quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Inflação fora da meta representa risco para 2022

O Globo

A inflação oficial de 2021, anunciada ontem pelo IBGE, ficou pouco acima de 10%. Foi o pior resultado registrado desde 2015, quando o cavalo de pau aplicado na política de juros pelo Banco Central no governo Dilma Rousseff levou ao descontrole nos preços. Desta vez, apesar da reação tardia do BC à pressão inflacionária da pandemia, a política de juros começa a se mostrar eficaz.

Depois de 11 meses de alta, a inflação acumulada em 12 meses começou enfim a ceder. Caiu de 10,74% em novembro para 10,06% em dezembro. Pode ser um primeiro sinal de vitória contra a herança mais nefasta que o presidente Jair Bolsonaro deixará ao sucessor. A inflação corrói o poder de compra de todos, mas atinge com maior intensidade os mais pobres, como demonstram os números de 2021.

Num país que ainda tateia na transição para uma economia de baixo carbono, o transporte dependente do petróleo e dos combustíveis fósseis foi o principal vilão dos preços no ano, com alta acima de 21% (só a gasolina subiu quase 48%; o etanol, 62%). Os outros vilões foram a habitação (alta de 13%), artigos de residência (12%), vestuário (10%) e alimentação (8%). Na lista das maiores altas estão café, açúcar, legumes, frutas, carnes, frango — e tudo o que afeta diretamente o bolso da população.

Embora a curva de preços tenha enfim virado para baixo em dezembro, o resultado voltou a ficar aquém do que esperavam os analistas de mercado, e os fatores estruturais que impulsionam a alta persistem. A batalha está longe de vencida. Será dificílimo que o BC cumpra a meta inflacionária deste ano, mantendo o índice entre 2% e 5% (analistas preveem mais de 5%). Para 2021, o teto da meta era de 5,25%.

Por tê-la descumprido, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, teve de enviar uma carta pública ao ministro da Economia, Paulo Guedes, explicando os motivos. Atribuiu a maior parcela do desvio da meta (69%, ou 4,38 pontos percentuais) à “inflação importada”, resultado de gargalos logísticos globais, da alta do petróleo e outras matérias-primas, além da súbita recuperação mundial depois da recessão de 2020. O único fator interno que apontou foi a crise de energia. Mas o Brasil não tem como exportar toda a responsabilidade por suas mazelas.

Pelos últimos números da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre as 46 principais economias, apenas Turquia e Argentina registraram inflação maior que a brasileira nos 12 meses encerrados em novembro (o quadro de dezembro é semelhante). A recuperação da demanda global e a alta das matérias-primas contribuíram para o saldo recorde na balança comercial brasileira em 2021. Apesar disso e das reservas cambiais que fecharam o ano em US$ 362 bilhões, o dólar se manteve em alta, impedindo o barateamento de produtos importados que reduziria a inflação. Com o dólar alto, os combustíveis também se mantiveram em alta.

Os motivos — ausentes da carta de Campos Neto— foram dois: a incerteza política resultante das manifestações antidemocráticas de Bolsonaro e a desconfiança derivada da ruptura do teto de gastos e da apropriação do Orçamento pelo Centrão, sacrificando a última âncora fiscal que permitia vislumbrar um cenário de controle na dívida pública. E os responsáveis, que o presidente do BC também não mencionou, são dois: Guedes e Bolsonaro.

Anvisa deveria autorizar o uso de autotestes para a Covid no Brasil

O Globo

Não se pode dizer que a explosão de casos de Covid-19 no país seja inesperada. Até o início do mês passado, a redução no número de infectados e mortos sugeria uma tranquilidade enganadora. O que ocorria no mundo, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos, com o avanço da variante Ômicron, deveria ter chamado a atenção das autoridades sanitárias. Mas o país não se preparou para o básico: testar a população. Tão logo passaram as festas de fim de ano, aconteceu o óbvio: uma corrida às unidades básicas de saúde. Faltaram — ainda faltam — testes para atender à demanda.

Uma solução para aliviar as filas que se formam em postos de testagem seria o autoteste, mais simples, rápido e barato que o realizado nos laboratórios (RT-PCR). O paciente só precisaria entrar nas filas para confirmar um resultado positivo em casa. Embora sejam largamente usados na Europa e nos Estados Unidos, os testes caseiros são proibidos no Brasil por uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de 2015. Ela diz que não podem ser fornecidos para leigos produtos que tenham a finalidade de diagnóstico de presença ou exposição a agente transmissível, incluindo os que causam doenças infecciosas passíveis de notificação compulsória. Mas afirma que “a proibição poderá ser afastada por resolução da diretoria colegiada, tendo em vista políticas públicas e ações estratégicas formalmente instituídas pelo Ministério da Saúde”.

Na segunda-feira, o governo informou que pediria à Anvisa a liberação dos autotestes. Segundo o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a agência já emitiu sinal positivo, mas pediu um parecer sobre o assunto. Queiroga diz que o ministério não deverá adotar uma política pública de distribuição de testes caseiros, mas permitirá que eles sejam vendidos em farmácias.

O gargalo na testagem afeta instituições públicas e privadas. Como mostrou reportagem do GLOBO, no SUS, a espera para fazer um teste para vírus respiratórios pode levar horas. Laboratórios particulares também estão sobrecarregados, e há farmácias com estoques zerados.

Desde o início da pandemia, o governo nunca se preocupou com a testagem em massa. De acordo com números da plataforma Our World in Data em 10 de janeiro, os testes realizados no Brasil (309 por mil habitantes) são inferiores a países como França (3.048) e Itália (2.464) ou mesmo vizinhos como Chile (1.443) e Argentina (643).

Diante da explosão de casos provocada pela Ômicron e da ocorrência concomitante de uma epidemia de gripe (influenza), a Anvisa precisa rever sua posição. Como não se testa ou se testa pouco, não é improvável que cidadãos contaminados estejam circulando por aí, transmitindo a doença. O certo seria testá-los e, confirmada a infecção, isolá-los e rastrear seus contatos. O autoteste ajudaria a aumentar o isolamento dos infectados. O desleixo com a testagem se mostrou um erro ao longo da pandemia. A diferença é que hoje lidamos com uma variante que se espalha numa velocidade sem precedentes.

Desastres em dois dígitos

O Estado de S. Paulo.

Com inflação e desemprego acima de 10%, o Brasil de Bolsonaro mantém desempenho muito pior que o da maior parte do mundo

Inflação e desemprego acima de 10% são piores do que na maior parte do mundo.

Dois desastres econômicos e sociais de dois dígitos, inflação e desemprego, enriqueceram o currículo tenebroso do presidente Jair Bolsonaro em 2021. Empobrecimento foi a contrapartida para a maioria das famílias, com miséria e fome para as mais desafortunadas. A alta de preços até dezembro, de 10,06%, foi a maior desde 2015, quando um aumento de 10,67% premiou os desmandos da presidente Dilma Rousseff. Mas nem com a recessão de 2015-2016 a petista conseguiu elevar a desocupação a 14%, taxa superada em vários trimestres pelo presidente negacionista e inimigo da vacinação. O último levantamento mostrou 12,9 milhões de desempregados, 12,1% da força de trabalho. Não há sinais de melhora significativa até o fim do ano recém-terminado nem expectativa de grande redução do desemprego em 2022.

Já acuados pelas dificuldades de emprego, os brasileiros ainda viram seus ganhos devastados pelo forte encarecimento de bens e serviços. Transportes, habitação e alimentação foram os itens com maiores aumentos e maiores impactos no resultado geral da inflação. Comer ficou 7,94% mais caro, mas essa variação, inferior à de outros itens, ocorreu sobre uma base muito elevada. No ano anterior os preços de alimentos e bebidas haviam subido 14,09%. A alta acumulada em dois anos chegou, portanto, à assustadora taxa composta de 23,15%, num quadro de míseras oportunidades de trabalho e de remuneração. Mas a inflação, dizem figuras do Executivo, é um desajuste espalhado globalmente a partir de 2020, como efeito da pandemia. A rápida retomada inicial da economia chinesa pressionou preços de produtos agrícolas e minerais. Em seguida, surgiram desarranjos nas cadeias de suprimento de insumos, como semicondutores. A indústria automobilística mostra com muita clareza os danos causados por esses problemas. Custos de produção subiram em vários setores e afetaram os preços finais cobrados no comércio.

Problemas ocorreram globalmente, de fato, mas na maior parte do mundo a evolução dos preços tem sido muito mais discreta do que tem sido no Brasil. Nos 38 países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a inflação acumulada em 12 meses chegou em novembro a 5,8%, a maior taxa desde maio de 1996. No Grupo dos 20 (G-20), a alta de preços acumulada nesse período atingiu 5,9%. Mas essa média foi claramente influenciada pelos aumentos ocorridos em três países: 51,2% na Argentina, 10,7% no Brasil e 8,4% na Rússia. No mundo rico, a economia com pior desempenho nos preços, nos 12 meses até novembro, foi a dos Estados

Unidos, com variação de 6,4%. Na União Europeia a média ficou em 2,9%, com a maior taxa, de 4,6%, registrada na Alemanha.

Menos afetados pela alta de preços ao consumidor, os trabalhadores das economias avançadas e da maior parte das emergentes também foram menos pressionados que os brasileiros pelo desemprego. Na OCDE, o desemprego caiu de 5,8% em setembro para 5,7% em outubro. Na zona do euro, a taxa média recuou, no mesmo período, de 7,4% para 7,3%. Nos Estados Unidos, passou de 4,6% para 4,2%.

Várias dessas economias encolheram mais que a brasileira, em 2020, mas com efeitos menos dramáticos no emprego, desajustes menos prolongados e danos sociais menos sensíveis. No Brasil, o auxílio emergencial aos mais pobres foi menos contínuo, a desocupação continuou muito elevada e os preços aumentaram mais intensamente depois da fase inicial da pandemia. A insegurança em relação ao quadro fiscal, especialmente quanto à dívida pública, tem sido constante e assim permanece.

A gestão das contas federais, com pouco planejamento, generosa distribuição de dinheiro a aliados do presidente e excessiva atenção a interesses eleitorais, complica o financiamento do Tesouro, pressiona os juros e gera permanente desajuste cambial. Insegurança econômica e inflação acelerada são algumas das consequências. A maioria dos trabalhadores pode nem ter noção dessas questões, mas essa gente é quem paga a conta dos desmandos praticados em seu nome e com seu dinheiro.

O longo caminho da transparência

O Estado de S. Paulo.

Com dez anos de atraso, o Ministério do Desenvolvimento Regional criou agora comissão prevista na Lei de Acesso à Informação

Após o Estado revelar a existência do chamado orçamento secreto, foram ajuizadas ações perante o Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo maior transparência para a execução das emendas de relator, base do orçamento secreto. O Supremo concedeu a liminar, determinando que fosse dada maior publicidade às interações de parlamentares com o Executivo relativas a recursos públicos.

Após a decisão do STF, o Palácio do Planalto editou, em dezembro do ano passado, o Decreto 10.888/2021 dispondo que os pedidos de verbas feitos por parlamentares e recebidos pelo Executivo sejam tornados públicos na Plataforma +Brasil, que reúne as informações sobre transferências de recursos do governo. Também foi determinado que essas informações estejam disponíveis ao público por meio de pedidos via Lei de Acesso à Informação (LAI, Lei 12.527/2011).

Mesmo sem assegurar total transparência – uma vez que a publicidade recai sobre os pedidos, continua-se sem saber, por exemplo, os nomes dos parlamentares beneficiados com as verbas –, o Decreto 10.888/2021 representou um avanço. Foi fruto do trabalho da imprensa, que revelou um modo não republicano de distribuição de verbas, e do Judiciário, que exigiu o cumprimento da Constituição. O chamado orçamento secreto, sistema em que parcela do Orçamento da União é informalmente direcionada por deputados e senadores, sem transparência e sem demonstração dos critérios objetivos que justifiquem as despesas, não é compatível com o Estado Democrático de Direito.

Agora, foi percorrido mais um trajeto desse acidentado caminho pela transparência. O Ministério do Desenvolvimento Regional, pasta diretamente envolvida no orçamento secreto, sendo responsável por liberar os recursos aos pedidos dos parlamentares, criou um grupo para avaliar documentos internos para fins de classificação de sigilo. Trata-se da Comissão Permanente de Avaliação de Documentos Sigilosos (CPAD), um órgão previsto no Decreto 7.724/2012, que regulamenta a LAI.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional, a nova comissão não avaliará documentos relativos à execução de emendas de relator, cuja transparência será regida pelo Decreto 10.888/2021. De toda forma, ainda que a CPAD não esteja relacionada à decisão do Supremo sobre a publicidade da execução das emendas de relator, é notável que a sua criação tenha ocorrido justamente agora, após a revelação do orçamento secreto.

Confirma-se, assim, a necessidade da contínua vigilância sobre a atuação do poder público para uma efetiva transparência. A Constituição de 1988 determina que a administração pública seja regida, entre outros, pelo princípio da publicidade. Desde 2011, a LAI regula o direito fundamental de acesso à informação, sob diretrizes precisas, como a publicidade como preceito geral e o sigilo como exceção; a divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitação; o fortalecimento da cultura da transparência nos órgãos públicos; e o desenvolvimento do controle social da administração pública. E, desde 2012, há uma regulamentação extensa da LAI, o Decreto 7.724/2012. No entanto, mesmo com toda essa estrutura normativa, Legislativo e Executivo vinham descumprindo os princípios básicos da transparência na execução do orçamento.

Ressalta-se que a simples existência da CPAD no Ministério do Desenvolvimento Regional não significa por si só maior transparência. A vigilância continua sendo necessária. De toda forma, é benéfico que a pasta envolvida diretamente no orçamento secreto se aproxime das diretrizes estabelecidas na LAI e no Decreto 7.724/2012.

Mais de uma vez, o governo Bolsonaro deu mostras de pouco apreço pela transparência. Basta ver que, quando o Estado revelou a existência do orçamento secreto, o Executivo federal ameaçou processar judicialmente o jornal, dizendo que nada havia de secreto. Meses depois, o governo admitiu a existência de documentos indisponíveis ao público. A publicidade não é benevolência do governante. É um direito da sociedade.

No escuro

Folha de S. Paulo

Em meio a nova onda de infecções por Covid, Brasil continua sem dados para formular estratégias

O Brasil jamais teve plano nacional amplo e organizado de testes de Covid. As estatísticas da doença já foram prejudicadas por problemas no sistema federal de registros, isso quando o próprio governo não tentou censurá-las. Desde o dia 10 de dezembro, porém, o descalabro é completo.

Faz mais de um mês, os registros informáticos do Ministério da Saúde foram, segundo o governo, atacados por hackers. O descaso e a inépcia fizeram com que partes do sistema ficassem fora do ar até sexta-feira passada, pelo menos.

Em 2020, a negligência com os dados da pandemia já havia levado órgãos de imprensa a apurar por conta própria as estatísticas. Agora, em meio a nova onda de casos, acompanhada de epidemia de gripe, o país não tem um quadro completo de toda a situação.

Cientistas e técnicos não podem elaborar análises, estimativas e estratégias de contenção de danos. Não houve tentativa oficial de criar sistemas alternativos de informação; não há explicações sobre o que se passou e como evitar novas panes. Sabe-se apenas que, também em caso de guerra cibernética, o Brasil é presa fácil.

A desinformação favorece a estratégia federal de negligência criminosa e a propaganda oficial de mentiras. Cidadãos não têm noção dos riscos que correm nem recebem alertas objetivos de cautela. É mais uma realização típica do governo: largar o país à própria sorte.

A esse respeito, vale ressaltar que Jair Bolsonaro e seu capacho no Ministério da Saúde tentaram atrasar o quanto puderam a vacinação de crianças de 5 a 11 anos. A altamente transmissível ômicron infecta os menores como nunca, a julgar pelas informações de países mais desenvolvidos que o Brasil.

Números locais indicam altas de internações em UTIs, sinal de que a variante, embora menos letal, se espalha rapidamente, chegando assim aos mais frágeis, como idosos e aqueles que não se vacinaram.

Qual o ritmo da nova onda? Quais grupos de pessoas atinge com mais facilidade e gravidade? O que fazer a fim de preparar hospitais? Mesmo que as informações voltem a ser registradas, tão cedo não haverá séries de dados longas o bastante para reflexão mais precisa.

No escuro, o país não sabe qual pode ser o efeito desta nova onda sobre o funcionamento de serviços e da economia. São frequentes as notícias de cancelamentos de voos por falta de tripulantes, abatidos pelo coronavírus, por exemplo. Como a variante afetará hospitais ou serviços e negócios essenciais, como a produção de alimentos, água e energia?

Para os cidadãos desamparados, a ignorância é uma maldição. Para os propósitos do governo, uma grande conveniência.

A destruição de Palmares

Folha de S. Paulo

Ao segregar livros, presidente de fundação ligada a movimento negro degrada ainda mais sua função

O atual presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, já deu demonstrações suficientes de despreparo para a função que ocupa. A dissintonia não é estranha ao governo de Jair Bolsonaro (PL), que se dedica, em muitas frentes, mais à destruição do que à construção institucional.

Os exemplos são vários e saltam aos olhos em setores mais suscetíveis à estratégia da chamada guerra cultural. Trata-se de enfrentar a suposta ameaça de um marxismo fantasmagórico que se infiltraria nas instituições e na cultura para destruir valores tradicionais.

Camargo talvez seja a face mais caricata e degradante desse padrão, que prosperou na Educação, no Ambiente e no Itamaraty, entre outros setores e órgãos do atual governo —caso notório da Cultura, na qual se inscreve a fundação.

Dedica-se o gestor a fazer o triste papel de um homem negro que nega o racismo estrutural e atribui aos próprios negros as situações adversas que enfrentam em razão de discriminações. Declarações como as que ridicularizam o Dia da Consciência Negra falam por si.

Camargo, contudo, não se contenta com seus disparates retóricos. Procura efetivar o desmonte da fundação com medidas estapafúrdias, como a tentativa de banir obras da biblioteca da instituição por representarem "temática não negra, francamente marxista".

Autores como os economistas Celso Furtado e Maria da Conceição Tavares entraram na lista de banidos do burocrata, ao lado de nomes como o historiador Marco Antonio Villa, um conhecido crítico de visões de esquerda.

Impedido pela Justiça de se desfazer das obras, Camargo criou uma seção para confiná-las, em cuja porta afixou os dizeres "Acervo da Vergonha", com uma estrela vermelha e o símbolo da foice e do martelo.
Outra de suas obsessões é mudar o nome da fundação, trocando a referência ao quilombo liderado por Zumbi, no período colonial, por uma homenagem à Princesa Isabel, que assinou a Lei Áurea.

Camargo seria apenas uma figura deprimente e insignificante não estivesse no comando de um órgão que foi criado em decorrência de reivindicações de movimentos de defesa dos direitos de negros no momento em que o Brasil promulgava uma nova Constituição, em 1988, e procurava deixar para trás os anos de ditadura militar.

De um gestor tão disfuncional e desprovido de qualidades nada de construtivo se pode esperar.

Com demanda fraca, queda da inflação depende do dólar

Valor Econômico

Janeiro é mês típico de pressão nos índices e o IPCA em doze meses até fevereiro ainda estará perto dos 10%

A pandemia sincronizou os ciclos econômicos ao redor do globo e, em menor grau, os impulsos inflacionários. Ainda que com pesos e dinâmicas diferentes, os motivos que levaram o IPCA no Brasil a atingir 10,06% em 2021 são basicamente os mesmos que levaram o CPI a 6,8% (novembro) nos Estados Unidos e o HICP a 4,9% na zona do euro. São eles: aumento vertiginoso de commodities, em especial petróleo, distúrbios nas cadeias de produção, com a demanda se deslocando para bens e recuperação dos serviços, com a maior mobilidade propiciada pela vacinação em massa. No caso brasileiro a inflação foi mais longe não só pelo resquício persistente de indexação da economia, mas, principalmente, pelo movimento altista do dólar que, pela lógica de situações semelhantes do passado, deveria cair.

Os índices de difusão não deixam dúvidas de que o cerne original de propagação dos preços - valorização das commodities alimentícias, energéticas e minerais em dólar - se disseminou pelos demais bens. Em dezembro, 75% dos itens coletados para o cálculo do IPCA tiveram aumento. No entanto, apenas a variação de preços de seis deles (etanol, gasolina, gás de botijão, energia elétrica, automóveis novos e usados) somou 4,29 pontos percentuais do IPCA. A disparada dos combustíveis se alastrou pela economia, porque é um insumo básico que influi nos custos de todos os produtos e serviços.

Por grupos, a influência desses itens no índice cheio foi ainda maior em 2021. Transportes, habitação (puxada por energia elétrica e gás) e alimentos contribuiram com 7,92 pontos percentuais dos 10,06% do resultado final. Essas constatações não diminuem o tamanho da encrenca inflacionária em 2021, a maior desde 2016 e a terceira mais alta do século. Mas sugerem limites para as intervenções convencionais da política monetária e para as condições de reversão dos preços. Na zona do euro, a inflação, sem energia e commodities agrícolas, representam metade do índice cheio, de 4,9%. Nos EUA, sem os mesmos itens, a inflação seria de 4,9% e não 6,8%.

Realidades específicas do Brasil jogaram o índice mais para cima no curto prazo. O setor de serviços começou a se recuperar mais tarde, dado o atraso inicial na vacinação. Em dezembro, a variação de seus preços quase triplicou (de 0,27% para 0,79%) e no ano atingiu 4,75% - ainda assim abaixo da média de evolução dos preços. A inflação subjacente de serviços avançou de 5,45% para 5,91%, segundo a consultoria MCM. A falta de matérias primas, peças e componentes fez com que bens industriais subissem 12% no ano, bem acima dos 4,52% em 2020, durante a pandemia.

Com o ritmo forte de alta dos juros, a inflação cairá em 2022, mas a intensidade e a velocidade são incógnitas. Para a baixa contam a queda da atividade da indústria, do comércio, que retirarão a pressão dos bens industriais. Haverá recuo também na inflação de serviços, setor castigado pela perda de renda e, agora, pela rápida propagação da nova variante ômicron. O ritmo geral da economia amortecerá o IPCA, com a conjugação de menor atividade, renda em queda (exceto para os que dependem dos programas sociais do governo), desemprego alto e menor oferta de crédito.

Os preços de energia residencial subirão menos, a julgar pelas previsões de um início de ano chuvoso. Os preços do petróleo e derivados, apesar da previsível volatilidade, podem mitigar a inflação, pois ainda que haja espaço para altas é difícil que elas ocorram muito além do pico alcançado em 2021. Mesmo assim, derrubar o IPCA abaixo de 5% parece uma proeza difícil de alcançar, a menos que o real se valorize ou as cotações do dólar estabilizem.

Quase metade da inflação é efeito do dólar que se valorizou quando normalmente tomaria o rumo contrário. Mas o cenário não é favorável ao real e a desinflação pode ser mais lenta do que poderia. Os juros nos Estados Unidos devem subir mais do que o previsto, dando sustentação à moeda americana. Estripulias fiscais do governo Bolsonaro parecem ter criado um piso para o recuo do dólar. Eleições em que o favorito é um candidato da esquerda também não são propícias a um comportamento comedido do câmbio.

Com os principais itens de pressão inflacionária fora do alcance da política monetária, o Banco Central talvez não precise ir além do que se espera com a Selic (11,75%). No curto prazo, o jogo está definido. Janeiro é mês típico de pressão nos índices e o IPCA em doze meses até fevereiro ainda estará perto dos 10%. Depois, com a economia rastejando, a inflação dependerá dos humores do dólar.

 

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