No Espírito Santo, o PSB quer o apoio do PT à reeleição do governador Renato Casagrande. Mas o secretário estadual de Planejamento, Gilson Daniel, filiado ao Podemos, está na pré-campanha do ex-juiz Sergio Moro.

Em 2018, as negociações entre PT e PSB para a coligação nacional prolongaram-se até o limite do calendário eleitoral. No dia 5 de agosto, último dia do prazo legal, o PSB realizou a convenção nacional formalizando a opção de não apoiar nenhum candidato a presidente, desagradando a ala do partido que queria marchar com Ciro Gomes. O ato sacramentou o acordo celebrado entre Gleisi e Siqueira quatro dias antes - após meses de articulações.

O PSB resistia a se aliar ao PT porque as lideranças da sigla estavam convictas de que, ao fim, a Justiça Eleitoral impediria a candidatura de Lula. O nome de Fernando Haddad seria formalizado somente em 11 de setembro.

Para impedir a aliança com Ciro Gomes, o PT sacrificou a candidatura da então vereadora Marília Arraes ao governo de Pernambuco, o que viabilizou a reeleição do governador Paulo Câmara (PSB) no primeiro turno. O arranjo também minou a postulação de Marcio Lacerda (PSB) ao governo mineiro, mas o então governador Fernando Pimentel (PT) acabou em terceiro lugar.

A coligação formal com o PSB repassaria ao PDT de Ciro Gomes, pelo menos, mais 3 minutos e 50 segundos para a propaganda eleitoral no rádio e na televisão. O acordo entre PT e PSB enfureceu Ciro Gomes, que acabou isolado. “Eu que tenho a cabeça fora da linha d’água, estou ponderando e pedindo muita calma nessa hora", declarou o pedetista, na ocasião.

Ciro não estava errado: calma, paciência, tempo e alguma sorte são ingredientes das articulações bem sucedidas, que envolverão vencedores, derrotados e destruídos, como diria o velho Santiago.

 

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