terça-feira, 18 de janeiro de 2022

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Rio precisa de um novo plano de recuperação fiscal

O Globo

É do interesse de todos os brasileiros o debate em curso sobre a saúde fiscal do Estado do Rio. O Rio, como outros entes da Federação, está quebrado. A despesa é maior que a receita, e o estado depende da União para refinanciar sua dívida gigantesca. A decisão que deverá ser tomada em breve a respeito terá impacto não apenas no futuro das finanças fluminenses, mas também na de outros estados em situação semelhante. É fundamental o governo estadual ter metas que promovam um ajuste fiscal com credibilidade — e que seja transmitido ao país um recado de responsabilidade.

Com a intenção de reingressar no Regime de Recuperação Fiscal da União, o governo fluminense apresentou um plano de ajuste reprovado ontem pelo Tesouro Nacional. Diante do resultado já esperado, o Palácio Guanabara dá sinais de que levará o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF). Se isso ocorrer, a decisão será acompanhada de perto pelo precedente que abrirá.

É fundamental reconhecer os avanços alcançados pela administração estadual nos últimos anos. Mas também é preciso que as autoridades fluminenses tenham a honestidade de reconhecer as muitas e sérias limitações do plano reprovado pelo Tesouro.

Entre os pontos positivos, o mais importante foi o esforço para controlar as despesas com pessoal. Revelou-se um sucesso a concessão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). Foi registrada uma significativa redução no estoque de restos a pagar, dando fôlego ao caixa do estado para manter atividades essenciais. Como vários outros estados, o Rio aumentou a contribuição previdenciária dos servidores.

As críticas de que nada foi feito não se sustentam. Mas dizer que o estado fez muito, como fizeram Rio Grande do Sul ou Goiás, seria um disparate. Os avanços do Rio não bastaram para restabelecer a credibilidade fiscal. É preciso fazer mais. Muito mais. E, nisso, o plano apresentado representa um passo para trás. Ele prevê que, ao final de nove anos, as despesas do estado crescerão 45,2%, e as receitas só 37% (incluindo esporádicas). Não faz sentido.

É absurdo um estado com graves problemas fiscais decidir oferecer recomposição salarial da inflação ao funcionalismo. Assim como bonificações a certas categorias ou a manutenção de benesses como triênios ou licenças compensatórias. Num mundo ideal, todos, não apenas funcionários públicos, deveriam estar protegidos da corrosão da alta de preços. A realidade é outra. O ajuste das contas públicas só será possível se a despesa com pessoal for controlada. Cálculos políticos com os olhos nas eleições deste ano são um desserviço à população.

A saída para a grave situação fiscal do Rio se torna ainda mais difícil em virtude do plano de investimentos de R$ 17 bilhões. É verdade que boa parte do dinheiro será destinada a projetos necessários. Mas supor que trarão mais crescimento econômico e mais receita não passa de pensamento mágico. Se resolver crises fiscais fosse tão simples, o Rio não estaria na situação atual.

Sem metas críveis, perseguidas e cumpridas com rigor, o estado continuará eternamente na penúria, com uma máquina estatal pesada e ineficiente. Se a disputa desaguar no STF, os ministros da Corte, se quiserem ajudar o Rio, precisam deixar claro que o melhor para o estado e o país é o governo fluminense apresentar um novo plano capaz de resgatar sua credibilidade.

Mudança no WhatsApp é incoerente e inaceitável em pleno ano eleitoral

O Globo

É evidente a contradição entre o que a Meta (ex-Facebook), dona das maiores redes sociais do planeta, conta às autoridades eleitorais e sua iniciativa interna para promover mudanças no aplicativo de mensagens mais usado no Brasil, o WhatsApp. É uma incoerência inaceitável, sobretudo às vésperas das eleições.

De acordo com reportagem do GLOBO, está em fase de testes internos a implementação de “comunidades” compostas de vários grupos de usuários, permitindo maior alcance das mensagens ao estender o número de destinatários possíveis, hoje limitado a 256. Ao mesmo tempo, a empresa continua a afirmar publicamente que o WhatsApp é um aplicativo cuja vocação é a comunicação individual, e não a disseminação de mensagens em massa.

A mudança, é ocioso dizer, representaria a realização do sonho dos propagadores de fake news e desinformação. Se, hoje, eles dependem de disparos em massa por meio de centenas de celulares para espalhar suas mentiras, conseguiriam o mesmo efeito apenas com um clique. É escandaloso que, em pleno ano eleitoral no país que consagrou o “zap” como veículo preferencial para desinformação, a Meta considere implementar essa ideia estapafúrdia, em vez de fazer o oposto: restringir a circulação de mensagens para que o aplicativo cumpra sua vocação declarada de comunicação “um a um”.

Durante a discussão do Projeto de Lei das Fake News, cuja redação final traz vários avanços no rumo da transparência e responsabilidade no meio digital, várias ideias circularam para limitar o alcance dos disparos em massa nos aplicativos de mensagem. Entre elas, o armazenamento, por três meses, dos dados relativos aos emissores e receptores de mensagens reproduzidas mais de mil vezes — sem violação do conteúdo delas — e a proibição pura e simples do encaminhamento a mais de um usuário.

Nos debates, nenhuma dessas ideias prosperou. No primeiro caso, pela posição equivocada dos que viam risco à privacidade numa regra menos invasiva que a vigente para escutas telefônicas ou telemáticas. No segundo, pela resistência em acabar com uma comodidade para controlar a desinformação. Ainda assim, a redação que deverá ir a plenário na Câmara aponta o caminho certo: exige que as plataformas imponham restrições ao encaminhamento múltiplo e que usuários deem anuência a sua inclusão em grupos. É o mínimo para tentar garantir que o WhatsApp deixe de ser uma arma para a propaganda mentirosa.

A revelação de que a Meta diz uma coisa e faz outra em relação ao WhatsApp só aumenta a urgência de uma regulação mais rígida. O Congresso precisa dar ao PL das Fake News o devido senso de urgência. Do contrário, a democracia, no Brasil e noutros países, continuará refém do que decidem as empresas de tecnologia no Vale do Silício — cujo interesse, como este caso demonstra mais uma vez, tem pouco a ver com democracia.

Retrato da inépcia

Folha de S. Paulo

Datafolha explicita subnotificação de infecções por Covid e incompetência do governo em monitorá-las

Desconexão com a realidade e incompetência são duas das características marcantes do governo Jair Bolsonaro (PL) no enfrentamento da Covid-19, a "gripezinha" postulada pelo presidente que matou centenas de milhares e impôs lutos evitáveis às famílias brasileiras.

Uma série de pesquisas Datafolha explicita agora a dimensão do descalabro patrocinado por seu governo. Os dados revelam que 25% dos brasileiros com mais de 16 anos disseram ter testado positivo para o coronavírus, em um total de 42 milhões de contaminados.

Isso equivale a quase o dobro dos lançamentos apontados no painel oficial do Ministério da Saúde
—que, de forma inadmissível, permanece desatualizado desde 9 de dezembro de 2021.

Outros registros públicos, coletados pelo consórcio de imprensa, somam 23 milhões de casos, reunindo informações de todas as idades. Como os dados do Datafolha são dos infectados maiores de 16 anos, a subnotificação nas estatísticas revela-se gigantesca.

Em quase dois anos de pandemia, o governo federal foi incapaz de formular uma regra única para o envio e a contabilização de casos registrados nos estados e municípios, amplificando as falhas no registro das estatísticas. Por incompetência ou má-fé, o Brasil talvez nunca saiba quantos de fato adoeceram e morreram na pandemia.

Desde o início, menosprezando o risco que a Covid-19 representava, o governo Bolsonaro também ignorou recomendação de especialistas e da Organização Mundial da Saúde de promover a testagem em massa para acompanhar a evolução da doença e embasar decisões cruciais, como a compra de insumos médicos —a exemplo do oxigênio que faltou em Manaus— e a abertura de leitos de UTI para a internação de doentes graves.

Na contramão da ciência, torrou dinheiro público na fabricação da ineficaz cloroquina e incentivou aglomerações que só ajudaram a espalhar um vírus que não teve a capacidade de monitorar.

Não satisfeito, Bolsonaro agiu enfaticamente contra a vacinação infantil, contrariando novamente a ciência e o anseio da população por proteção —pois, segundo o Datafolha, nada menos do que 79% dos brasileiros apoiam a imunização de crianças de 5 a 11 anos.

Finalmente vencido pela realidade, seu governo acabou contratando —sem licitação e por R$ 62,2 milhões— uma empresa inexperiente para a distribuição dos imunizantes infantis, que chegaram a ser transportados em caixas de papelão recheadas com gelo.

Com 69% dos brasileiros imunizados, o pior da pandemia pode até ter ficado para trás. Mas, infelizmente, ainda resta quase um ano do pior governo que o Brasil já teve.

Homem das cavernas

Folha de S. Paulo

Bolsonaro abre oportunidade para obras de infraestrutura dizimarem belezas do subsolo

A sanha desregulamentadora do governo Jair Bolsonaro (PL) no campo ambiental chegou ao subterrâneo. Decreto do presidente abriu a porteira para cavernas, grutas, lapas, tocas, abismos ou furnas de relevância máxima serem destruídos para dar lugar a projetos de infraestrutura.

Cavidades naturais recebem proteção legal e são classificadas em quatro graus de importância—máxima, alta, média e baixa. Até o decreto, as primeiras não podiam sofrer impactos irreversíveis.

Com a norma, órgãos ambientais ficam autorizados a declarar cavernas passíveis de dano definitivo quando o empreendimento planejado for de utilidade pública.

Teme-se que autoridades federais, estaduais e municipais adotem critérios frouxos e permitam inutilizar esses patrimônios naturais para obter arrecadação.

As exigências estipuladas no decreto são custear compensações para impactos (por exemplo, em benefício de outra cavidade similar) e não gerar extinção de espécies no local alterado.

Arqueólogos, espeleologistas e ambientalistas em geral avaliam tais condições como insuficientes.

Em primeiro lugar, não se explicita que a compensação para dano em caverna de relevância máxima ocorra em outra da mesma categoria.

Quanto às espécies, a eventual extinção só poderá ser determinada a posteriori, pois nem o mais minucioso estudo logrará predizer as consequências da alteração.

Cavernas são ambientes frágeis que costumam abrigar espécies endêmicas, como populações diminutas de peixes e insetos só encontrados naquele espaço. Uma vez perturbado o equilíbrio, organismos desaparecerão para sempre.

Haverá quem defenda que rodovias, mineradoras ou linhas de transmissão falam mais alto, mas o poder público não pode ignorar que essa não é a visão predominante na sociedade. Normas ambientais existem para proteger esses bens naturais, segundo limites ditados por consensos possíveis.

Em cada empreendimento, há que compatibilizar valores e motivações em conflito no caso concreto. Para tomada de decisão, não convém alocar poder excessivo a atores interessados, como governantes e empresários.

Cavernas de relevância máxima deveriam permanecer como são e estão, em modificação somente pela ação do tempo desde muito antes de existirem a espécie humana e governos predatórios.

O desafio da seca

O Estado de S. Paulo.

Chuva escassa e muito calor prejudicam o setor mais eficiente da economia. A ministra da Agricultura promete socorro

Chuva escassa e muito calor prejudicam o setor mais eficiente da economia.

Principal fonte de receita comercial do Brasil, com exportações de US$ 129,59 bilhões em 2021, o agronegócio tem sido afetado severamente pela seca e pelo intenso calor em Estados do Sul e do Centro-oeste. Perdas de R$ 45 bilhões foram estimadas por fontes oficiais e do setor privado citadas em reportagem do Estadão publicada no dia 14 passado. Mas esse é um balanço preliminar. O Ministério da Agricultura poderá, a partir de um levantamento mais detalhado e sistemático, oferecer uma estimativa mais precisa dos danos e de seus efeitos prováveis na economia nacional. É arriscado, neste momento, especular sobre a evolução das exportações em 2022 e dos preços no mercado interno. Mais urgente e muito mais produtivo é cuidar do socorro aos agricultores e apoiar o próximo plantio, como promete a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.

Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul foram visitados até o dia 13 por uma equipe liderada pela ministra. Áreas afetadas pela seca foram sobrevoadas e produtores foram ouvidos. Informações foram coletadas para avaliação das medidas necessárias e para discussões com outras áreas do governo, como o Ministério da Economia. Um passo óbvio e já definido é um amplo apoio ao plantio da chamada safrinha de milho, uma segunda safra muito mais importante, de fato, do que parece indicar a forma diminutiva. As ações deverão incluir medidas especiais de crédito e cobertura de perdas por meio do seguro rural.

A ação do Ministério da Agricultura contrasta, mais uma vez, com os padrões observados em outras áreas da administração federal. Lentidão, desarticulação, ineficiência e até erros desastrosos marcaram – para citar só alguns dos eventos mais conhecidos – o enfrentamento da pandemia de covid-19 e o socorro às populações atingidas por enchentes neste verão. No caso da pandemia, pode-se falar de uma coleção de erros, omissões e desastres. Dificilmente será esquecido, por exemplo, o episódio dos pacientes morrendo em Manaus sem oxigênio, no começo do ano passado, enquanto o Ministério da Saúde preparava a distribuição de material para um ineficiente “tratamento precoce”.

A próxima estimativa da safra de grãos e oleaginosas deverá mostrar, quase certamente, um quadro menos favorável que aquele indicado pelo levantamento de dezembro. Segundo esse levantamento, divulgado há poucos dias, a produção dessas lavouras deverá atingir 284,4 milhões de toneladas, superando em 12,5% a obtida na temporada anterior. Com 140,5 milhões de toneladas, a soja deve manter-se como o principal produto, mesmo com redução de 2,3% em relação à colheita da safra 2020/2021. A produção de milho, a segunda maior, foi prevista em 112,9 milhões de toneladas, incluídos os três plantios anuais.

Com a seca, o balanço definitivo poderá apontar números menores, embora as perdas do verão possam ser pelo menos parcialmente compensadas, ainda em 2022, com os plantios seguintes do milho e de alguns outros produtos.

A ministra Tereza Cristina deverá esforçar-se para garantir a compensação, nas lavouras com mais de um plantio, das perdas causadas pela seca. Talvez tenha de batalhar para obter recursos adicionais, disputando verbas orçamentárias até com parlamentares do Centrão apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. A obtenção do dinheiro poderá depender do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, elevado pelo presidente ao posto de supervisor da execução orçamentária, acima, portanto, do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Convém torcer pelo êxito da ministra Tereza Cristina. A agropecuária, no Brasil, é especialmente relevante por três circunstâncias: 1) a alimentação tem grande peso no orçamento dos consumidores, bem maior que em países de renda familiar mais alta; 2) o campo garante uma parcela muito importante das exportações; e 3) as lavouras e as criações têm sido precioso fator de sustentação da economia, num cenário de retrocesso industrial. Falta conferir se o presidente Jair Bolsonaro chegará a entender esses pontos.

Discussão imprópria e inoportuna

O Estado de S. Paulo.

Governo retoma debate sobre lei orgânica para policiais militares em ano eleitoral para conter declinante apoio da categoria a Bolsonaro

Em sua busca desesperada por votos, Jair Bolsonaro dobrou a aposta na distribuição de benefícios a seus apoiadores. Depois de prometer um reajuste para membros da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Departamento Penitenciário Nacional em plena crise, o presidente quer agora aprovar um projeto de lei que beneficia policiais militares (PMS) e bombeiros estaduais, maior contingente de segurança pública do País, com quase 462 mil agentes na ativa, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Tratada como prioridade pela bancada da bala, a Lei Orgânica das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros foi apresentada pelo Executivo em 2001. Durante quase 21 anos praticamente não avançou na Câmara, até que ressuscitou na Casa no fim de 2019. O relatório do deputado Capitão Augusto (PL-SP), antecipado pelo Estado, mostra as reais intenções da base bolsonarista com a proposta.

O parecer permite retorno aos quadros das forças de segurança daqueles que se tornaram parlamentares caso não consigam se reeleger – inclusive os congressistas atuais. Hoje, segundo a Constituição, eles passam imediatamente para a reserva quando assumem um cargo eletivo e não podem voltar à ativa. Além disso, o texto chega ao cúmulo de garantir a nomeação e promoção para investigados pela Justiça e até para os que se tornaram réus. Segundo o relator, o item foi incluído no projeto sob o argumento de que a Constituição garante o princípio da presunção de inocência.

No início de dezembro, quando a Câmara aprovou requerimento de urgência do projeto, recurso que permite a votação do texto diretamente em plenário sem passar pelas comissões, o líder do PSL na Câmara, Major Vitor Hugo (GO), disse que a proposta contava com o aval de várias entidades, do Ministério da Justiça e das Forças Armadas. “Nesse sentido, o governo Bolsonaro também é a favor”, afirmou. Faltou consultar os Estados, a quem essas forças de segurança são subordinadas. O relator cogitou até incluir tempo de mandato e lista tríplice para os comandantes-gerais da PM nos Estados, hoje livremente escolhidos pelos governadores, mas recuou.

Dificilmente uma proposta dessa natureza será aprovada pelos deputados em um ano eleitoral. Mesmo que ela avance na Câmara, deve parar no Senado, onde os governadores têm mais influência. Pode-se discutir se o decreto-lei de 1969 que rege as forças de segurança deve passar por revisões, e há quem seja a favor de uma atualização. Mas certamente o momento para isso não é o ano de 2022, quando a única prioridade do presidente é distribuir benesses a seguidores para tentar se reeleger.

Em setembro, o governo já havia lançado o Habite Seguro, que criou condições mais vantajosas para financiar a compra de imóveis por profissionais da segurança pública em todo o País. Até agora, no entanto, apenas 274 contratos foram fechados e somente 665 estavam em análise nas agências da Caixa. Insatisfeita, a categoria já manifestou disposição para conversar com outros pré-candidatos ao Palácio do Planalto. A retomada das discussões da lei orgânica se insere nesse contexto em que Bolsonaro tenta evitar a perda do apoio de uma classe que sempre lhe foi fiel.

Na volta das férias, após concordar com a reserva de R$ 1,7 bilhão em recursos do Orçamento para o reajuste das carreiras policiais, o cada vez mais esvaziado ministro da Economia, Paulo Guedes, alertou Bolsonaro que contemplar apenas as forças de segurança vai elevar a pressão das demais categorias, que já entregaram cargos de confiança e realizaram operação-padrão em portos e fronteiras. O Supremo Tribunal Federal (STF) teria mandado o recado de que poderá obrigar o governo a conceder aumento para todos os servidores, caso seja acionado. Na equipe econômica, já há avaliação de que a promessa foi um erro e deflagrou uma briga política com outros funcionários públicos, que preparam paralisações e não descartam greves. Só quem não reconhece isso e renova essa estratégia autodestrutiva é o candidato Jair Bolsonaro.

Barreiras para ampliar o saldo da balança comercial

Valor Econômico

Nada indica que o governo vai buscar criar condições para uma evolução mais sustentável do comércio exterior

Uma das raras frentes em que a economia brasileira está indo bem, a do comércio exterior, deve frustrar as expectativas otimistas do governo neste ano. A previsão do Ministério da Economia de que o saldo da balança comercial supere o recorde de US$ 61,2 bilhões do ano passado não parece plausível. O Ministério conta com avanço de 30,1% para US$ 79,4 bilhões neste ano. Na melhor das hipóteses há quem espere resultado semelhante ao de 2021, ao redor de US$ 62 bilhões, como o Banco Itaú. A previsão mediana apurada pelo Boletim Focus está em US$ 56 bilhões; e há quem fale em bem menos, como os US$ 35 bilhões do BTG Pactual e os US$ 34,5 bilhões da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

O cenário nebuloso para a economia global justifica a divergência de estimativas. Uma das principais incógnitas é a evolução da pandemia, especialmente após o surgimento da variante ômicron, que está pondo em risco não só vidas humanas, mas também a recuperação do nível de atividades. A reação econômica verificada em boa parte do mundo no ano passado estimulou o comércio e puxou os preços internacionais.

E foi exatamente o aumento dos preços das commodities que explicou o recorde do saldo comercial brasileiro, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). O Indicador de Comércio Exterior (Icomex), calculado pela FGV, mostrou que os preços dos produtos exportados pelo Brasil subiram 29,3%, enquanto o volume aumentou apenas 3,2%. Já nas importações, o volume cresceu 21,9%, e os preços, 13,1%. Apenas soja, minério de ferro e óleo bruto de petróleo representaram 40% do total das exportações do país, em comparação com 35% em 2020, dando argumento aos críticos da “primarização” da economia brasileiras. As commodities como um todo tiveram participação de 67,7% nas exportações totais, com aumento de 38,9% em valor, que compensou o recuo de 1,8% em volume. As exportações dos demais produtos cresceram 28,1%, resultado do aumento dos preços em 12,4% e do volume em 13,5%.

Ao apostar em novo recorde comercial, o Ministério da Economia conta com uma supersafra de grãos. Mas a instabilidade climática deste início de ano põe em dúvida essa previsão depois que chuvas pesadas na Bahia, Mato Grosso e Minas e estiagem na região Sul causaram perdas.

A questão climática também vai influenciar o comércio exterior pelo lado da demanda. A crise hídrica pesou negativamente na balança do ano passado ao aumentar a importação de gás natural para termelétricas, item que registrou alta de 298%. Há ainda a questão do câmbio, que deve continuar pressionado com o período eleitoral, favorecendo as exportações, como já ocorreu neste ano.

Do lado da demanda, a perspectiva é que a economia global deve crescer menos do que no ano passado. Relatório do Banco Mundial divulgado na semana passada projeta desaceleração da China, Estados Unidos e da zona do euro (Valor 14/1). Para China, a projeção é de crescimento de 5,1% neste ano, após os 8,1% de 2021. Além da pandemia, o ritmo será determinado pela elevação dos juros e desmontagem da política de estímulos monetários, em resposta à alta da inflação.

O cenário favorece as políticas protecionistas, que já haviam sido reforçadas pela pandemia e a respeito das quais o governo de Jair Bolsonaro revelou falta de habilidade diplomática ou desinteresse para lidar. Mesmo quando Donald Trump era presidente dos EUA, o governo de Bolsonaro não soube tirar proveito do alinhamento demonstrado com Washington para ficar de fora das ações protecionistas americanas. Há muito menos chance de isso ocorrer agora com Joe Biden, que manteve o incentivo às compras no mercado doméstico.

Do lado da União Europeia, há a expectativa com os desdobramentos no comércio exterior da COP26. Os ambientalistas defendem a proibição de compra de produtos provenientes de áreas de desmatamento ilegal e definiram metas que vão influenciar as matrizes energéticas. No âmbito da América do Sul, não houve praticamente avanço no Mercosul e as relações com a Argentina continuam frias. Bolsonaro e seus filhos pararam de criticar Pequim - ao menos por enquanto. A China segue como principal parceira comercial do país, absorvendo 32% das exportações e respondendo por 21% das importações.

Nada indica que o governo vai buscar superar esses entraves para criar condições para uma evolução mais sustentável do comércio exterior, especialmente neste ano em que Brasília demonstra estar, mais do que nunca, interessada apenas nas eleições.

 

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