segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Bruno Carazza*: Os blefes de Bolsonaro

Valor Econômico

Presidente da República veta e o Centrão derruba

Bolsonaro avisou que vai vetar o projeto que legaliza os cassinos no Brasil. Em entrevista à Rádio Viva FM, do Espírito Santo, na semana passada, o presidente declarou que “os jogos de azar, no meu entender, não são bem-vindos no Brasil”. Alertou, contudo, que o Congresso Nacional é um Poder independente, e que cabe aos deputados e senadores a palavra final, pois têm condições de derrubar seu veto.

“Pacto com o diabo!” - essa foi a reação de Damares Alves após a apresentação do então ministro Marcelo Álvaro Antônio sobre o projeto de “resorts integrados”, que combinariam hotelaria e casas de apostas, em estudo na sua pasta, na famosa reunião de 22 de abril de 2020.

Quase dois anos depois, a decisão de Bolsonaro de vetar o PL nº 442/1991, caso os parlamentares aprovem a legalização dos jogos de azar no Brasil, é um agrado à sua ministra mais terrivelmente evangélica e a toda a sua base de eleitores religiosos que veem na jogatina um meio de destruição da paz familiar. Acontece que o presidente está blefando.

No presidencialismo de coalizão brasileiro, o presidente da República tem muitos poderes no jogo legislativo. Ele tem a prerrogativa de editar medidas provisórias e a exclusividade de propor projetos de lei sobre um amplo rol de assuntos, da organização do Estado ao planejamento orçamentário. Também pode pedir urgência na tramitação das propostas de seu interesse, interferindo na dinâmica de votações do Congresso. Como tem a chave do cofre e a caneta que nomeia, é elevado o seu cacife para convencer um parlamentar a votar segundo a sua vontade.

Nos últimos anos, porém, deputados e senadores estão virando a mesa. Com a aprovação de mudanças constitucionais que tornaram obrigatória a execução de emendas orçamentárias propostas por eles, os parlamentares aumentaram seu poder de fogo contra o governo. Os legisladores também aprenderam que é um ótimo negócio apostar em dispositivos estranhos (os famosos jabutis) em matérias em discussão, buscando assim pegar carona em projetos de interesse do presidente. E se a sorte não lhes favorecer, com o chefe do Poder Executivo rejeitando suas propostas, eles ainda têm a prerrogativa de derrubar o veto presidencial.

Uma evidência de como deputados e senadores vêm depositando mais fichas no processo legislativo é apresentado no gráfico. Desde o governo de Fernando Henrique, os presidentes estão sendo forçados a vetar mais e mais projetos aprovados pelo Congresso - a média mensal de recusas a chancelar as decisões do Parlamento (as colunas azuis do gráfico) multiplicou-se por quatro de FHC a Bolsonaro.

A existência de um maior número de vetos, por si só, não é sinal de que a sorte virou para o lado dos parlamentares. FHC e Lula, cada um ao seu estilo, tiveram sólidas bases de apoio e conseguiam manter sua vontade quando o Congresso apreciava esses vetos. Mais recentemente, porém, tivemos várias rodadas de presidentes politicamente frágeis. Com isso, a quantidade de vezes em que o Congresso derrubou os vetos de Dilma, Temer e Bolsonaro também disparou (colunas amarelas do gráfico).

O caso de Bolsonaro, entretanto, é diferente. Não se trata apenas de um presidente fraco que perde um número maior de disputas no Congresso. Como um jogador de carteado que pisca para o parceiro ao sair com uma mão boa, Bolsonaro combina previamente seus movimentos com seus colegas do Centrão.

Desde que passou a dar as cartas no Palácio do Planalto, Bolsonaro repete à exaustão a mesma jogada. Sempre que um projeto impopular ou fiscalmente irresponsável é aprovado no Congresso, o presidente anuncia sua discordância e impõe seu veto. Alguns meses depois, porém, quando os parlamentares vão apreciar a recusa presidencial, Bolsonaro não faz nenhum esforço para manter sua negativa - e mesmo seus aliados votam pela derrubada do veto.

O Congresso aumentou o fundão para R$ 5,7 bilhões? Bolsonaro diz que é contra e veta, mas não exige que seus aliados mantenham sua decisão no Congresso. Paulo Guedes avisa que não tem dinheiro para lançar um novo Refis ou para renovar benefícios fiscais em plena pandemia? Bolsonaro diz que é importante manter a responsabilidade na administração das contas públicas e veta o dispositivo; em questão de semanas, contudo, libera sua bancada para votar contra seu próprio ato.

Durante a pandemia, a gravidade da situação social e o funcionamento remoto do Congresso levaram à aprovação de um número atípico de projetos de lei, a maioria deles trazendo embutidas vantagens e benesses setoriais, a um custo econômico difícil de estimar.

Na loteria da vida, num dos momentos mais graves da história recente, estamos sendo governados por um presidente que não tem nenhuma disposição para se envolver na negociação das reformas realmente necessárias para o país. Para piorar, o Congresso se encontra nas mãos de um Centrão caça-níquel, que transformou o trabalho parlamentar num cassino.

Bolsonaro vetará a legalização dos jogos de azar. Mas é pule de dez que o Congresso derrubará seu veto. A política brasileira é um lance de dados viciados.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. 

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