domingo, 9 de janeiro de 2022

Bernardo Mello Franco: Palpite infeliz

O Globo

Toda virada de ano é assim. Na falta de notícias, políticos, economistas e consultores despejam profecias para os próximos 12 meses. Os chutes costumam conter pouca análise e muita propaganda. Para sorte dos oráculos, quase tudo é esquecido até o carnaval.

Em dezembro de 2020, o ministro Paulo Guedes vendia otimismo sobre a recuperação da economia. “Essa volta do crescimento em V é prova de que o Brasil estava decolando quando a pandemia chegou”, fantasiou, em entrevista à revista Veja. “O Brasil será a maior fronteira de investimentos do mundo em 2021”, empolgou-se.

No mundo real, o país terminaria o ano em recessão técnica, depois de o Produto Interno Bruto cair por dois trimestres consecutivos. O que decolou foi a taxa básica de juros, que chegou a 9,25%. E ainda deve subir mais, enterrando as chances de uma retomada em 2022.

Guedes não foi o único economista a errar feio nas previsões para o ano passado. No último boletim Focus de 2020, o mercado financeiro projetou uma inflação de 3,32%. Ao fim de 2021, o índice já ultrapassava os 10%. O IBGE deve divulgar o número oficial na terça-feira.

Em alguns casos, o fiasco das pitonisas pode se revelar uma boa notícia. “Vocês sabem quantos por cento da população vai tomar vacina? Pelo que eu sei, menos da metade vai tomar”, disse Jair Bolsonaro há um ano. Felizmente, a população ignorou o presidente e acreditou na ciência. Até sexta, 75,7% dos brasileiros haviam tomado ao menos a primeira dose.

Há uma linha tênue entre a previsão furada e a cascata deliberada. Na primeira semana de 2021, o cientista político Fernando Schüler previu um ano de calmaria institucional. Escreveu que era “incrivelmente tedioso” discutir se o bolsonarismo ameaçava a democracia.

Segundo o professor do Insper, só “alarmistas e teóricos do caos” podiam temer uma escalada autoritária. Meses depois, o presidente promoveu um ensaio de golpe a céu aberto, com desfile de tanques, ataques ao sistema eleitoral e insultos a ministros do Supremo.

Em favor de Schüler, seu esforço para normalizar o capitão não começou no ano passado. Na campanha de 2018, o entediado professor já garantia que Bolsonaro seria “moderado” pelas instituições. “Não dá para confundir retórica de um parlamentar polêmico com uma ameaça real”, declarou, como se a faixa presidencial fosse transformar um fã da ditadura em democrata desde criancinha.

Como as falsas profecias são esquecidas rapidamente, seus autores continuam à vontade para falar pelos cotovelos. Há duas semanas, Guedes repetiu a cantilena de que a economia “voltou em V”. Em seguida, decretou o fim da pandemia. “A doença foi vencida”, sentenciou, em vídeo divulgado pelo Ministério da Economia.

A fala foi ao ar em 22 de dezembro, quando o noticiário já registrava o avanço da Ômicron na Europa e nos Estados Unidos. Em poucos dias, a variante começaria a varrer o Brasil. O besteirol de Guedes vai ficar por isso mesmo — pelo menos até o próximo palpite infeliz.

 

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