sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Luiz Carlos Azedo: A pedagogia do mau exemplo na campanha antivacinas

Correio Braziliense

Bolsonaro sabota a estratégia de imunização das crianças. É um péssimo exemplo para a saúde pública.  A subnotificação está mascarando a verdadeira dimensão da quarta onda de Covid-19

O presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a criticar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por liberar a vacinação do público pediátrico de 5 a 11 anos. Chamou os cientistas e médicos que defendem a vacinação das crianças a partir dos cinco anos de “tarados da vacina” e reiterou que a sua filha, de 11, não será vacinada. Sua ofensiva contra a vacinação de crianças e pré-adolescentes ocorre num momento em que explodem os casos de influenza e de covid-19, inclusive com transmissão comunitária da variante ômicron. Pronto- socorros e ambulatórios estão lotados, houve aumento exponencial da procura por testes de covid-19.

Os números registrados nos Estados Unidos, Europa e Ásia revelam que a quarta onda da pandemia de covid-19 é uma realidade, com o registro de mais de 2,5 milhões de casos por dia. A interpretação do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, de que o Brasil está fora dessa rota não corresponde à realidade. Além disso, corrobora as suspeitas de que o apagão de dados do SUS pode ter sido provocado por hackers, mas a demora para resolver o problema faz parte da má vontade e das manobras protelatórias do governo federal contra a vacinação. O ministro está incorrendo nos mesmos erros que o general Eduardo Pazuello cometeu à frente do Ministério da Saúde, ao se submeter aos caprichos do presidente da República e dar as costas à população em situação de risco sanitário.

Não custa nada lembrar a velha história do grão-vizir da Pérsia, que inventou o tabuleiro com 64 quadros, vermelhos e pretos, cuja peça mais importante era o rei — a segunda peça, o próprio grão-vizir, foi substituído pela rainha com o passar dos anos. Reza a lenda que rei gostou tanto do jogo de xadrez, que pediu ao grão-vizir para determinar sua própria recompensa. O grão-vizir pediu ao rei que lhe fosse dado um único grão de trigo no primeiro quadrado, dois no segundo, quatro no terceiro e assim por diante, dobrando sempre as quantidades. O rei achou a recompensa insignificante e aceitou.

Entretanto, quando o administrador do celeiro real começou a contar os grãos, o rei teve uma surpresa muito desagradável. O número começou pequeno: 1, 2, 4, 8, 16, 32 (…) e foi crescendo, 128, 256, 512, 1024… Quando chegou à última das 64 casas do tabuleiro, era de quase 18,5 quintilhões. Quanto pesa cada grão de trigo? Se cada um tiver um milímetro, pesariam 75 milhões de toneladas métricas, muito mais do que havia nos armazéns reais. “Se o xadrez tivesse 100 quadrados (10 por 10), em vez de 64 a quantidade de grãos teria pesado o mesmo que a Terra”, comparou o físico Carl Sagan, em Bilhões e Bilhões.

Essa história é uma boa analogia com a tragédia de 619 mil de mortos por covid-19 no Brasil, que parece não ser levada em conta pelo atual ministro da Saúde. Pazuello tinha a desculpa da disciplina militar (“ele manda, eu obedeço”). Queiroga, não. É um médico cujo juramento está sendo rasgado, porque se tornou apenas mais um áulico negacionista no alto escalão do governo.

Subnotificação

A vacinação em massa, que já atingiu 67,42% da população brasileira com duas doses ou dose única graças ao SUS, e a menor letalidade da nova variante ômicron vão evitar que o número de mortos se multiplique outra vez. Entretanto, cresce exponencialmente o número de novos casos de covid-19, inclusive entre os 37% já vacinados com três doses. A subnotificação está mascarando a verdadeira dimensão da quarta onda no Brasil. O grande problema é que os não vacinados estão correndo risco de vida. E o grande número de pacientes com influenza e/ou covid-19 já está impactando o sistema hospitalar.

A falta de empatia de Bolsonaro com as vítimas de covid-19 permanece a mesma: “Desconheço (o número de crianças mortas por covid-19), mas, com toda certeza, existe algum moleque que morreu em função de covid, mas que tinha algum problema de saúde grave ou tinha outra comorbidade”. Em dezembro, registrou-se que 2.625 crianças e adolescentes entre zero e 19 anos morreram de covid-19, desde o primeiro caso da doença no Brasil, em março de 2020. Para qualquer família, perder uma criança ou um adolescente é um trauma para o resto da vida. É muito antinatural os filhos morrerem antes dos pais.

Bolsonaro sabota a estratégia de imunização das crianças: “Você vai vacinar seu filho contra algo que, no jovem, por si só, a possibilidade de morrer é de quase zero? O que está por trás disso? Qual é o interesse da Anvisa por trás disso? Qual é o interesse das pessoas taradas por vacina? É pela sua vida? Pela sua saúde? Se fosse, estariam preocupados com outras doenças, e não estão. Não se deixe levar por propaganda”. O presidente da República é um péssimo exemplo para a saúde pública.

 

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