quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Míriam Leitão: A conspiração contra as crianças

O Globo

As crianças brasileiras de 5 a 11 anos poderiam voltar às aulas em fevereiro já vacinadas, com duas doses, mas o governo não quis e continua não querendo vaciná-las. A entrevista de ontem no Ministério da Saúde em que, derrotado, o governo teve que incluir essa faixa etária no Programa Nacional de Imunização, foi um show de hipocrisia e dissimulação. Rendidos, ainda assim os integrantes da cúpula do Ministério, Marcelo Queiroga à frente, continuavam tentando espalhar as mesmas mentiras, incutir o medo, criar exigências descabidas.

O secretário de vigilância em saúde, Arnaldo Medeiros, mostrou dados para explicar que o número de infecções em crianças caiu. Ora, caiu porque houve um aumento da vacinação na população em geral e, portanto, queda da circulação do vírus.

A secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid do Ministério da Saúde, Rosana Leite disse que houve muitas “demandas” e por isso eles “abriram o debate". Na verdade, eles inventaram uma audiência pública que nunca ocorreu no Programa Nacional de Imunização (PNI) para protelar ao máximo a vacinação das crianças. A secretária também disse que é “imprescindível” que se consulte um médico antes de vacinar. Não exigiram porque sabiam que a Justiça derrubaria, mas ela usou estrategicamente a palavra “imprescindível”. Nesse Brasil desigual, consultar um médico é fácil para os ricos e a classe média, mas não para os pobres."

A bula estabelece três semanas de espaço entre as doses, e o governo estabeleceu quase o triplo do tempo. A secretária levantou mais um fantasma. Disse que o risco de “miocardite” é menor se o intervalo for de oito semanas. O ministro Queiroga disse e repetiu que a Anvisa é que tem a competência da avaliação, e que as grandes agências reguladoras do mundo aprovaram a vacinação das doses pediátricas. Ora, se é isso, por que ele inventou tantos obstáculos?

O governo nos fez perder a hora certa. As crianças precisavam ser vacinadas antes do novo ano letivo. Se não houvesse tanta manobra protelatória, o país voltaria às aulas muito mais seguro. O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Marcelo Queiroga foram derrotados no jogo de cena da consulta pública, e ontem tiveram que anunciar que elas estão incluídas no PNI. Era isso ou a Justiça iria impor, porque o STF já havia estabelecido prazos para o governo explicar por que não tinha ainda incluído as crianças.

A cronologia dos eventos é impressionante. No dia 16 de dezembro, a Anvisa aprovou a vacinação de crianças. No mesmo dia, o presidente Bolsonaro, em uma live, ameaçou divulgar os nomes dos técnicos da Anvisa. Deu a senha para os ataques de ódio dos fanáticos da sua rede. 

No dia 17, Queiroga disse que o assunto não era consensual. No dia 19, disse que iria fazer uma análise pública, e que só a autorização da Anvisa não era suficiente. “Eu sou a principal autoridade sanitária do país e não abro mão de exercer as minhas prerrogativas, porque elas decorrem de decisão do mandatário máximo”.

No dia 20 disse que não era preciso açodamento, porque houve em 2021 “menos de 150 óbitos” de crianças. Afirmou que não estava menosprezando a vida, mas era exatamente o que fazia. E continuou fazendo inclusive ontem. No dia 23 disse que era necessária autorização dos pais, e depois falou em exigir prescrição médica e, por fim, inventou uma consulta pública.

Perdeu o debate, e perdeu a compostura. O presidente sempre jogou contra a saúde de todos os brasileiros, desde o início dessa pandemia. No caso da vacinação de crianças, mais uma vez, Bolsonaro divulgou mentiras e espalhou temores infundados nos pais e nas crianças. De Bolsonaro se espera qualquer perversidade. Marcelo Queiroga é médico, em algum momento da sua vida ele fez o juramento de Hipócrates.

Que ganho político Bolsonaro e Queiroga pensam que terão falando para a sua seita de fanáticos? Queiroga disse que a compra da vacina vai depender da adesão dos pais. Ele ainda joga contra a vacinação. O ministro faz isso por sabujice, seus secretários lhe seguiram nos modos. Pelo grau de dissimulação da fala de ontem de Queiroga, ele deve pensar que o país esquecerá o que ele fez neste verão.

 

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