segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Fernando Gabeira: Você já foi à Bahia?

O Globo

Não é mais um artigo sobre a incrível insensibilidade de Bolsonaro, que não foi à Bahia confortar as pessoas, articular obras de reconstrução de estradas, casas e até mesmo determinar a ajuda médica necessária.

É apenas uma anotação na minha agenda. As chuvas na Bahia foram as maiores dos últimos 32 anos. Gostaria de visitar as cidades atingidas para saber até que ponto eram vulneráveis e o que é possível fazer para fortalecê-las diante dos eventos extremos.

Passaria por Itabuna, veria o Rio Cachoeira, faria uma parada em Itamaraju, onde, no passado, comia um camarão na moranga, de passagem para Ilhéus.

Já fiz um projeto semelhante de analisar as condições de uma cidade diante de eventos extremos, após uma enchente em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo.

Não o realizei. O que pude fazer agora neste fim de ano foi uma viagem para documentar a vulnerabilidade do litoral brasileiro diante da possível elevação do nível dos mares, provocada pelo aquecimento global.

Passei pelo norte do Rio, onde a Praia de Atafona está coberta de ruínas, fui a Meaípe, no Espírito Santo, onde a Rodovia do Sol foi parcialmente arrancada pelas ondas. Passei também pelo Morro das Pedras, em Florianópolis, onde os moradores se entrincheiram com sacos de areia, e terminei a viagem em Pernambuco. Há mais de dez anos, destinei dinheiro do Orçamento a uma pesquisa voltada a salvar as praias de Boa Viagem e algumas da Região Metropolitana, em Paulista e Jaboatão.

Naquela época, sugeri uma parceria entre pernambucanos e holandeses, que têm uma ampla tradição de conter o mar. Hoje, já há trabalho comum, o que é uma boa notícia.

Nessa caminhada, soube que os ingleses fizeram também uma pesquisa sobre o litoral brasileiro. Queriam quantificar, ao que parece, os custos de uma defesa contra a elevação do nível dos mares.

Os ingleses são pioneiros nisso. Um homem chamado Nicholas Stern fez um trabalho importante mostrando quanto a humanidade economizaria se tomasse as precauções necessárias diante do aquecimento global.

Os custos da inação são muito altos. Num relatório de 700 páginas, escrito em 2006, ele propunha que se investisse 1% do PIB por ano, para evitar perdas que poderiam ser de 5% ao ano, ou mesmo até 20%, dependendo de quanto a temperatura se elevasse.

Comecei a fazer perguntas sobre o litoral. Resta agora avançar por algumas cidades atingidas, voltar às cidades do Sul da Bahia, por onde passo tantas vezes, e, sem grandes pretensões, estimular a curiosidade sobre o tema: como adaptar o Brasil ao aquecimento global, com que projetos, a que custo.

Um observador do cotidiano diria que é uma atividade lírica, pois não há dinheiro para nada. É uma objeção razoável.

Onde buscar dinheiro pelo menos para os projetos? Se conseguirmos vencer essa etapa, creio que talvez fosse possível atrair dinheiro internacional. Não me refiro apenas a uma fração dos US$ 100 bilhões que a COP26 anunciou em Glasgow.

É preciso buscar outros caminhos, imaginar saídas. Ali em Ilhéus, existe uma lagoa chamada Encantada, que é realmente muito bonita. Quando chove, é inacessível. Poderia tornar-se um lugar resiliente aos eventos extremos e, ainda por cima, permitir a exploração de um turismo sustentável de grande potencial.

Não sei se o melhor caminho é um plano nacional ou se cada região deve tomar sua própria iniciativa. Sei apenas que adaptar o Brasil às consequências do aquecimento global não enriquece necessariamente as novas gerações, mas evita que elas empobreçam de forma brutal.

São ideias ainda meio embrionárias, estamos aprendendo aos poucos.Lembro-me das grandes chuvas na Serra Fluminense, que cobri até o fim do lento trabalho de reconstrução. Aprendemos ali que era necessário prever tempestades e avisar aos moradores com urgência. Isso foi possível na Bahia, e é uma lição para todo o país. Não podemos evitar eventos extremos, mas prever com alguma antecedência já é alguma coisa.

 

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