segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Mirtes Cordeiro*: Pequenas histórias da vida cotidiana

O Jornal do Commercio em sua manchete deste sábado anunciou: “Recifense amargou 13% de alta na feira”. Eu li a matéria justamente ao chegar da feira no Mercado da Mangueira, em Prazeres, Jaboatão dos Guararapes. Segundo o jornal, os dados apresentados pelo DIEESE indicam que a capital pernambucana está entre as três do Brasil com maior aumento da cesta básica em 2021.

Na verdade, fazer a feira toda semana – o que inclui frutas, verduras, carnes e alguns cereais – tem se tornado verdadeira maratona num labirinto no qual as mulheres – maioria – transitam de um lugar para outro em busca do menor preço aliado à qualidade do produto. Café, açúcar, banana, tomate, carne, manteiga, farinha de mandioca, óleo de soja e pão francês são os produtos que tiveram maior alta de preço.

Justamente alguns alimentos básicos para a população pobre.

Nós, as mulheres, que somos geralmente as responsáveis por fazer a feira, vamos acumulando experiência na arte da economia. Na prática.

Parte dos políticos e muitos economistas deveriam passar por essa experiência.

O político para entender como será difícil quando perder a eleição e já não ter disponíveis as verbas de gabinete e os cartões corporativos.

Os economistas para elaborarem melhor as propostas para os candidatos a presidente da República nesta eleição que se aproxima.

Ambos deveriam entender o que é o dia a dia de uma família para sobreviver, fazendo malabarismos para sustentar uma prole, ainda que seja pequena.

A ceia do Natal já foi reduzida. Várias histórias falam de famílias que não se reuniram para fazer a ceia, não em razão da pandemia, pois todos já estavam vacinados, mas para reduzir o gasto com alimentos, gás, transporte e energia.

Sei que vivemos numa economia de livre mercado, mas o que deve ser feito para proteger as famílias que têm apenas um salário mínimo, no valor atual de R$ 1.210 reais para sobreviver, em geral no mínimo com quatro pessoas? O DIEESE também fala que o valor de R$ 5.800 reais seria o salário mínimo necessário para a manutenção de uma família com quatro pessoas.

Esta pergunta deverá ser respondida neste ano de eleição, através das propostas dos candidatos à presidência da República.

A defasagem é grande, porque a desigualdade no país também é grande, em todos os sentidos. Os programas voltados para a agricultura familiar não têm sido eficientes para facilitar a chegada dos alimentos à mesa de quem mais necessita.

“A inflação dos alimentos tem pressionado os orçamentos das famílias desde 2020, especialmente de classes mais pobres”, diz Joelson Sampaio, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EESP). “As pressões sobre os alimentos, permanecerão pelo menos até 2022-2023”, acrescenta o professor.

Essa previsão apresentada por dados pesquisados indica que poderá crescer o número de brasileiros a sofrer com a fome.

Nesse contexto podemos observar através de pequenas histórias contadas nas feiras, nos supermercados, nas instituições de solidariedade, várias formas experimentadas pelas famílias para superar a falta de recursos na compra dos alimentos.

Algumas relatam que primeiro fizeram a substituição dos alimentos; em seguida, a redução das porções e, posteriormente, a redução do número de refeições.

Relatou para mim um dono de um pequeno frigorífico que “em tempos normais” distribuía ossos com um pouco de carne para umas dez famílias da região, estimuladas por ele a aceitarem a doação como forma de garantir uma boa sopa à noite, e que de início elas sentiam vergonha por precisar da ajuda. Atualmente já não consegue dar conta da demanda, por ele estimulada como uma espécie de responsabilidade social, porque aumentou o número de famílias necessitadas e caiu a venda da carne no frigorífico.

Quem frequenta as feiras e vários supermercados, ouve as histórias, sobretudo das mulheres, preocupadas com a sobrevivência dos filhos, as dificuldades geradas pela ausência da merenda escolar no dia a dia da família.

Mulheres grávidas que também precisam se alimentar e garantir nutrientes para a criança durante a gravidez.

As unidades de atendimento às políticas para os mais fragilizados pela vida também reduziram o atendimento em função da pandemia.

A tentativa de sobreviver através do empreendedorismo tem pontos positivos e negativos, gerando níveis altos de ansiedade em decorrência da incerteza, por conta da pouca prática e ausência de experiência com negócios. Além de tudo, o empreendedorismo requer determinado nível de conhecimento que às vezes é limitado pela baixa escolaridade.

Pequenas histórias de brasileiros vão formando um novo mosaico na sociedade brasileira nessa travessia de caminho pandêmico, esperançosa por tempo melhor.

Brasileiros, no entanto, têm dado lições de solidariedade ampliando a ajuda durante a pandemia. Pequenos relatos de Ongs, igrejas e outras instituições têm indicado o crescimento da solidariedade aos mais pobres.

Até o momento a imprensa registra a situação de apenas um brasileiro que relatou ter sido hospitalizado por ter se alimentado demais, com muito camarão – um alimento que está entre os mais caros – comendo a ponto de entupir o intestino e ser conduzido para a emergência hospitalar.

Pois é, o Brasil é formado por estas pequenas histórias.

*Mirtes Cordeiro é pedagoga. 

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