quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Cristovam Buarque*: Plano C

Correio Braziliense

No artigo “Plano B”, neste jornal, Luiz Carlos Azedo, contesta a ideia de que Bolsonaro está fragilizado: sem votos e sem apoio militar. Seu artigo provoca imaginar um “Plano C”, para eleger Bolsonaro, graças ao voto nulo por rejeição ao PT.

Impossível prever, mas tudo indica que nenhum dos candidatos da “terceira via” vai ter votos para chegar ao segundo turno, seja porque não se unem, devido às divergências, seja por nenhum deles ter votação maior que Lula ou Bolsonaro.

 O primeiro turno terá uma campanha tão radicalizada no mantra “nem Lula nem Bolsonaro”, que muitos dos atuais candidatos a presidente serão levados a votar em Bolsonaro: coerência com os discursos contra Lula, porque são mais antipetismo que antifascismo, ou porque suas bases estão mais próximas do ex-capitão do que do ex-operário.

Nas três semanas entre os dois turnos, milícias estarão nas ruas, as tropas prontas nos quartéis e as mídias sociais repercutindo a fala dos candidatos para ampliar a rejeição a Lula.

O quadro está posto para este novo plano: o preconceito contra Lula, sem observar qualidades de seu governo, e a arrogância do PT, sem perceber que é difícil se eleger sozinho e impossível governar sozinho, são as ferramentas básicas do “Plano C”.

Em 1985, o PT representava o nem nem -  nem Tancredo, nem Maluf; sair  ou continuar na ditadura foi tratado como problema do Brasil, não do PT. Em 2022, já se considerando no segundo turno, parece trabalhar para a eleição entre “petistas puros” contra “bolsonaristas puros”, sem considerar o “resto dos brasileiros”.

Até mesmo tentativas de Lula para ampliar apoio e passar credibilidade são bombardeadas, como no caso de ter Alckmin como vice. Os petistas não parecem entender que esta eleição não é para o PT ganhar, mas para o PT salvar o Brasil do abismo atual.

Apesar da rejeição, Lula parece ser a melhor alternativa, pela força popular e pela experiência reconhecida de seu governo, mas pode ser uma alternativa ameaçada pela rejeição. Por isso, PT e Lula têm a obrigação de agir para reduzir a rejeição. Não devem ignorar os votos do “resto dos brasileiros”, achando que votarão em Lula, porque o outro lado é pior. O próprio PT não fez isso em 1985, no Colégio Eleitoral, nem em 1989. Em 2018, o PT tinha um ótimo candidato e perdeu pela rejeição. Desta vez, não tem esse direito.

O PT deve lembrar que Lula foi condenado por juízes sob suspeição, mas não deve continuar no negacionismo diante da corrupção e do aparelhamento que ocorreram em seus governos - as malas de dinheiro e as contas na Suíça são tão verdadeiras quanto a redondeza da Terra. Dar garantias de que o Estado não será aparelhado, e indicar as medidas anticorrupção que tomarão para barrar corrupção. Sinalizar que o governo não será prisioneiro do partido, nem este dos sindicatos de categorias que representam privilégios distantes do povo. Deixar de considerar golpistas os milhões que foram às ruas pedir o impeachment de um governo petista, dentro da Constituição, como o PT fez no caso do Collor e tentou com FHC. Entender que o Brasil está ficando para trás por falta de reformas e não por causa delas, especialmente uma reforma nacional na educação de base, mas também nas relações trabalhistas e na máquina do Estado. Garantir que compromissos assumidos legalmente com respaldo do Congresso serão mantidos. 

Entender que responsabilidade fiscal é necessária para credibilidade na economia e para impedir a inflação que rouba, sobretudo dos pobres, para financiar privilégios e ineficiências. Deve denunciar os equívocos da política econômica de Bolsonaro, mas não deve negar os erros graves do negacionismo que a partir de 2008 tratou a crise como uma “marolinha”, a “gripezinha” da economia. E definir uma política econômica sem populismo com responsabilidade fiscal. Entre 2003 e 2008, o governo Lula mostrou que isso é possível, agora é necessário.

Os que são contra o PT devem sair do “nem nem”, deixar de ver esta eleição como disputa apenas política entre Lula e Bolsonaro, mas sim como uma disputa histórica, como em 1989, entre um Brasil ou outro. E o PT não deve levar o Brasil a uma disputa entre seus negacionismos e os negacionismos de Bolsonaro. Para tirar o Brasil do abismo é preciso sair do “Nem Nem”, e do “Só Eu”.

Para tanto, o PT deve ter a grandeza de sair do seu ensimesmamento, e respeitar o “resto dos brasileiros” e o futuro do Brasil. Sem nostalgias por ideias obsoletas, reconhecendo as especificidades do Brasil mas também a realidade do mundo. Sobretudo, não aceitar fazer parte do “Plano C”.

*Professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB)

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