quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

José Augusto Guilhon Albuquerque*: Tem Moro na costa

O Estado de S. Paulo

Seriam as expectativas otimistas suficientes para ele ter sucesso em montar uma candidatura com reais chances de ser competitiva?

Para os portugueses da época das invasões mouriscas, a presença de mouros na costa era, evidentemente, prevista, mas como, quando e onde tentariam o desembarque era imprevisível.

Que o ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro, poderia retomar sua breve carreira política estava previsto. Mas não era previsível como, quando ou onde ocorreria, nem muito menos que faria tábula rasa da pré-campanha eleitoral.

O retorno de Moro provocou um choque de realidade no processo sucessório, porque mostra que nem a reeleição de Bolsonaro nem a volta de Lula estão garantidas. Alguns candidatos, partidos e “analistas” deram sinal de alívio ou de esperança, outros se mostraram desapontados ou enraivecidos.

Com base no que tenho observado e compartilhado neste espaço, a entrada de um candidato competitivo na chamada terceira via poderia desacreditar a tática da polarização e, com isso, reduzir a pulverização do espaço da de centro. Minha hipótese é de que a polarização entre os extremos, somada à pulverização dos moderados, é o que abre caminho para candidatos aventureiros.

Seria Moro mais um aventureiro, tendo como único trunfo sua popularidade no terreno da lei e da ordem, sem experiência política, sem um currículo de gestor público ou de legislador, sem capacidade para reunir uma equipe capaz de montar um governo? Tecnicamente, diria que sim, mas saber se sua candidatura irá reproduzir a trajetória do aventureirismo político ou se vai construir algo mais sólido depende dos passos que tomará daqui até o primeiro turno.

É razoável a surpresa de todos com o Moro candidato. Alguns contavam que ele voltaria como mais um neopopulista, já sem carisma e sem estofo político. Outros reagiram como se enxergassem em sua conduta algo além de sua popularidade: uma posição política conservadora, economicamente liberal, e alguma disposição para abraçar políticas progressistas do ponto de vista social e ambiental.

Seriam essas expectativas otimistas suficientes para Moro ser bem-sucedido em montar uma candidatura com reais chances de ser competitiva? Moro só será competitivo se neutralizar a tática de polarização, com o objetivo maior de reduzir, drasticamente, a fragmentação dos moderados. Seu obstáculo imediato, por outro lado, será o sucesso da dupla Lula/Bolsonaro em dar nova vida à polarização e contribuir para consolidar a fragmentação do resto do eleitorado.

A pressão sobre ele para polemizar com Bolsonaro e Lula já é crescente e deverá aumentar durante a campanha propriamente dita. Para não ser engolido pela polarização forçada, terá de evitar, a qualquer custo, envolver-se em temas restritos às questões de lei e ordem que confirmariam a pecha de arremedo de Bolsonaro ou ser reduzido a um algoz de Lula.

Resta saber quais fatores contribuem para o sucesso ou o fracasso da candidatura Moro.

O maior risco que ele pode correr é o de ficar refém do eleitorado de direita, pois dividiria com Bolsonaro a intenção de voto, sem ganhar nada em troca. Essa divisão poderia inviabilizar o acesso de ambos ao segundo turno.

Portanto, o futuro de Moro depende de sua capacidade de mover-se em direção ao centro. O primeiro passo foi dado quando procurou associar seu perfil ao de um economista respeitado, com posições liberais e capacidade de atrair apoio na sociedade civil, especialmente entre especialistas com experiência de governo, que são amplamente reconhecidas.

Mas não basta, pois a candidatura Moro está atrelada a um partido pequeno, mais conhecido por sua falta de orientação política clara do que por sua contribuição ao processo político nacional. Isso significa que caberá ao candidato dar suporte ao sucesso eleitoral do partido, e não o inverso. Se não reunir, em torno de sua candidatura, uma coalizão mais ampla, dificilmente poderá ir longe.

Outro obstáculo é o espaço político congestionado por pré-candidatos. Também não é suficiente sinalizar, com palavras, o desejo de cumprir as expectativas do eleitorado situado entre a centro-direita e a centro-esquerda. Moro preciso montar uma aliança formal em que parte relevante deste eleitorado moderado confie. Isso significa aliar-se a partidos tradicionais com bases municipal e estadual bem estabelecidas.

Apenas uma aliança bi ou tripartidária, com divisão bem clara de papéis, na eleição e no futuro governo, e que compartilhe uma plataforma de objetivos convergentes será capaz de evitar que a candidatura fique restrita à direita, de dar credibilidade ao suporte partidário do candidato e de atrair o voto identificado com a terceira via.

Assim, a probabilidade de que o alívio e a esperança, aparentemente provocados pelo choque do retorno de um Moro mais assertivo, venham a render voto na urna seria superior à probabilidade de que Lula/Bolsonaro recuperem os votos conquistados em 2018, uma vez que a polarização dos extremos e a fragmentação dos moderados dependem de fatores que nem um nem outro pode controlar.

Todos tratam Moro como a bola da vez. Resta saber o que ele fará com a bola.

*Professor titular da USP

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