sábado, 22 de janeiro de 2022

Carlos Alberto Sardenberg: Vacina obrigatória

O Globo

Saiu o que deve ser a primeira sentença no Brasil punindo um cidadão por desrespeitar as regras de isolamento.

O juiz Carlos Gustavo Urquiza Scarazzato, de Adamantina, interior de São Paulo, condenou um homem de 29 anos a pagar indenização de R$ 3 mil por dano moral coletivo.

Esse homem foi diagnosticado com Covid-19 em março de 2021 e recebeu a recomendação de permanecer isolado do dia 5 até 17 desse mês. Ele furou o isolamento — uma das vezes para ver uma partida de futebol — e foi flagrado pela Vigilância Epidemiológica. Primeiro, recebeu advertência, depois, continuando a sair de casa, e ainda sem máscara, a Vigilância lavrou auto de infração, e a polícia registrou Boletim de Ocorrência.

Daí, o Ministério Público estadual ajuizou ação civil pública. E, finalmente, a sentença, baseada na Lei 13.979, de 2020, que estabeleceu as medidas sanitárias para o combate à pandemia.

Segundo o juiz Scarazzato, o réu cometeu “grave ataque à saúde coletiva”, colocou em risco diversas outras pessoas, com “inegável dano social”, crime passível de indenização.

Eis o ponto. A liberdade individual tem limites — e o limite é o direito dos outros. Decisão importante neste momento em que ainda se discute se as pessoas têm o direito de não se vacinar e continuar circulando por aí.

Alguns movimentos desta semana: o governo da Austrália mandou o notório antivacina Djokovic para casa; e o Parlamento da Áustria aprovou lei que tornará a vacinação obrigatória a partir de fevereiro, estipulando multa pesada para os deliberadamente não imunizados. Houve protestos em Viena durante a votação.

Por aqui, o ministro da Saúde continua em sua campanha para desmoralizar a vacinação infantil e insiste que a imunização não é obrigatória. Muitos especialistas, porém, entendem que a legislação brasileira torna, sim, obrigatória a vacinação das crianças — não apenas para Covid-19, mas para todas as moléstias contagiosas.

Está faltando uma palavra do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre esses “direitos difusos”. Quem sabe chegue à Corte o caso de Adamantina. Mas, gente, que seja com um mínimo de celeridade. Do jeito que costuma acontecer, o STF só tomaria uma decisão na próxima pandemia.

A população brasileira mostra grande adesão à vacina. Entretanto muitos pais e mães têm manifestado dúvida, estimulada pelo presidente e pelo ministro Queiroga. Os dois tiveram comportamento imperdoável diante do caso de uma menina de Lençóis Paulista, interior de São Paulo, que sofreu parada cardíaca horas depois de receber uma dose da Pfizer.

Em vez de determinar estudos e pesquisas, Queiroga correu para a cidade para visitar a família da “vítima”. Bolsonaro telefonou.

Isso quando os estudos promovidos pelo governo e entidades científicas de São Paulo já mostravam que não havia relação de causa e efeito entre os dois eventos. A menina, que já está bem, sofria de uma doença cardíaca não diagnosticada até então.

É até ridículo ter de falar disso quando se sabe que centenas de milhões de crianças têm sido vacinadas mundo afora, com total segurança. Pela ciência, logo estarão sendo vacinados bebês a partir de seis meses. E nós aqui nesse negacionismo.

Quer saber? Dadas as circunstâncias, a vacina deveria ser obrigatória para todos, com penalidades para quem não se imunizasse.

Tem razão o juiz Scarazzato: o comportamento do cidadão que quebrou o isolamento, sabendo que estava infectado, “agravou os nada insignificantes riscos de disseminação da Covid- 19, majorando os riscos a toda a coletividade (...) Essa conduta tem aptidão concreta para expor a coletividade a riscos decorrentes do comportamento individual irresponsável. Efetivamente, o contexto pandêmico evidencia a relevância de direitos difusos, cujos titulares são indefinidos, mas que nem por isso são menos relevantes e podem sofrer menoscabo em razão da conduta irresponsável”.

É isso aí.

 

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