domingo, 2 de janeiro de 2022

Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro começa o ano em guerra com a burocracia

Correio Braziliense / Estado de Minas

Não é fácil operar uma política de cooptação. Vimos isso no Inep, na Anvisa, no Ibama, na Capes, no Inpe e, agora, na Receita Federal. Servidores ameaçam parar a administração federal

Falsas ideias sobre a guerra aberta que se instalou no governo entre o presidente Jair Bolsonaro e a alta burocracia federal. Uma é de que estaria prestando um serviço à sociedade ao desmantelar órgãos e instituições que, supostamente, seriam um entrave à economia e à liberdade dos cidadãos, na linha das ideias ultraliberais do “Estado mínimo”; a outra, de que opera uma política para liquidar ou enfraquecer redutos, supostamente, “comunistas”, ao operar a cooptação de setores que seriam vitais para a reprodução de seu projeto de poder. O resultado dessa guerra é um tiro no próprio pé, pois anula, com grande antecipação, a vantagem estratégica que todo governante teria quando disputa a reeleição: a capacidade de implementar políticas públicas bem-sucedidas em razão do controle do governo.

Na teoria, a burocracia tem os seguintes pressupostos: legalidade das normas, comunicação formal, impessoalidade no relacionamento, divisão de trabalho, hierarquia da autoridade, rotinas e procedimentos, competência técnica e mérito, especialização, profissionalismo, previsibilidade. Isso vale para qualquer burocracia, em qualquer lugar do mundo onde existe um Estado organizado e legalmente constituído. Quando isso não acontece, como no governo Bolsonaro, as políticas públicas acabam bloqueadas e a ação do governo não chega a bom termo. Em razão da Constituição de 1988, temos um Estado ampliado, com divisão entre poderes e caráter federativo tripartite, cujo bom funcionamento depende do respeito a esses pressupostos.

Desde o começo do mandato, Bolsonaro revelou má vontade e incapacidade de lidar com a complexidade do Estado brasileiro. Num primeiro momento, atuou para desmantelar as políticas públicas e enfraquecer os órgãos de controle e fiscalização na área ambiental, bem como desorganizar e impor paradigmas reacionários à política cultural e de direitos humanos. A agenda é voltada para sua mais resiliente base eleitoral, como pecuaristas, grileiros, madeireiros e garimpeiros, na área ambiental; setores conservadores da sociedade, sobretudo evangélicos, na área cultural; e o pessoal adepto da truculência e da justiça pelas próprias mãos, quanto aos direitos humanos.

O problema de Bolsonaro, porém, é que essa política pôs abaixo os índices de aprovação do Executivo e sua própria imagem como governante. Voltou-se contra as principais atividades-fim do governo na área social, no caso, a saúde pública e a educação, com resultados desastrosos, em todos os sentidos. Como são áreas que operam num sistema tripartite, ou seja, em grande parte controladas por estados e municípios, além da reação natural desses entes federados, houve forte reação das corporações da área, sobretudo da Saúde, em razão da pandemia da covid 19, com seu saldo de 619 mil mortos até agora.

Greve geral

O controle da burocracia, geralmente, depende de ideologia e cooptação. No primeiro caso, 37 anos após a redemocratização, temos uma burocracia permanente constituída por mérito, por meio de concurso público, e formada nos cânones modernos da administração pública, ou seja, com concepções democráticas, que antipatiza com as ideias reacionárias da maioria dos ministros e de outros integrantes da equipe de Bolsonaro, muitos dos quais despreparados para a ocupação dos respectivos cargos. No segundo, que se caracteriza pela absorção de novos elementos nas esferas de decisão governamentais, as opções de Bolsonaro foram a militarização do governo e a promoção de indivíduos alinhados ideologicamente aos cargos de chefia. Um exemplo é o diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Maiurino. Bolsonaro tenta transformar a Polícia Federal em polícia política (é judiciária).

Entretanto, não é fácil operar uma política de cooptação. Vimos isso no Inep, na Anvisa, no Ibama, na Capes, no Inpe e, agora, na Receita Federal. No caso da Polícia Federal, a saída foi um aumento privilegiado de salários para todos os policiais federais, no Orçamento da União de 2022, porém, sem reajustes às demais categorias, com salários congelados há cinco anos. O resultado é uma rebelião na burocracia federal, que começou com os auditores fiscais e pode se estender às demais carreiras, com uma greve geral.

 

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