quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

É reveladora piora do Brasil em lista global de corrupção

O Globo

É deplorável que o Brasil tenha caído duas posições no ranking global de percepção de corrupção anunciado nesta semana pela Transparência Internacional, organização de renome na área. Numa lista de 180 países, o Brasil passou a ocupar o 96º lugar. Trata-se da nossa terceira pior colocação na série histórica. O Brasil aparece empatado com Indonésia, Lesoto e Turquia, entre outros.

O contraste com dois de nossos vizinhos é vergonhoso. O Uruguai figura como 18º, junto a Japão e Bélgica. O Chile, 27º, está ao lado dos Estados Unidos. Sob qualquer ângulo que se analise, o Brasil decepciona. Está abaixo da média global, da média do G20 (grupo que reúne as 20 maiores economias), da média regional da América Latina e Caribe e da pontuação do Brics (sigla em inglês usada para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Para o presidente Jair Bolsonaro, eleito com a bandeira da anticorrupção, o resultado é tremendamente constrangedor. O ranking é feito com base num índice no qual 100 significa muito íntegro, e zero altamente corrupto. A pontuação do Brasil foi 38, a mesma registrada em 2015 e 2020.

Infelizmente, não faltam motivos para explicar a colocação brasileira. Como diz o relatório Retrospectiva Brasil 2021, também publicado recentemente pela Transparência Internacional, “o país vem promovendo um desmanche dos marcos legais que levou décadas para construir”. Inegavelmente, o protagonismo é do Executivo.

O governo Bolsonaro promoveu uma captura de órgãos de controle e inteligência. “O aparelhamento já não se presta a ‘apenas’ blindar aliados, passando ao patamar muito mais perigoso de perseguição de adversários.” Questionamentos sobre supostos crimes cometidos por pessoas próximas ao presidente seguem sem respostas. O mesmo vale para questões levantadas pela CPI da Covid. Bolsonaro voltou a escolher o procurador-geral da República fora da lista tríplice, o que consolidou a quebra de uma regra não escrita que garantia uma certa independência ao cargo.

O Congresso, com as lideranças aliadas ao Planalto, tem a sua cota de responsabilidade. Atrofiou a Lei de Improbidade Administrativa e, junto com o Executivo, criou o orçamento secreto, descrito pelo relatório como “um retrocesso sem precedentes de transparência na alocação de recursos públicos no Brasil”. A organização internacional ainda critica ações do Judiciário, como a transferência, “de modo generalizado”, da competência para julgar casos de corrupção.

Está certa a Transparência ao apontar que esse arranjo não apenas garante a impunidade de crimes graves e fartamente documentados, como alimenta a tentativa de forças autoritárias de deteriorar o regime democrático. O relatório faz bem ao reconhecer a reação de órgãos contrários a toda essa degradação. Cita o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal como exemplos positivos nesse embate. Diante das dificuldades criadas em série desde 2019, tomaram as decisões cabíveis. Sem a atuação firme dessas instituições, o Brasil certamente estaria em colocação ainda pior no ranking.

Apreensão de arsenal expõe riscos da facilitação do acesso a armas

O Globo

Uma operação da Polícia Civil do Rio e do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público estadual, na última terça-feira, resultou na apreensão de 55 armas que seriam vendidas a facções criminosas e expôs quanto é nociva e letal a política do presidente Jair Bolsonaro de facilitar o acesso a armas e munições.

O arsenal, formado por 26 fuzis, 21 pistolas, dois revólveres, três carabinas, uma espingarda, um rifle e um mosquetão, além de grande quantidade de munição, foi encontrado numa discreta residência, ao lado de uma creche, no Grajaú, Zona Norte do Rio. Somente os fuzis, todos novos, foram avaliados em R$ 1,8 milhão. Considerando todas as armas e munições, o valor supera R$ 3 milhões, segundo a polícia e o MP.

Detalhe importante revelado pelas investigações é que o armamento não entrou no país de forma clandestina, como costuma acontecer com o arsenal que abastece traficantes e milicianos em todo o Brasil. De acordo com os investigadores, armas e munições foram compradas legalmente por Vitor Furtado Rebollal Lopes, que possui registro no Exército de caçador, atirador e colecionador, os chamados CACs. Vitor, conhecido como Bala 40, foi preso em Goiás junto com a namorada, Paula Cristinne Pinheiro Labuto. Eles são acusados de fornecer armas e munições a quadrilhas em favelas como o Jacarezinho, ocupado recentemente pela polícia fluminense dentro do projeto Cidade Integrada.

A apreensão das armas e as prisões são resultado de três anos de investigações, que começaram em 2018 numa ação contra o tráfico de drogas no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio. Segundo os investigadores, Vitor, que ao ser preso transportava 11 mil munições para fuzis e carabinas, possui 43 Certificados de Registro de Arma de Fogo (Crafs) ativos. A despeito da autorização, a compra de grandes quantidades de armas (muitas de um mesmo modelo) e munições chamou a atenção da polícia e do MP.

Sempre se soube que documentos legais são usados para desviar armas ao crime organizado. Por isso é equivocado o argumento de que a flexibilização das normas para compra e porte de armas tem por objetivo proteger os cidadãos. Balela. Trata-se de uma política nefasta, que se volta contra os próprios cidadãos à medida que armas compradas legalmente vão parar nas mãos de bandidos. Fica evidente que o governo não tem como controlar todos os registros de forma adequada.

A flexibilização das normas tem provocado aumento nos registros. Reportagem do GLOBO mostrou que cidadãos comuns e o grupo de caçadores, atiradores e colecionadores compraram, nos primeiros seis meses de 2021, mais armas do que o total adquirido nos dois anos anteriores à posse de Bolsonaro. Esse excesso de armas em nada contribui para reduzir os índices de criminalidade. E, como se vê no caso do arsenal apreendido no Rio, serve para ampliar a tragédia da violência que há décadas atormenta os brasileiros.

Reforço no caixa

Folha de S. Paulo

Recorde de arrecadação favorece as contas públicas, mas continuidade é incerta

São expressivos os impactos positivos de uma arrecadação tributária recorde como a contabilizada pela administração federal em 2021. Cabe tomar cuidado, porém, com leituras precipitadas ou oportunistas dos dados recém-divulgados.

A receita da União com impostos, contribuições sociais, taxas e royalties somou R$ 1,879 trilhão no ano passado, com alta de 17,4% acima do IPCA, um desempenho acima das previsões mais otimistas.

Isso significa que o déficit orçamentário do Tesouro Nacional, prestes a ser anunciado, foi bem menor do que se imaginava. Em consequência, a dívida pública caiu como proporção do Produto Interno Bruto, um indicador de melhora da capacidade de pagamento.

Tais resultados têm sido celebrados pela área econômica do governo Jair Bolsonaro —o que também tem seu viés político. Invocam-se os números favoráveis de 2021 como uma espécie de contraponto às críticas sofridas em razão das manobras para elevar as despesas federais neste ano eleitoral.

Num passado recente, sucessivos recordes da arrecadação encorajaram as administrações petistas a promoverem uma escalada imprudente de gastos, com os resultados conhecidos. Agora, a expansão da receita é incipiente e de continuidade incerta.

Parte do crescimento —a parte que o governo prefere enfatizar— deveu-se à recuperação da atividade econômica após o impacto acachapante da pandemia. Esse efeito tende a se diluir, dado que, pelas projeções mais consensuais, a variação do PIB tende a cair dos cerca de 4,5% do ano passado para pouco mais de zero neste 2022.

O outro fator decisivo para o recorde arrecadatório foi a contribuição espúria da alta da inflação. Os preços no atacado, que influenciam o recolhimento de impostos, tiveram alta de 20,64% em 2021 (segundo o IPA-DI, da Fundação Getulio Vargas), bem acima dos 10,06% medidos pelo IPCA, que é um índice de preços ao consumidor.

A carestia no atacado e no varejo levou o Banco Central a iniciar um ciclo de alta dos juros, o que deve conter o avanço do PIB e dos preços —e da arrecadação. A extensão dos impactos sobre cada uma dessas variáveis, no entanto, não é coisa que pode ser prevista com segurança neste momento.

No contexto brasileiro, uma escalada virtuosa da arrecadação deve se basear em crescimento da produtividade da economia e formalização de empresas e empregos. A própria reforma do caótico sistema tributário, ora deixada de lado pelas forças políticas, deve contribuir para tais objetivos.

Aulas sem volta

Folha de S. Paulo

Ensino presencial, que retornará em 18 estados e no DF, não pode retroceder

O início do ano letivo oferece nova oportunidade para o Brasil enfim começar a reverter o desastre educacional produzido no último biênio de pandemia, período em que os estudantes perderam enorme parcela das aulas presenciais.

Trata-se de tarefa urgente. Como se a educação não constasse das prioridades do governo e da sociedade, o país figurou entre aqueles que mais tempo ficaram com as escolas fechadas no mundo, com impactos não apenas sobre o aprendizado, mas também sobre a sociabilidade e a nutrição de uma legião de jovens.

O recurso paliativo do ensino remoto falhou de modo fragoroso. Num país em que milhões de alunos não dispõem de computadores e acesso à internet, a administração Jair Bolsonaro (PL) desincumbiu-se da obrigação elementar de favorecer meios digitais.

Segundo pesquisas que buscaram medir os resultados do descaso, o fechamento prolongado das escolas afetou de modo grave a progressão dos estudantes, implicando até regressão no aprendizado, aumentou o risco de abandono escolar e elevou a desigualdade educacional entre alunos de estabelecimentos públicos e privados.

Merece todo o apoio, portanto, a decisão das redes de ensino de 18 estados e do Distrito Federal de retornarem neste ano com aulas presenciais obrigatórias.

Conforme o levantamento do portal UOL, apenas a Paraíba manterá o modelo híbrido. Em Pernambuco, a presença será opcional e, no Acre, a autorização dependerá do aval da autoridade sanitária.

Os desafios à frente, que já seriam grandes em condições normais, ganham proporções maiores ante a omissão do governo federal. O primeiro e mais óbvio deles é o provimento de um ambiente seguro para professores e alunos.

No plano educacional, deve-se dar atenção especial à questão da evasão, que apresentou piora expressiva durante a pandemia, fruto tanto do desinteresse dos estudantes como da necessidade de contribuir com a renda familiar.

Estratégias para trazer esses alunos de volta às salas e garantir sua permanência, como uma busca ativa por parte das redes e auxílios pecuniários, deveriam ser consideradas para minorar o problema.

É fundamental, nesse contexto, que o país evite retrocessos sanitários que terminem por fechar novamente as escolas. Para tanto, é imperioso seguir reforçando a imunização de adultos e, sobretudo, de crianças, além de sanar as disparidades regionais acumuladas. Que ao menos isso o governo Bolsonaro faça pela educação

As vítimas da crise moral

O Estado de S. Paulo.

O crescimento de desabrigados impõe um duplo desafio à sociedade: fomentar a cultura da solidariedade e cobrar de seus representantes eleitos políticas sociais robustas

Nos últimos dois anos, a população em situação de rua na cidade de São Paulo cresceu 31%, conforme o Censo da Prefeitura. Nas zonas sudeste e sul, o número mais do que dobrou. Na Subprefeitura da Mooca o aumento chegou a 170%. O Censo aponta um crescimento de 330% de locais com moradias improvisadas. A quantidade de pessoas abordadas acompanhadas de um integrante da família aumentou de 20% para 28,6%, o que mostra um perfil mais familiar das pessoas em situação de rua. O retrato da maior e mais rica metrópole do Brasil é apenas um relance de uma desgraça que se alastra por todo o País.

As causas são multidimensionais. Há o drama de fundo civilizacional, não só no Brasil, de uma cultura individualista que degrada as relações familiares. Há a desigualdade histórica radicada nas estruturas socioeconômicas nacionais. Há a crise econômica precipitada pelo governo Dilma Rousseff e agravada pelo governo Jair Bolsonaro. E há, claro, o impacto da pandemia – também agravado por Bolsonaro.

A insensibilidade do governo ante a tragédia, acompanhada em tempo real, de centenas de milhares de brasileiros vitimados pelo vírus despertou reações contundentes na mídia e na arena política, por exemplo, com a CPI da Covid.

Mas, enquanto a epidemiologia estima que em 2022 a pandemia tende a ser dissipada, seus impactos socioeconômicos, muito mais difusos, devem perdurar por anos. Hoje, mais de 20 milhões de brasileiros se alimentam dia sim, dia não; 5 milhões de crianças vão dormir com fome. Com muito menos representatividade, as vítimas da miséria tendem a ser absorvidas nas estatísticas e amortizadas como um fato “natural” do “novo normal”.

Tal como a causa da catástrofe é multidimensional, assim deve ser a sua solução. Há o desafio cultural do resgate da família como alicerce da sociedade. Há também o apelo à solidariedade. Sob o impacto da primeira onda da pandemia, as ações humanitárias cresceram espetacularmente. Segundo o Grupo de Instituições e Fundações de Empresas, os investimentos sociais das empresas sofreram mesmo uma mudança de perfil e o combate à fome e à pobreza entrou com mais força no rol de prioridades. Ainda assim, em comparação com outros países, os indicadores de filantropia no Brasil permanecem medíocres e, desde 2020, a curva de doações se achatou.

Mas, acima de tudo, há responsabilidade do Poder Público. A amplificação e a intensificação dessa tragédia anônima, silenciosa e difusa têm relação direta com uma mentalidade anticidadã cujo epicentro é o Palácio do Planalto. Na virada de 2020 para 2021, no pico da crise sanitária e econômica, o auxílio emergencial sofreu um apagão, enquanto o presidente passeava pelo litoral e os congressistas, em recesso, negociavam a troca da liderança do Senado e da Câmara.

Hoje, enquanto toda uma nova população de famélicos e desabrigados circula de mãos abanando pelas ruas do País, nos corredores do Congresso os representantes do povo consomem seu tempo discutindo o rateio do butim orçamentário. As disputas por pedaços dos recursos da República para satisfazer interesses corporativistas, clientelistas e patrimonialistas expõem imensas parcelas da classe política incapazes de estabelecer verdadeiras prioridades, de deliberar políticas públicas para garantir condições mínimas de moradia e alimentação e de preservar recursos para gastos e investimentos sociais.

Assim como em outras áreas da administração pública, na questão social não há nada a esperar do governo Bolsonaro. O melhor que as forças cívicas podem fazer é uma política de redução de danos. A responsabilidade dos governos regionais aumenta exponencialmente. Mas é preciso que o drama dos vulneráveis entre com força nos debates eleitorais. O eleitorado precisa se imunizar contra a demagogia de candidatos que estão entre os grandes responsáveis por essa tragédia humanitária, sobretudo os próceres do lulopetismo e do bolsonarismo, e promover uma cobrança sem trégua por políticas sociais sustentáveis àqueles que se postulam como candidatos da renovação.

Rumo à OCDE, apesar de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo.

O Brasil ganhará um selo de qualidade, se completar o ingresso no clube dos países com bons valores econômicos e sociais

O ambicionado ingresso do Brasil no clube dos países avançados econômica e socialmente, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), poderá ser formalizado, se tudo correr bem, pelo próximo presidente da República. Conversações oficiais sobre as condições para a admissão poderão começar em breve. Convites para o início do processo foram enviados ao presidente Jair Bolsonaro e aos chefes de governo de mais dois países sulamericanos – Argentina e Peru – e três europeus – Bulgária, Croácia e Romênia. Ser admitido no clube equivale a receber um selo de qualidade, considerado importante para a atração de investimentos e para a integração no mercado internacional.

Discussões podem durar três ou quatro anos, a partir da abertura oficial. Mas o Brasil já avançou na adaptação aos padrões da organização e isso poderá resultar, a partir de agora, em algum ganho de tempo. Nenhum resultado, no entanto, está garantido. Mais de 20 comitês técnicos deverão avaliar o efetivo alinhamento do País aos valores e padrões da organização, segundo informe oficial distribuído na terça-feira.

O Brasil, segundo o Itamaraty, “está em plena consonância com os valores fundamentais da OCDE, (…) tais como a defesa dos princípios de livre mercado, o fortalecimento da democracia, a modernização econômica e a proteção do meio ambiente e dos direitos humanos”. Se essa “consonância” for julgada por pessoas familiarizadas com o dia a dia da política e da administração brasileiras, talvez a avaliação seja bem diferente daquela sugerida pelo Ministério das Relações Exteriores.

Ataques ao Poder Judiciário, declarações infundadas sobre fraudes eleitorais e ameaças de reprodução, no Brasil, da invasão do Congresso americano dificilmente caberiam numa pauta de “fortalecimento da democracia”. O desprezo à vida dos brasileiros e a indiferença diante das mortes, assim como a difusão de informações falsas sobre a pandemia e sobre seu enfrentamento, são incompatíveis com a “proteção dos direitos humanos”, a começar pelo direito à saúde, mencionado no artigo 6.º da Constituição.

Além disso, como afirmar um compromisso de proteção ambiental quando o presidente brasileiro é famoso por sua política favorável à devastação? Como insistir nessa afirmação, uma semana depois da edição de um decreto que facilita empreendimentos em cavernas, mesmo com “impactos negativos irreversíveis”?

O Brasil pode ter avançado na adoção de padrões valorizados pela OCDE e poderá avançar na conquista de outros, como a liberalização das operações financeiras, dos investimentos e do comércio internacional, mas continua devedor em outras áreas, como as dos direitos básicos, da proteção ambiental e do combate às mudanças do clima, citadas no informe da organização.

Além disso, pode-se até falar de retrocesso nos quesitos governança pública e esforço anticorrupção, também mencionados literalmente. A farra com as emendas do Orçamento, as pressões sobre órgãos de investigação e fiscalização e a tentativa de importação fraudulenta de vacinas são episódios bem conhecidos. Desmandos maiores foram dificultados ou impedidos por denúncias da imprensa, por protestos de organizações civis e pela intervenção do Poder Judiciário. As instituições funcionam, apesar da incompatibilidade entre Bolsonaro e os valores democráticos, mas a mobilização em defesa do Estado de Direito tem de ser permanente.

Um novo presidente, mais afeito às condições de um sistema de liberdades, direitos e limites constitucionais, poderá completar mais facilmente o ajuste aos valores econômicos, sociais e institucionais defendidos pela OCDE. Nenhum dos 38 países-membros desse clube é um exemplo de perfeição, mas o conjunto é compatível, claramente, com noções de modernização, inclusão social, abertura econômica e respeito a normas multilaterais. O ingresso na OCDE, rejeitado há anos pela administração petista, é um objetivo importante para um país em busca de progresso, de cooperação e de relações internacionais civilizadas.

Fed, por dever, indica política monetária bem restritiva

Valor Econômico

Após períodos em que a inflação se mostre persistentemente acima de 2%, a política monetária buscará uma inflação moderadamente acima de 2% por algum tempo

O Federal Reserve americano começará a elevar a taxa de juros em março, quando acaba a compra de papéis de hipotecas e do Tesouro deslanchada com a pandemia, o que já era esperado. Mas a incerteza sobre os próximos passos da política monetária que reverteu ontem as altas das bolsas americanas, empurraram para cima o dólar e os rendimentos dos títulos do Tesouro de 10 anos. Powell não descartou - e não poderia - nenhum dos piores temores dos investidores, em especial o de um número maior de elevações dos fed funds do que o previsto em dezembro (três de 0,25 ponto percentual) ou de um aumento maior que esse logo no início do ciclo.

O cenário traçado por Powell após a reunião do Fed justifica uma atitude mais agressiva. “Por algumas medidas, o mercado de trabalho está historicamente apertado”, disse Powell. Em outros trechos afirmou, sobre o balanço de efeitos entre alta de juros e emprego, que, no nível atual de ocupação, esse mercado possivelmente sustentaria um aumento razoável dos juros sem se afastar do pleno emprego, meta do Fed.

Powell apontou que os “ riscos estão em toda a parte”. Para os que envolvem a redução do crescimento, indicou o fim dos efeitos estimulantes da política fiscal sobre a atividade, que se tornarão negativos este ano. As restrições na oferta de bens pelo desarranjo nas cadeias produtivas são um dos fatores que deprimem o crescimento, mas, ao mesmo tempo, podem manter a inflação persistentemente elevada.

Com esses desequilíbrios na oferta, o presidente do Fed desenhou a dimensão do desafio inflacionário. Para ele, não houve progresso nos desajustes produtivos, embora seja presumível que sejam atenuados ao longo do ano. Para o fornecimento de semicondutores, a tentativa de volta à normalidade adentrará o ano que vem, o que eleva o risco de uma inflação persistente,

Quem presumiu que a inflação do índice de preços ao consumidor (IPC) de dezembro, de 7% em 12 meses, fosse o pico errou. Perguntado sobre o comportamento do nível de preços após a reunião de dezembro do Fed, Powell disse, surpreendentemente, que está “ ligeiramente pior” que antes. Inflação muito acima dos 2%, mercado de trabalho muito forte e crescimento bem acima do potencial (1,8%, pelo consenso do Fed) exigem uma resposta à altura do banco, que não veio antes porque ele tem de se ater ao que foi delineado em sua comunicação anterior, para não surpreender investidores.

Nesse roteiro, os juros só podem subir após se encerrar o programa de compras de ativos, a saber, na próxima reunião do banco, em março. A redução do balanço de US$ 8,7 trilhões dos ativos do Fed só ocorrerá a partir do início do aumento dos juros, o que ocorrerá a partir de março. Ontem, o Fed comunicou um consenso preliminar sobre como isso ocorrerá: será “previsível”, seguirá os objetivos do duplo mandato (máximo emprego, inflação na meta), e, ao final, deve manter apenas os títulos do Tesouro no balanço, não mais o de hipotecas. Powell adiantou que o ritmo cadente será atenuado, com a não renovação dos títulos que vencerem, em vez de uma readaptação mais rápida, com a venda dos títulos no mercado.

Como a ação principal do Fed será a alta dos juros, Powell apenas afirmou que não é possível saber que forma a política monetária tomará. Evitou predizer que o movimento para cima dos juros será “gradual”, preferindo indicar que “se moverão firmemente para longe da política acomodatícia da pandemia”. Além disso, afirmou que “não se sabe quando, mas eventualmente teremos uma política monetária não-acomodatícia”, o que significa juros acima da taxa neutra de 2,5%.

Durante a entrevista Powell usou várias vezes a palavra “flexível”, o que nesta altura não é exatamente tranquilizadora, podendo significar que o banco terá de deixar de lado comunicação que indicava determinada conduta para adotar outra, bem diferente.

Um contraponto a essa promessa de postura agressiva, o Fed divulgou ontem que sua “Declaração sobre os objetivos e estratégia de longo prazo da política monetária” foi reafirmada “por unanimidade” na reunião. Um de seus pontos centrais: “Após períodos em que a inflação se mostre persistentemente acima de 2%, a política monetária apropriada provavelmente buscará uma inflação moderadamente acima de 2% por algum tempo”. Nas atuais circunstâncias, mais “dovish” impossível.

 

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