quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Nilson Teixeira: Lula e o presidencialismo de conciliação

Valor Econômico

O presidencialismo de coalizão não é mais suficiente para garantir o apoio recorrente dos parlamentares

A crescente fragmentação política explica, em parte, o aumento da dificuldade de formação de uma coalizão robusta no Congresso. No início do 1º governo FHC, havia 17 partidos políticos com representação na Câmara dos Deputados, sendo que os cinco maiores tinham 394 cadeiras (77% do total). Atualmente, 24 partidos têm pelo menos um deputado federal, enquanto os cinco maiores alcançam apenas 228 cadeiras (42% do total) e só dois têm mais de 10% dos deputados.

Para alcançar a maioria de 308 votos, bastava o governo FHC obter apoio de 90% dos deputados dos quatro maiores partidos. Por outro lado, o presidente Bolsonaro só consegue esses votos se conquistar uma base de 90% dos deputados de todos os partidos com exceção de PT, PSDB, PSB, PDT, PSOL, PCdoB, PV e Rede (137 deputados). Esse número demonstra o quão difícil é a obtenção de apoio para medidas como as que cortam benefícios ou as que elevam a tributação.

A base de apoio no Congresso tem sido construída com barganhas entre o governo - empenhado na obtenção de apoio - e os parlamentares - interessados no atendimento dos seus eleitores. Na maioria das vezes, o objetivo dos políticos é o de ampliar benefícios e obter verbas para sua base eleitoral, sendo poucos os eleitos por conta de suas posições sobre temas nacionais. A aprovação de reformas atrai, portanto, pouca atenção, exigindo empenho do Executivo para convencer os congressistas sobre sua relevância.

Como suas emendas não eram de execução obrigatória até alguns anos atrás, os parlamentares precisavam muitas vezes da anuência da coordenação política do governo para que seus projetos fossem adiante. A dificuldade desse processo explica a barganha que os congressistas submetiam o Executivo na votação de suas propostas. Esse era o melhor momento e, muitas vezes a única forma, de os parlamentares alcançarem seus objetivos.

Assim, o presidencialismo de coalizão garantia a construção de uma base de apoio sólida no Congresso. A nomeação nos ministérios e em estatais de indicações da base aliada sustentava essa aliança e garantia a aprovação dos projetos do governo por filiados desses partidos.

A grande dificuldade na liberação de recursos contribuiu, porém, para a promulgação da Emenda Constitucional 86/2015 que tornou as emendas individuais - cerca de R$ 10 bilhões em 2021 -- impositivas, a menos de pendências técnicas ou documentais. Do mesmo modo, as emendas do relator, totalizando cerca de R$ 18 bilhões em 2021, também se tornaram obrigatórias mais adiante, com restrições ainda menores do que para as demais.

O surgimento das emendas impositivas, bem como a fragilização partidária e o baixo compromisso dos filiados com as diretrizes das agremiações, modificaram o roteiro das negociações, enfraquecendo o presidencialismo de coalizão, ou seja, a capacidade de cooptação do apoio dos parlamentares. Os deputados com trânsito junto aos líderes do Congresso, ao relator do orçamento ou aos presidentes das duas casas têm, agora, condições de destinar recursos para suas regiões sem a burocracia e a barganha com o governo.

O presidencialismo de coalizão não é mais suficiente para garantir o apoio recorrente dos parlamentares. Hoje, poucos são os indicados pelos partidos para o Executivo e as estatais capazes de garantir votos para o governo. O novo arcabouço precisa ser mais completo, baseado não apenas na distribuição de cargos, mas também na efetiva participação das lideranças partidárias e dos presidentes das casas legislativas na escolha e na formulação dos planos de governo encaminhados para o Congresso.

Portanto, o presidente eleito precisará de uma habilidade conciliatória muito maior do que no passado. Esse novo sistema exigirá um largo arco suprapartidário. Há duas alternativas: uma coligação formada pelos partidos de esquerda, centro e de centro-direita ou pelos partidos de direita, centro e de centro-esquerda.

O ex-presidente Lula (PT) é o candidato mais apto para a construção dessa conciliação. As equipes do seu governo englobaram representantes de partidos de diferentes ideologias, apesar da resistência de parte do PT de acomodar visões diferentes. A proposta de ter como parceiro o ex-governador Geraldo Alckmin, reconhecidamente conservador, sugere sua compreensão sobre a necessidade de alianças amplas.

O presidente Bolsonaro (PL), por outro lado, não alcançará uma harmonia disseminada. Bolsonaro não demonstrou habilidade para unir opostos, mantendo recorrentes atritos com membros dos demais poderes e até com políticos com perfil similar ao seu. Apesar de o risco de avanço de processos de impeachment ter forçado seu acordo com parte do Centrão, essa união é frágil e incapaz de garantir votos suficientes para aprovar suas propostas.

Entre os outros candidatos, o ex-ministro Sérgio Moro (Podemos) tem pouca experiência política e seu currículo não indica capacidade de conciliação com aqueles com diferentes visões. Já o ex-governador Ciro Gomes (PDT) tem experiência política, mas sua atuação é marcada por descontroles e desavenças com seus críticos, o que dificulta uma aliança firme. A história do PSDB concede ao governador João Doria (PSDB) as condições de montar essa base de apoio mais ampla. Não obstante, sua carreira envolve embates até com o seu próprio partido, sugerindo que um pacto não seria simples.

Essa concertação não evoluirá antes das eleições, pois a campanha é marcada por platitudes. Só após o 1º turno, no melhor dos cenários, será possível conhecer o detalhamento das propostas de governo, de modo a permitir o estabelecimento de um pacto abrangente.

Em suma, com o aumento das emendas impositivas, o candidato eleito terá menos poder sobre a distribuição de recursos públicos. Para aprovar os ajustes necessários, o futuro presidente precisará inaugurar o presidencialismo de conciliação, definido pela construção de um apoio suprapartidário a partir do convencimento político, bem como do compartilhamento de poder e da formulação dos programas de governo. Só assim será possível promover transformações no país. Não há outra solução.

 

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