quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

É um acinte pacote de bondades de Aras a procuradores

O Globo

Num momento em que a elite do funcionalismo pressiona de modo oportunista por reajustes salariais no ano eleitoral, é um escândalo inaceitável a revelação, feita ontem pelo jornal O Estado de S.Paulo, de quanto ganharam os procuradores mais privilegiados do Brasil no final do ano passado. Em virtude de duas decisões tomadas pelo procurador-geral Augusto Aras, 720 dos 1.145 integrantes do Ministério Público Federal receberam mais de R$ 100 mil em dezembro. Dezoito deles, mais de R$ 400 mil. Um embolsou R$ 471 mil, valor superior ao bônus de diretores de grandes empresas como a Petrobras.

Que fizeram os excelentíssimos procuradores para ter direito à regalia? Nada. Apenas receberam de Aras autorização para solicitar licenças-prêmios acumuladas ao longo de anos, antecipação das férias de 2022 e outras regalias. Isso num momento de crise sem precedentes, em que todo o país precisa se esforçar para promover um ajuste fiscal que consiga trazer o Estado para um tamanho compatível com o que a sociedade pode financiar.

O teto dos salários no setor público, estabelecido pela Constituição, equivale ao que ganha um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), R$ 39.293,32. Qualquer centavo além disso precisaria ser justificado com base em despesas realmente efetuadas. O caso demonstra mais uma vez a urgência de uma reforma administrativa que extinga, entre tantos outros privilégios, barbaridades como licenças-prêmios ou o direito a transformar dias não usufruídos em dinheiro (dois artifícios da manobra de Aras para encher o bolso dos procuradores).

A Procuradoria-Geral da República (PGR) alega que, em virtude da redução de gastos durante a pandemia, havia caixa para financiar os R$ 79 milhões do pacote de bondades. É um argumento ridículo. A existência de folga contábil momentânea nada significa diante da necessidade imperativa de ajuste estrutural nas contas públicas. Não será possível fazer tal ajuste sem mexer na remuneração do funcionalismo — e obviamente os salários mais altos devem ser prioridade.

Tragicamente, as categorias mais bem remuneradas são as que exercem maior pressão em causa própria. É o que se vê agora na chantagem de auditores da Receita Federal, advogados da União e outros detentores dos maiores salários do setor público, mobilizados na ameaça de greves e operações-padrão depois que o presidente Jair Bolsonaro incluiu no Orçamento deste ano um jabuti prevendo aumentos apenas para policiais federais. Ou na movimentação dos militares com cargos no governo para assegurar do Ministério da Economia uma portaria autorizando o acúmulo de dois salários equivalentes ao teto constitucional.

Enquanto isso, está paralisada há cinco anos a tramitação do projeto de lei que regulamenta os supersalários, disciplinando os abusos que elevam a remuneração de juízes, procuradores, militares, advogados da União e outras categorias privilegiadas. No caso dos procuradores, as benesses incluem ajudas de custo, auxílios pré-escolar, alimentação, natalidade e outras prebendas. O projeto já aprovado no Senado limita o uso dessas verbas indenizatórias para inflar a remuneração. Infelizmente a Câmara reduziu o alcance das restrições, e o texto precisa ser novamente examinado pelos senadores. Terá o Congresso coragem de enfrentar as corporações do funcionalismo?

Ocupação de favelas é necessária, mas é preciso evitar repetir erros

O Globo

A comunidade do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, em maio do ano passado cenário da mais letal operação policial da História do estado, com 28 mortos, começou a ser ocupada ontem pelas polícias Militar e Civil, dando início ao projeto Cidade Integrada, do governo fluminense. É uma nova tentativa de combater a facção criminosa que controla a área e, ao mesmo tempo, levar serviços essenciais aos moradores.

O programa é uma reformulação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), implantadas com estardalhaço em 2008, depois abandonadas em meio a equívocos das políticas de segurança. Diferentemente da truculenta operação de maio, desta vez a ocupação ocorreu sem sobressaltos, como deve ser. Paralelamente, policiais começaram a ocupar também as comunidades da Tijuquinha, do Morro do Banco e da Muzema, na Zona Oeste, dominadas por quadrilhas de milicianos.

De acordo com o governo, o objetivo é patrulhar ruas, cumprir mandados de prisão, apreender produtos roubados, investigar as organizações criminosas e preparar as regiões para receber intervenções urbanísticas e ações sociais. “Neste primeiro momento, a ideia é que possamos fazer uma retomada do território”, afirmou o porta-voz da PM, major Ivan Blaz.

Qualquer tentativa de retomar espaços usurpados por quadrilhas de traficantes e milicianos que controlam amplas extensões territoriais do Rio é sempre bem-vinda. Governos não podem se omitir diante do descalabro que é o Estado paralelo imposto por organizações criminosas nessas comunidades, onde imperam leis perversas, e não a Constituição. Essas operações precisam ser baseadas em planejamento, inteligência e tecnologia, e não na força bruta, como ocorreu em maio.

É também preciso cuidado para não repetir erros do passado. O programa das UPPs tinha muitos méritos. Era auspiciosa a ideia do “policiamento de proximidade”, em que a polícia interage de forma pacífica com moradores, conjugado à presença maior do Estado nas comunidades. Não se deve negar que as UPPs legaram ao Rio uma queda significativa nos índices de violência. Infelizmente, o uso político de um programa que deveria ser de Estado, e não de governos, pôs a perder uma das mais interessantes experiências do Rio na área de segurança. Ampliou-se o projeto sem que houvesse estrutura para sustentá-lo. O desfecho é conhecido. O Complexo do Alemão, símbolo da ocupação, rapidamente se transformou em ícone do fracasso.

Não há dúvida de que o Rio precisa combater de forma sistemática as quadrilhas de traficantes e milicianos que subjugam a população e desafiam o Estado Democrático de Direito. Deve fazê-lo usando a inteligência, e não a truculência, que nunca resolveu a criminalidade. É fundamental, porém, evitar a armadilha de usar esses programas para propaganda, especialmente em ano de eleições. O Alemão, ocupado numa operação midiática, depois reconquistado pelo tráfico, está aí para provar.

A única meta bolsonarista

O Estado de S. Paulo.

Ao vetar as metas para a redução da pobreza, Bolsonaro revela que prioridade em relação aos pobres não é retirá-los da pobreza, mas amealhar seus votos

Contrariando os especialistas em contas públicas, o governo alardeou a tese de que a ordem jurídica e a fiscal vigentes eram incompatíveis com a redução da pobreza. Para aumentar em mais de R$ 100 bilhões os gastos em 2022, foi aprovada uma emenda constitucional autorizando o descumprimento de sentenças judiciais (o calote nos precatórios) e a determinação do limite anual de gastos não com base na inflação apurada no ano corrente, mas estimada para o ano seguinte (o “orçamento-ficção”).

Assim foi possível robustecer o Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil. Como paga por seus esforços, governo e congressistas destinaram imensas parcelas dos novos recursos a mais emendas parlamentares, Fundos Partidário e Eleitoral e benefícios corporativos. As metas determinadas pela Justiça e pelo teto de gastos constitucional foram abaladas, hipotecando a credibilidade do País e suas perspectivas de crescimento, mas ao menos seria possível cumprir uma meta mais urgente: a redução da pobreza.

A redução foi determinada pelo Congresso na lei que instituiu o Auxílio Brasil. Em três anos, as taxas de pobreza e extrema pobreza deveriam ser respectivamente reduzidas a 10% e 3%.

O presidente Jair Bolsonaro, contudo, vetou essas disposições, por, segundo ele, contrariarem “o interesse público” ao impor compromissos ao governo sem estimar seu impacto no Orçamento e as medidas para compensá-lo.

O contrassenso salta aos olhos. A função das metas é precisamente obrigar o Executivo a equacionar receitas e despesas, sacrificando, se necessário, objetivos não prioritários para satisfazer um imperativo, no caso, a prioridade consensual e constitucional da redução da pobreza.

As metas foram inspiradas pelo Projeto de Lei de Responsabilidade Social, o mais robusto esforço de compatibilizar a inclusão social com o equilíbrio fiscal. Apresentado em 2020 pelo senador Tasso Jereissati, o projeto prevê diversos mecanismos no caso de descumprimento das metas, como a redução de gastos tributários, o acionamento de gatilhos do teto de gastos ou a suspensão de descontos no Imposto de Renda.

No texto da Lei do Auxílio Brasil não há previsão de aumento de gastos nem de punição aos gestores e nem sequer dos mecanismos compensatórios. Há somente uma previsão genérica atribuindo ao próprio Executivo a discricionariedade de determinar as medidas que julgar cabíveis para cumprir as metas, e, caso não sejam, justificar os motivos e estabelecer providências para reajustar a rota. Mas um planejamento como esse implicaria compromisso demais com uma prioridade que, indisfarçavelmente, não é a de Jair Bolsonaro.

“Realmente não dá para entender, porque não há nenhuma lógica, nenhuma coerência nesse veto”, disse Jereissati. “A única consistência que pode haver é que não é um programa de ataque à pobreza. É um programa de curto prazo, eleitoreiro.”

A manobra escancara a maneira demagógica com que a pobreza é tratada no Brasil. Já em 2015, o Congresso aprovou um plano de metas de redução da pobreza, mas foi vetado pela gestão lulopetista de Dilma Rousseff. Entra governo, sai governo e, quanto mais se multiplicam os salvadores do povo, mais o povo é negligenciado.

Metas trazem para o mundo real da ação aquilo que está só na esfera ideal das palavras. Obrigam os gestores da República a implementar os meios para concretizar seus fins últimos, inscritos na Constituição. Por isso foram estabelecidas metas para a inflação, juros, gastos, alfabetização, desmatamento e outras prioridades.

As metas para a pobreza estabelecidas pelo Legislativo fixam um parâmetro objetivo para que o Executivo discuta, formule e execute a sua solução à equação entre gastos sociais, para garantir as necessidades básicas de todos os pobres, e investimentos e reformas, para garantir o crescimento econômico e, consequentemente, o mecanismo mais eficaz para libertar os pobres da pobreza: o emprego.

Mas, com seu veto, Bolsonaro revela que sua única meta em relação aos pobres é amealhar seus votos. Resta ao Congresso derrubá-lo.

O festim dos partidos com dinheiro público

O Estado de S. Paulo.

Os partidos políticos se esbaldam com os recursos do Fundo Partidário porque o TSE é lento para julgar as contas e aplicar a lei em caso de irregularidade

O Fundo Partidário, que anualmente irriga as contas dos partidos políticos com milhões de reais dos contribuintes, nem sequer deveria existir. Os partidos – como temos defendido há um bom tempo nesta página – são organizações privadas e, como tais, devem ser financiados exclusivamente pelas contribuições voluntárias de seus filiados e simpatizantes.

Argumenta-se que “a democracia tem um custo” como tática para induzir o contribuinte a pensar que, sem o aporte anual do Tesouro para os partidos, sem falar no bilionário Fundo Eleitoral, pago a cada dois anos, a democracia soçobraria. Trata-se de uma falácia. A existência desses canais ilegítimos de custeio de atividades partidárias e campanhas eleitorais, ao contrário, só enfraquece a democracia representativa. Os fundos públicos (ou, em linguagem mais direta, o dinheiro fácil) acomodam as lideranças partidárias que deveriam levar as legendas a se aproximarem cada vez mais dos eleitores que dizem representar, convencendo-os do valor social da agremiação a fim de angariar doações.

Dito isso, uma vez que o Fundo Partidário aí está e nada indica que será extinto no futuro próximo, o mínimo que se espera é que os vultosos recursos públicos que o abastecem não sejam utilizados de forma antirrepublicana, quando não flagrantemente ilegal, por próceres das legendas.

No entanto, o País está longe desse patamar de decência e moralidade pública. Um levantamento feito pela iniciativa Freio na Reforma, que congrega entidades da sociedade civil contrárias a projetos de reforma política em tramitação no Congresso com o objetivo de afrouxar o controle dos gastos dos partidos, revelou que 10%, em média, dos recursos do Fundo Partidário destinados às legendas em 2015 foram usados de forma irregular. Dos R$ 811 milhões distribuídos aos partidos naquele ano, R$ 77 milhões foram gastos de forma irregular, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O TSE reprovou as contas de nada menos do que 20 partidos políticos. As contas de outras 13 legendas foram aprovadas com ressalvas.

Os campeões de mau uso do Fundo Partidário, como custeio de festas, reformas de imóveis de dirigentes partidários, compra de automóveis e aeronaves, entre outras barbaridades, são o PCB (52,2% do fundo com irregularidades identificadas), o PROS (48,39%), o PMB (46,62%), o PSOL (40,79%) e o PEN (Patriota, desde 2018, com 33,10%).

É forçoso dizer que os partidos políticos só se esbaldam com o dinheiro dos contribuintes porque sabem que o TSE é lento para julgar suas prestações de contas, que, na prática, não passam de um ato meramente formal, mero cumprimento de um rito burocrático sem consequências mais gravosas. Os chefões das legendas arrogaram-se donatários de um quinhão cada vez maior do Orçamento da União e dele dispõem sem maior parcimônia porque não se sentem compelidos para cumprir a lei e limitar o uso do Fundo Partidário à finalidade a que se destina: custear despesas estritamente ligadas à atividade partidária. Os caciques contam com a lentidão da Justiça Eleitoral para julgar as contas partidárias e com a demora na aplicação de sanções decorrentes do mau uso dos recursos.

Em caso de irregularidade confirmada pelo TSE, o partido político é obrigado a devolver o dinheiro despendido indevidamente, uma quantia que, por incrível que pareça, volta para o próprio Fundo Partidário. Já punições individuais, ainda mais raras, ocorrem apenas nos casos em que restar comprovada a ação dolosa que configure enriquecimento ilícito do candidato ou mandatário ou dano ao patrimônio do partido. A impunidade, nesse caso, é praticamente assegurada pelo longo tempo transcorrido entre a descoberta da ilegalidade e a conclusão da ação eventualmente proposta pelo Ministério Público Eleitoral. Um convite à prescrição.

O festim dos partidos políticos com o dinheiro do Fundo Partidário – até serviços de prostitutas já foram bancados com esses recursos – só terá fim quando o TSE resolver agilizar o julgamento das contas partidárias e aplicar rigorosamente a lei nos casos em que houver ilegalidades. Se acontecer, já será um bom começo, até o fim definitivo da excrescência.

Na ponta do lápis

Folha de S. Paulo

Ajuda a estados, se inevitável, deve se pautar por técnica; judicializar é risco

Estão longe de serem animadores os resultados do regime de recuperação financeira dos estados, instituído em 2017. Na época, apenas o Rio de Janeiro aderiu à iniciativa, que acabou reformulada no ano passado. Agora, o mesmo Rio se tornou objeto de um impasse na nova versão do programa.

Na avaliação da área técnica do Ministério da Economia, o plano do governo fluminense para o ajuste de suas contas —uma exigência para o generoso socorro federal— está baseado em "premissas técnicas frágeis". Em bom português, não se notou no documento real intenção de equilibrar receitas e despesas num futuro próximo.

Bastaria dizer que o governador Cláudio Castro (PL) pretende continuar elevando os gastos com servidores, a rubrica mais onerosa dos orçamentos estaduais. Só neste ano a folha de pessoal cresceria 17,1%; em 2023, mais 8,9%; a partir daí, correção inflacionária.

Mas não é só. Prevê-se aumento contínuo de investimentos —que magicamente levariam a uma alta da arrecadação de impostos— e deixa-se a parcela fundamental do ajuste para um longínquo 2030, ano derradeiro do plano.

Ante a perspectiva de pareceres técnicos contrários que inviabilizam a adesão ao regime, o governador politiza e sua administração ameaça judicializar a questão. Trata-se de um grande risco.

O federalismo brasileiro tem longa tradição de paternalismo no tratamento de estados e municípios. As demandas de entes subnacionais em dificuldades em geral contam com a boa vontade do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, sempre às custas dos contribuintes do restante do país.

O resultado é um incentivo a gestões perdulárias e composições políticas em benefício das corporações do setor público, enquanto se mantêm pressões constantes por novos programas para o refinanciamento de dívidas com a União.

Na avaliação que o Tesouro faz da capacidade de pagamento dos estados, o Rio amarga a nota mais baixa, D, ao lado de Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A dívida fluminense, equivalente a 324% da receita anual conforme boletim de 2021, supera com folga as demais.

Pela medição mais recente, saltou de 10 para 20 o número de administrações com notas A e B, tidas como satisfatórias. O dado mostra que não se devem encarar com fatalismo as mazelas orçamentárias dos entes federativos: melhoras são factíveis, e governos responsáveis podem fazer a diferença.

Na maior parte dos casos, a agenda reformista passa pela revisão de despesas administrativas e por privatizações, de modo que os estados possam priorizar seu papel fundamental de prover educação, saúde e segurança pública.

A pândega do premiê

Folha de S. Paulo

Descoberta de festas na pandemia alonga crise de governabilidade do Reino Unido

As últimas semanas têm sido atribuladas no Reino Unido. Enquanto enfrenta uma nova e avassaladora onda de Covid-19, o país acompanha, em suspense, o desenrolar de outra crise —intimamente ligada à pandemia, mas de repercussão política— que sacode o governo e ameaça o cargo do primeiro-ministro, Boris Johnson.

O motivo é a revelação de uma série de festas realizadas no interior da residência oficial do premiê durante as restrições provocadas pela emergência sanitária. A mais rumorosa delas ocorreu em maio de 2020 e contou com a presença do próprio Johnson.

Estima-se que o número 10 da Downing Street tenha abrigado algo como uma dezena de encontros durante a pandemia —um deles na véspera do funeral do príncipe Philip, ex-marido da rainha Elizabeth 2º, que permaneceu solitária durante as exéquias devido às regras de distanciamento.

Embora a pândega tenha ocorrido em diferentes momentos, em maio de 2020 o país vivia, talvez, seu pior momento na crise sanitária, com centenas de mortos por dia e um severo lockdown. Quase todo o comércio estava fechado e os encontros eram limitados a duas pessoas, em locais abertos e a dois metros de distância.

Com o escândalo ganhando proporções cada vez maiores, o premiê viu-se obrigado a dar explicações ao Parlamento. Desculpou-se por ter participado da festa de maio, mas alegou que imaginava tratar-se de um encontro de trabalho.

Não bastasse a justificativa inverossímil, soube-se depois que um auxiliar de Johnson pedira aos convidados que levassem bebidas ao evento —fazendo com que o primeiro-ministro passasse também a ser acusado de mentir a seus pares.

A situação do premiê é sem dúvida periclitante. Membros do próprio Partido Conservador já defendem sua saída do cargo e uma investigação interna foi aberta.

Mas mesmo que o resultado lhe seja favorável, Johnson dificilmente se livrará do enorme peso simbólico de ter violado a quarentena num momento sombrio da pandemia, transmitindo ao público a sensação, terrível para a credibilidade de um líder, de que alguns estão imunes às regras que deveriam valer para todos.

Pode não ser o fim da linha para ele, mas as esperanças de que sua acachapante vitória eleitoral em 2019 representaria o fim da crise de governabilidade nascida no referendo do brexit caíram por terra.

Agressão à Amazônia segue em ritmo preocupante

Valor Econômico

Os atos negacionistas de Bolsonaro não são apenas ideologia: trazem bons lucros diretos

O presidente Jair Bolsonaro voltou sua mira destruidora para as cavernas. Em um absurdo decreto, de 13 de janeiro, determinou que mesmo as classificadas de relevância máxima possam sumir para dar lugar a empreendimentos de “utilidade pública”. O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, o do “ambientalismo de resultados”, apoiou o decreto do chefe, que “cria possibilidades de investimentos em projetos estruturantes fundamentais geradores de emprego e renda, como rodovias, ferrovias, mineração, linhas de transmissão e energia renováveis”. A maré da devastação ambiental sobe em todo o país, mesmo após a saída de Ricardo Salles.

Bolsonaro tem muitos seguidores nesta tarefa. No final de 2021 e início do ano, governadores e Assembleias Legislativas seguiram os intentos do presidente. O governador de Rondônia, Marcos Rocha (PSL), sancionou lei que proíbe a destruição de equipamentos usados em atividades ilegais nas fiscalizações ambientais. Os deputados estaduais do Mato Grosso, Estado no qual o apoio a Bolsonaro é significativo, foram mais longe. Aprovaram projeto que permite que as áreas de reserva ambiental possam ser exploradas - ou simplesmente, varridas do mapa. Sancionada pelo governador Mauro Mendes (DEM), a lei prevê até mesmo a supressão da reserva em casos de “interesse social”, “utilidade pública”, exploração mineral etc - na mesma linha do decreto para a destruição das cavernas.

Há sinais de incentivos à grilagem de terras no Pará, o campeão do desmatamento no país e onde ocorre 40% da devastação na Amazônia. Segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o decreto 1.684, de junho, reduziu o valor pago para a regularização de terras públicas. A preços de mercado, elas valem R$ 3.684 o hectare. Antes do decreto, o governo pagaria R$ 137 e, depois dele, R$ 44 o hectare, uma pechincha para os grileiros que destroem a floresta (O Globo, 6 de janeiro). O governo abriria mão, se tudo for “regularizado”, de R$ 6,7 bilhões.

O governo federal deu sinal verde para que garimpeiros e mineradores façam o que quiser, ao retirar recursos e pessoal dos órgãos reguladores e desaprovar a fiscalização, quando não submetê-la à desmoralização pública, como fez o presidente na segunda-feira. “Paramos de ter grandes problemas com a questão ambiental, especialmente no tocante à multa”, disse Bolsonaro. Ele talvez seja o primeiro presidente a achar que a multa não é um problema de quem a recebeu e transgrediu a lei, mas do Estado que a aplica. Essa execrável visão de mundo, no entanto, reverbera nos Estados em que a devastação aumentou e onde o poder de empresários retrógrados e bandos fora-da-lei têm considerável influência nos Legislativos e no Judiciário.

A peripécia da maior apreensão de madeira ilegal feita no país - 141 mil m3 -, na Operação Handroanthus GLO, em 22 de dezembro de 2020, é exemplo de como é difícil aplicar a lei em ambientes onde outros poderes falam mais alto - e o estímulo do Planalto importa. O superintendente da Polícia Federal do Amazonas, Alexandre Saraiva, foi exonerado após apresentar notícia crime contra o então ministro Ricardo Salles que se colocou ao lado dos madeireiros. Salles é objeto de inquérito do Supremo Tribunal Federal por advocacia administrativa, organização criminosa e obstrução da fiscalização.

A Justiça do Amazonas e do Pará começaram a liberar a carga apreendida por meio de liminares, o que levou a Polícia Federal a pedir em maio que os inquéritos saíssem da Justiça Federal para o STF, porque haveria “agentes políticos” agindo em favor dos investigados (G1, 15-6). O temor era motivado. Em dezembro, o desembargador Ney Bello, do TRF-1, concedeu liminar para liberar parte da madeira apreendida da MDP Madeiras. Eis que surge, todo pimpão, como autor do pedido, Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro, o mesmo que escondeu Fabrício Queiroz quando ele fugia de depoimentos no caso das “rachadinhas”, que envolvem Flávio Bolsonaro.

O argumento aceito para a medida judicial tem lógica, mas formal apenas. Ela determina a imediata restituição apenas da madeira “legalmente extraída”, quando todas as árvores da Amazônia sabem que ela é usada para “esquentar” a maioria das cargas, ilegais. Os atos negacionistas de Bolsonaro não são apenas ideologia: trazem bons lucros diretos, ou por intermediação, de quem sabe interpretar as invectivas de Bolsonaro.

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