segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

É positiva ideia de diversificar fontes de energia elétrica

O Globo

Investimentos na produção de energia elétrica costumam ser altos, exigir planejamento minucioso e demandar bastante tempo para entrar em funcionamento. Não é por outra razão que são sempre esperados com expectativa os relatórios do Plano Decenal de Energia, preparados pela Empresa de Pesquisa Energética, órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia.

Neles são traçados os cenários de demanda futura e as necessidades de expansão. Como demonstraram as repetidas crises de suprimento dos últimos anos, esse é um tema de amplo interesse. É importante para empresários preocupados com a produção e custos, para ambientalistas atentos aos impactos ambientais e também para o cidadão comum, muitas vezes surpreendido por contas de luz mais caras.

O último relatório, o que contém o planejamento até 2031, entrou em consulta pública na segunda-feira, 24. Um amplo debate do setor se faz necessário para apontar possíveis erros de avaliação, mas já é possível dizer que ele traz algumas boas novas. A principal é reconhecer que o país não pode ficar à mercê de repetidos sobressaltos, sempre na eminência de apagões e racionamentos. Os técnicos da Empresa de Pesquisa Energética parecem ter se dado conta de que é preciso dar uma atenção redobrada aos riscos impostos pelo aquecimento global.

A fonte hídrica responde por cerca de 62% da capacidade instalada de geração. Entre outubro de 2020 e setembro de 2021, os reservatórios das hidrelétricas registraram os níveis mais críticos em 91 anos. Nesse período de um ano, 9 meses ficaram entre os piores de todo o histórico. Foi um caso extremo, mas não isolado de estiagem. Há oito anos os reservatórios têm ficado com água abaixo da média. É possível que esteja em curso uma mudança no regime de chuvas. Como demonstram os casos recentes da Bahia e Minas Gerais, períodos de escassez hídrica seguidos de eventos extremos de temporais podem se consolidar como o novo normal.

O volume de água que chegou aos reservatórios das principais hidrelétricas do país entre 2010 e 2020 caiu 10% em comparação com a média de 1931 a 2020, segundo uma pesquisa do Grupo de Estudos Energéticos da Universidade Federal do Paraná (UFPR). As razões para a redução das vazões se devem a mudanças climáticas e intervenções humanas em outras áreas, como a agricultura irrigada.

O relatório do Plano Decenal de Energia acerta ao propor uma maior diversificação das fontes, reduzindo a dependência de uma específica. A proposta é diminuir a fatia da hídrica de 62% da capacidade instalada de geração para 48,5% e aumentar o gás natural de 8,5% para 12,5%, a solar de 6,5% para 18,5% e a eólica de 10,5% para 12%. Faz bem também ao prever a construção de uma nova usina nuclear com previsão de início de operação em 2031. Com duas usinas no Rio (Angra 1 e 2), a energia atômica responde por menos de 2% da matriz. A expectativa é de que Angra 3 entre em operação em 2026. A nova usina agora proposta (ainda sem local definido)terá capacidade de gerar o suficiente para abastecer uma cidade de 1,5 milhão de habitantes. Se a experiência for bem-sucedida, poderá abrir a porta para outras no futuro.

Governo precisa justificar melhor ideia de plataforma de saúde aberta

O Globo

O Ministério da Saúde acerta ao se mostrar preocupado em aumentar a concorrência no setor de saúde complementar, mas a proposta de criar uma plataforma com registros e indicadores de saúde de pacientes merece ser analisada com mais cuidado antes de o governo ir em frente com a ideia de anunciar uma medida provisória sobre o tema. Inspirada no Open Banking, do Banco Central, a iniciativa foi batizada de Open Health. O objetivo é incentivar as operadoras a oferecer planos mais baratos.

Em diferentes áreas, o acesso a informações sempre foi decisivo para obter vantagens comparativas. O setor de saúde não é exceção. Os provedores de planos conhecem bem seus clientes, sabem que tipo de exames fazem, as especialidades dos médicos que consultam, os hospitais que procuram e a periodicidade das ocorrências. Com isso, podem montar cenários baseados em estatísticas, melhorar seu desempenho e elevar suas margens de lucro. Hoje esses dados estão guardados em silos, cada plano com seus clientes.

Faz sentido pensar que uma plataforma única, com acesso livre para empresas de saúde complementar, poderia incentivar a competição. Mas há vários temores. Alguns de solução aparentemente rápida, outros mais complicados. Pacientes com doenças graves ou crônicas correm o risco de ser prejudicados pelos planos. Para evitar isso, diferentes tipos de regras podem coibir a segregação.

A ausência de padrão nos documentos com históricos médicos também é uma barreira para criar a plataforma. Antes de abrir essas informações, seria preciso uniformizá-las. Embora trabalhosa, essa dificuldade também poderia ser facilmente resolvida.

Outros pontos levantam questões mais preocupantes. O governo brasileiro não é conhecido por ter grande capacidade de proteger os dados de seus cidadãos da ação de criminosos. Há denúncias frequentes de vazamentos nos mundos off e on-line. O Ministério da Saúde não tem a mesma capacidade técnica do Banco Central. Recentemente, o ConecteSUS, programa do governo federal que integra dados de saúde dos cidadãos, foi vítima de um ataque digital, ficou semanas fora do ar e até hoje está instável. Registros e indicadores de saúde nas mãos erradas têm consequências desastrosas. Podem ser mais sensíveis que operações bancárias ou de crédito.

No Brasil, menos de 20% dos planos de saúde são individuais ou familiares. A esmagadora maioria é coletiva ou empresarial. Levando em conta que muitos usuários de planos individuais e familiares provavelmente optariam por não fornecer seus dados por diferentes razões, é possível que um cenário de forte competição e queda dos preços nunca se materialize. Antes de uma medida provisória, o governo deveria apresentar estudos rigorosos sobre o tema, além de outras alternativas para incentivar a concorrência.

Mais juros nos EUA

Folha de S. Paulo

Fed abala mercados e tende a dificultar a incerta política econômica do Brasil

Numa mudança abrupta para seus padrões, embora plenamente justificada pela conjuntura, o banco central americano vem desde o fim do ano passado preparando os mercados financeiros para um ciclo acelerado de alta dos juros.

Ao contrário do que prevaleceu entre a crise financeira de 2008 e o advento da Covid-19, a inflação se tornou um fator de grande preocupação. Em 2021, a elevação dos preços ao consumidor nos Estados Unidos chegou a 7%, a maior em quase três décadas.

Inicialmente percebida como fenômeno temporário e decorrente dos abalos nas cadeias de produção durante a pandemia, a pressão inflacionária vem se mostrando mais persistente, o que aumenta o risco de contaminação das expectativas de longo prazo.

Nos últimos meses, ficou mais claro que a resistência da carestia não decorre apenas da continuidade dos problemas logísticos e da falta de insumos —trata-se também de um quadro de forte crescimento econômico e desemprego perto das mínimas históricas.

Os fortes estímulos, na forma de gastos públicos inéditos em situação de paz, cortes de juros e expansão de liquidez, levaram a uma retomada rápida. O crescimento do Produto Interno Bruto em 2021 ficou em 5,7%, e as projeções apontam para ao menos 3,5% neste ano.

A taxa de desemprego já recuou a 3,9%, patamar não muito distante do que o Fed considera como pleno emprego. Como a crise sanitária ainda mantém um grande contingente fora da força de trabalho, é possível que ainda haja algum espaço de expansão do mercado.

Por ora, no entanto, as pressões salariais são crescentes e talvez estruturais, dadas as grandes mudanças no mercado e a dificuldade de preenchimento de vagas.

Nesse contexto de exuberância, o presidente do Fed, Jerome Powell, indicou que subirá os juros, hoje em zero, a partir de março —e que também deve iniciar a redução de seu balanço de ativos.

A diferença em relação ao observado nas últimas duas décadas é que a correção agora deve ser bem mais rápida, levando a taxa básica de juros a cerca de 2,5%, patamar considerado neutro, até 2023.

O viés é de aperto maior se a inflação se mostrar duradoura, um risco presente quando se tem em conta a alta continuada de preços de energia e matérias-primas.

Como sempre é o caso quando sobe o custo do dinheiro no principal centro financeiro do mundo, o rearranjo não deve ser indolor, algo que já se observa na forte queda das Bolsas neste início de ano.

É um primeiro sinal dos abalos que podem chegar aos mercados de crédito e nos fluxos de capitais internacionais, um alerta importante para o Brasil, que passará o ano eleitoral sem grande clareza a respeito da política econômica.

Crianças deportadas

Folha de S. Paulo

Voo com 90 menores vindo dos EUA expõe política cruel de Biden para migrantes

Na última quarta-feira (26), 90 menores de idade, incluindo crianças de até 10 anos, desembarcaram de um voo que partiu do estado americano do Arizona em direção ao aeroporto internacional Tancredo Neves em Confins (MG).

A viagem trouxe 211 brasileiros deportados dos Estados Unidos, a mostrar a face mais desumana da política migratória da maior potência mundial e levantar questões sobre as circunstâncias em que os jovens chegaram ao Brasil.

Até onde se pôde apurar, eles vieram acompanhados dos pais. Falta investigar, no entanto, se em algum desses casos pessoas se passaram por genitores para, de acordo com as regras migratórias dos EUA, responderem ao processo em liberdade ao se entregar às autoridades em solo americano.

Desde que se hospedou na Casa Branca, o democrata Joe Biden tem emulado as políticas migratórias de seu antecessor, Donald Trump, apesar de promessas de uma abordagem mais humanizada.

A esse respeito, recorde-se a cena grotesca em que agentes de fronteira dos EUA montados a cavalo usaram rédeas para intimidar migrantes haitianos no estado do Texas, em setembro do ano passado.

Biden não tem sido capaz de equacionar a legítima proteção fronteiriça com suas obrigações internacionais de ajuda humanitária. O episódio, apesar de condenado oficialmente pela Casa Branca, não foge do padrão de medidas agressivas recorrentes, entre elas deportações em larga escala.

As detenções na fronteira com o México atingiram o número mais alto da história no ano fiscal de 2021, encerrado em setembro, com mais de 1,7 milhão de migrantes. No recorde anterior, de 2000, contabilizou-se 1,64 milhão de detenções, cerca de 90 mil a menos.

O número de brasileiros cruzando a linha entre os países disparou. Entre outubro de 2020 e setembro de 2021, a cifra teve salto de 700%, chegando a 56,9 mil cidadãos.

Brasil e Estados Unidos têm a obrigação de dar especial proteção a crianças em situação de vulnerabilidade, como é o caso dos menores de idade submetidos ao árduo e desumano processo de cruzar a fronteira americana.

Autoridades dos dois países devem cooperar para assegurar, de um lado, que haja acolhida humanitária adequada, e de outro, que os responsáveis por eventual tráfico sejam punidos no rigor da lei.

O sequestro do Orçamento

O Estado de S. Paulo

Plano de gastos é refém de parlamentares que exploram pusilanimidade de Bolsonaro

A sanção do Orçamento deste ano reforçou a necessidade de uma reforma que garanta ao Executivo um mínimo de controle sobre o destino do dinheiro público oriundo dos impostos pagos pela sociedade. As despesas obrigatórias, que incluem gastos com servidores públicos e benefícios previdenciários e sociais, representaram mais de 93% dos dispêndios de 2021, segundo o Tesouro Nacional, ante 85% em 2008. A margem de gastos discricionários, cuja escolha deveria caber ao governo, cai ano a ano e tem sido cada vez mais consumida pelo apetite voraz dos parlamentares por meio de emendas, tudo com a animada cumplicidade de Jair Bolsonaro.

O sequestro do Orçamento não é um fenômeno exatamente novo. Tudo começou em 2013, ainda na gestão Dilma Rousseff, quando o Senado aprovou uma proposta que tornou impositiva a execução das emendas parlamentares individuais em um momento de crescente desgaste nas relações entre os Poderes. Na época, o Executivo empenhava as emendas, mas não liberava os pagamentos e privilegiava, evidentemente, as de autoria de congressistas do PT. Enquanto pôde, a base do governo conseguiu segurar o avanço dessa proposta, mas em 2015, assim que Eduardo Cunha assumiu o comando da Casa, a primeira emenda constitucional aprovada pelos deputados foi justamente a do Orçamento impositivo. Numa política de redução de danos, a gestão petista conseguiu assegurar que metade delas fosse destinada à saúde.

Se o início do problema remete a Dilma, a degradação da formulação do Orçamento teve um enorme impulso após a eleição de Bolsonaro. Estimulados pela jactância do ministro da Economia, Paulo Guedes, que se recusou a participar da elaboração da peça orçamentária no fim de 2018, o Congresso fez o que quis do péssimo slogan de campanha “mais Brasil, menos Brasília”, supostamente uma tentativa de descentralizar o uso de recursos pela União e elevar a autonomia de Estados e municípios.

Como não há vácuo de poder, quando alguém se recusa a exercer as funções para as quais foi escolhido – caso de Bolsonaro, que nada produziu na Câmara e hoje é figura decorativa na Presidência –, outros o fazem. Foi o que o Congresso fez em 2019, ao aprovar duas emendas constitucionais que tornaram obrigatória a execução das emendas de bancada, de autoria coletiva, e das transferências diretas a Estados e municípios, conhecidas como “emenda pix” ou “emenda cheque em branco” por sua finalidade indefinida e não sujeita à fiscalização. Não satisfeito, o Legislativo criou ainda, por meio de uma alteração na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), as emendas de comissão e as emendas de relator-geral, base do orçamento secreto, um esquema para assegurar apoio ao governo revelado pelo Estadão. No teatro que vem sendo encenado por Bolsonaro e pelo Congresso há três anos, entre vetos presidenciais mantidos e derrubados, a execução dessas despesas jamais foi bloqueada.

Nesse contínuo processo de degradação, o País chega a 2022 com um Orçamento que tem a cara de Bolsonaro: engessado por despesas obrigatórias e emendas paroquiais de R$ 35,6 bilhões, uma verdadeira orquestra de horrores regida pela batuta de um dos maiores líderes do Centrão, Ciro Nogueira (PPPI). “O Parlamento está muito bem atendido conosco”, disse Bolsonaro, orgulhoso de seu próprio desleixo com o uso do dinheiro público.

De fato, os congressistas não têm do que reclamar. A população que lide com os cortes em saúde, educação e infraestrutura em meio a uma crise em que não há crescimento nem emprego, mas não faltam recursos para comprar tratores superfaturados ou para conceder reajuste às forças de segurança, tudo em nome de votos. Caberá ao próximo presidente o desafio de reconstruir a relação entre Executivo e Legislativo sob outras bases que não a do clientelismo. Sendo a economia a ciência das escolhas e a escassez de recursos uma realidade inexorável, as prioridades devem ser baseadas no interesse da coletividade. Pelo futuro do País, o resgate do Orçamento pelo governo é que deveria ser obrigatório, não as emendas.

Estradas ruins podem ficar piores

O Estado de S. Paulo

Seguidos cortes das verbas para manutenção, reparos e ampliação podem comprometer uma malha rodoviária já desgastada

A cada ano do governo Bolsonaro tem ficado mais difícil, arriscado e caro o transporte pelas rodovias brasileiras. Ainda responsável por boa parte da malha rodoviária nacional, o governo federal investe cada vez menos na conservação e construção de estradas. Num ano em que, por decisão do Executivo, apoiado pelo Centrão, foram inteiramente preservadas as emendas do orçamento secreto que beneficia parlamentares, o orçamento do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) é o menor dos últimos 10 anos. O aumento de estradas em mau estado de conservação aferido pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) é a consequência mais óbvia desse desprezo do governo pelos investimentos.

A crise fiscal, que a equipe chefiada pelo ministro Paulo Guedes não conseguiu debelar nem ao menos atenuar, tende a piorar com a passagem do controle do Orçamento para a chefia da Casa Civil, hoje ocupada por um notório membro do Centrão, o ministro Ciro Nogueira. Mudanças nas regras que limitam os gastos, como o rompimento dissimulado do teto de gastos e o calote de dívidas reconhecidas pela Justiça (os precatórios), estão entre as artimanhas do governo para tentar mostrar alguma consistência em sua política fiscal.

Além de prejudiciais para o equilíbrio das contas, artifícios como esses são insuficientes. Como ocorre há anos, parte dos problemas tem sido resolvida com o corte de investimentos, pois é a conta que o governo pode manipular com mais liberdade. Neste ano, o Dnit disporá de R$ 6,2 bilhões. Em 2012, a disponibilidade era de R$ 9 bilhões; em 2014, de R$ 10,7 bilhões. São valores nominais. Se os dispêndios dos anos anteriores forem corrigidos pela inflação, a perda será muito mais acentuada.

Num país em que a movimentação de mercadorias e pessoas é feita predominantemente por rodovias (esse modal responde por mais de 60% da carga movimentada em território nacional), o ônus da deterioração da malha rodoviária é alto. Custos maiores com combustível e manutenção dos veículos são um deles. Lentidão é outro. Há também mais despesas com acidentes que poderiam ter sido evitados se as estradas fossem melhores.

A mais recente pesquisa da CNT constatou que quase um quarto da malha rodoviária brasileira pavimentada está em estado péssimo (6,9%) ou ruim (16,3%). Somando-se os trechos considerados apenas regulares, chegase a 61,8% das rodovias com qualidade insatisfatória. Boa parte dos trechos considerados em condições boas ou ótimas é de responsabilidade de operadoras privadas, o que é, há muito tempo, uma prova de que, num país com o setor público em contínua crise financeira, a privatização é ainda mais vital do que em outros.

Mas, apesar do discurso privatizante com que o governo tem conseguido encantar quem está disposto a ser encantado por falsas promessas, pouco se avançou nas privatizações das rodovias federais nos últimos anos. Para este ano, a meta do Ministério da Infraestrutura é realizar o leilão de 14 rodovias. É um objetivo desafiador em ano eleitoral, sobretudo por envolver projetos de investimentos que ultrapassam R$ 80 bilhões. É sabido que o mercado de potenciais interessados é muito concentrado e boa parte já administra rodovias que exigirão investimentos pesados nos próximos anos.

Se o programa de concessões do governo tiver êxito, cerca de 30% da malha rodoviária pavimentada ficará sob administração de empresas privadas, como mostrou o Estadão. Ainda assim, as rodovias sob responsabilidade do setor público continuarão largamente predominantes, exigindo constantes investimentos para evitar sua degradação.

Os investimentos totais previstos no Orçamento da União para 2022 são proporcionalmente os mais baixos de toda a história. Perdendo seguidamente sua capacidade de investir, por não ter programa de ação nem, muito menos, visão de longo prazo sobre as necessidades do País, o atual governo não consegue atrair investimentos privados no volume necessário. Se não mudar esse tipo de gestão, o Brasil estará condenando sua economia a um desempenho pífio nos próximos anos.

OCDE dá nova chance ao Brasil; Lula recusou convite em 2007

Valor Econômico

Depois de levar quase cinco anos analisando pedido do governo brasileiro para ingressar em seus quadros, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aprovou na semana passada convite para o Brasil iniciar negociações com vistas à adesão. Como o processo de conformidade envolve a aprovação de 253 dispositivos legais, as discussões podem consumir de três a cinco anos. O tamanho da economia brasileira, o fato de o país já ser signatário de mais de cem convenções da entidade e sua importância geo-política podem reduzir esse prazo, a depender, claro, de quem vença a eleição presidencial deste ano.

Uma das cláusulas mais importantes da OCDE é a do compromisso com a democracia. Países sem democracia não são aceitos. Quem é membro e a desrespeita é expulso. Outro aspecto relevante é a Convenção de Combate à Corrupção de Autoridades Estrangeiras. Por esse acordo, os países-membros são obrigados a aprovarem lei que determine a abertura de ações judiciais, no país de origem, contra empresários e executivos acusados de pagamento de propina a autoridades de outras nações. É esse tipo de instrumento que tem permitido ao governo americano prender e processar pessoas acusadas de corrupção fora dos Estados Unidos - um exemplo é o escândalo envolvendo a Fifa.

Se um país é integrante da OCDE, o prêmio de risco exigido por investidores nacionais e estrangeiros na compra de títulos emitidos pelo governo soberano e por empresas privadas é menor. Isso se deve ao entendimento de que a economia dessa nação segue regras rígidas de governança. Pode-se dizer que, se o Brasil entrasse hoje para a entidade, o Banco Central não precisaria elevar a taxa básica de juros (Selic) aos níveis projetados pelo mercado - mais de 12% ao ano até dezembro. Não se trata de mágica. Para uma nação fazer parte da OCDE, seu ambiente institucional altera-se de tal forma que a confiança dos investidores em suas leis e instituições muda de patamar e, consequentemente, torna-se desnecessário cobrar mais caro para financiá-la.

Não fazer parte da OCDE é exemplo do atraso que alguns setores impõem à coletividade no Brasil. Por trás da resistência há dois fatos enraizados na vida nacional: a tendência histórica de isolamento em relação ao mundo e o apego de certas instituições e segmentos da sociedade a ideologias anacrônicas. No primeiro caso, destacam-se grupos acostumados a ter proteção do Estado. São os setores da economia arredios à abertura comercial e à adoção de padrões de governança vigentes nos ambientes de negócio dos EUA e da Europa ocidental e, graças à OCDE, de parcela significativa de países do Leste Europeu. Nas nações regidas por códigos e leis definidos no âmbito da entidade, a relação das empresas com o Estado é pautada pela impessoalidade e a tolerância zero com desvios, tanto no que diz respeito à legislação quanto à conduta moral de empresários e executivos.

No segundo grupo de resistência à entrada do Brasil na OCDE pontuam segmentos da burocracia estatal, como o Itamaraty, detentor do monopólio das relações institucionais do país com o exterior. Não se trata de visão única ou mesmo majoritária do serviço diplomático, mas de forte sentimento anti-americano forjado durante a segunda metade do regime militar, nos estertores da Guerra Fria.

A ditadura acabou em 1985, o Muro de Berlim foi derrubado seis anos depois, a Guerra Fria acabou no início da década de 1990, mas a posição altaneira dos “barbudinhos” do Itamaraty, como são chamados esses diplomatas, manteve-se predominante. Nos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002), esse grupo perdeu hegemonia, o que permitiu ao Brasil reaproximar-se dos EUA.

Em dezembro de 2002, Luiz Inácio Lula da Silva protagonizou fato inédito ao ser recebido, antes de assumir a Presidência, pelo então presidente George W. Bush na Casa Branca. Os dois se deram tão bem que, em meados de 2003, realizou-se em Washington o encontro de cúpula com a maior presença de ministros dos dois governos na história. Como disse certa vez o ex-embaixador do Brasil nos EUA, ministro e deputado Roberto Campos, “o Brasil não perde a oportunidade de perder oportunidades”.

Nos anos seguintes àquela reunião, o comando do Itamaraty sabotou a aproximação com os EUA. Em seu livro de memórias, o embaixador Rubens Barbosa revela que Vera Pedrosa, então subsecretária de assuntos políticos do Itamaraty, disse o seguinte a Donna Hrinak, embaixadora americana em Brasília: “Os EUA não são uma prioridade para o Brasil”. O devaneio anti-EUA do período Lula - seguido de total ausência de relacionamento nos 5,5 anos de Dilma - provocou prejuízo tangível. Em 2007, o Itamaraty tomou decisão monocrática de barrar interesse manifesto da OCDE de convidar o país a se associar à entidade.

 

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