sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

O que pensa a mídia: Editoriais /Opiniões

EDITORIAIS

Comportamento do Telegram é um deboche das leis

O Globo

O aplicativo de mensagens Telegram traz um desafio para as autoridades eleitorais no combate à desinformação. Criado por russos, gerido por uma empresa com sede em Dubai, ele não impõe limite ao envio de mensagens, não tem políticas de moderação dignas do nome, nem representação jurídica ou endereço no Brasil. Pior: não se dá ao trabalho nem de responder às tentativas de notificação feitas pela Justiça Eleitoral brasileira desde 2018. Presente em 53% dos celulares brasileiros, o Telegram se comporta como se estivesse acima das leis. É um deboche.

Está, portanto, certo o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quando levanta a possibilidade de suspensão ou proibição do uso do aplicativo no país. Se é verdade que isso representa uma restrição à liberdade dos usuários, vários outros aplicativos podem cumprir a mesma função, sobretudo o popular WhatsApp. E qualquer outro caminho poderia se revelar irresponsável. Corresponderia a dar sinal verde para que a desinformação influencie sem limite a campanha presidencial deste ano. Seria inaceitável.

Após o desastre das eleições de 2018, quando fake news foram compartilhadas sem controle e influenciaram milhões de eleitores, o TSE passou a dar mais atenção aos aplicativos de mensagens. O WhatsApp, o mais popular, mantém contato com as autoridades eleitorais e, nem sempre de forma satisfatória, tem ao menos procurado seguir as diretrizes cujo objetivo é limitar o uso dos aplicativos para a disseminação de conteúdos em massa e a desinformação.

Em virtude de uma visão libertária da comunicação levada às últimas consequências, o Telegram se tornou uma ameaça não apenas à democracia. Foi o principal meio usado pelos terroristas do Estado Islâmico para aliciar novos recrutas. Uma investigação feita no ano passado pelo grupo Cyberint e pelo jornal britânico The Financial Times mostrou que o aplicativo “explodiu como um polo para criminosos venderem, comprarem e compartilharem dados roubados e ferramentas de invasão”. China e Índia estão entre os pelo menos 11 países que já o bloquearam. Na Alemanha, onde o Telegram tem se negado a colaborar em investigações sobre ameaças de morte a uma política, está sob o risco de ser banido.

Interessado em abrir o capital, o Telegram captou mais de US$ 1 bilhão junto a investidores no ano passado. Entre eles, a Mubadala Investment Company, fundo soberano dos Emirados. É possível que esses investidores comecem a refazer as contas sobre as estimativas de retorno futuro, levando em consideração a eventual suspensão ou banimento de vários mercados, em especial o brasileiro.

O tempo para Pavel Durov, fundador do Telegram, começar a cooperar com o TSE está se esgotando. Se as diretrizes das autoridades não forem adotadas com rapidez e presteza, se ele não responder às intimações e continuar a desdenhar suas responsabilidades, o melhor seria a Justiça proibir o Telegram antes do início da campanha eleitoral, até pelo menos os resultados estarem consolidados. Fará falta a poucos, e ela será sobejamente compensada pelo ganho na qualidade de informação recebida pelo eleitor.

Aprovação da CoronaVac tem tudo para acelerar vacinação das crianças

O Globo

Foi providencial a aprovação ontem, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), da vacina CoronaVac para crianças e adolescentes. Embora o pedido feito há cerca de um mês pelo Instituto Butantan fosse para maiores de 3 anos, a agência autorizou o uso dos 6 aos 17 anos, sob o argumento de que faltavam informações sobre a efetividade da vacinação nos mais novos. A CoronaVac para crianças já é usada com êxito em países como China, Chile, Equador e Indonésia.

Espanta que, diante da necessidade premente de imunizar as crianças, não tenha havido maior pressão pela aprovação da CoronaVac. Pelo menos, desta vez também não houve a campanha descabida do movimento antivacina que tentou barrar a vacina infantil da Pfizer. Espera-se que continue assim. Naquela ocasião, o presidente Jair Bolsonaro ameaçou divulgar o nome dos técnicos da Anvisa que haviam autorizado a vacinação infantil. Diretores da agência receberam ofensas e ameaças anônimas pela decisão. Um absurdo.

A aprovação de uma segunda vacina para as crianças tem tudo para tirar o atraso na imunização dessa faixa etária. Para fazer coro com Bolsonaro, crítico da vacinação infantil, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, criou uma série de obstáculos que postergaram o início da aplicação das doses. Inventou uma absurda consulta pública para discutir a vacinação, algo que nunca houve no SUS. Depois, também mimetizando Bolsonaro, passou a defender receita médica para vacinar as crianças — bobagem que acabou derrubada pela própria consulta pública. Na maior parte dos estados, a vacinação infantil começou na última segunda-feira, um mês depois da autorização dada pela Anvisa.

A CoronaVac traz uma vantagem óbvia sobre a vacina da Pfizer: é fabricada aqui e já está pronta — a vacina é idêntica à aplicada nos adultos. Na quarta-feira, o diretor do Butantan, Dimas Covas, disse que o instituto reservou 15 milhões de doses para a vacinação infantil. No caso da Pfizer, a quantidade comprada pelo Ministério da Saúde ainda é insuficiente para todas as crianças de 5 a 11 anos. Neste mês o país deverá receber apenas 4,3 milhões de doses. Até o fim de março, serão 20 milhões, que cobrem apenas metade da demanda, já que a vacina é aplicada em duas doses.

Espera-se que o Ministério da Saúde não demore mais um mês para levar a CoronaVac às crianças. E que os ataques de Bolsonaro à vacina chinesa tenham ficado para trás. Na segunda-feira, Queiroga disse que compraria a CoronaVac caso fosse aprovada pela Anvisa. É hora de cumprir a promessa e incorporá-la logo ao Programa Nacional de Imunizações (PNI).

Pesquisas de opinião têm demonstrado alta adesão da população à vacinação infantil, apesar da campanha negacionista do governo. Pesquisa Datafolha divulgada no dia 17 mostra que 79% dos brasileiros apoiam a imunização de crianças. Com doses de vacina disponíveis e a disposição dos pais para levar os filhos aos postos, não há por que a campanha não deslanchar. É só o Ministério da Saúde não atrapalhar.

O Brasil ficou menos atraente para o capital

O Estado de S. Paulo.

O investimento direto ainda cobre as necessidades das contas externas, mas o fluxo diminuiu no período de Jair Bolsonaro

Importantes para o crescimento econômico e para o avanço tecnológico, investimentos diretos diminuíram no começo da pandemia e voltaram a crescer em todo o mundo, no ano passado, segundo relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). No Brasil, o fluxo mais que dobrou entre 2020 e 2021, passando de US$ 28 bilhões para US$ 58 bilhões, de acordo com esse levantamento, mas sem retomar o padrão de 2019, quando o valor atingiu US$ 65 bilhões. O fluxo mundial passou de US$ 929 bilhões para US$ 1,65 trilhão, superando o total anterior à crise sanitária. O investimento direto, destinado à compra de ativos empresariais ou à ampliação da capacidade produtiva, é menos especulativo e menos volátil que aquele voltado para o mercado de títulos e, portanto, especialmente benéfico para a economia.

Os números oficiais brasileiros, publicados pelo Banco Central (BC), são diferentes daqueles citados pela Unctad, mas também mostram uma recuperação incompleta, em aparente harmonia com um quadro de economia vacilante, inflação crescente e muito ruído político. Chegaram a US$ 51,48 bilhões, nos 12 meses até novembro de 2021, os investimentos diretos absorvidos pelo Brasil, em termos líquidos, segundo o último informe do BC. No ano-calendário de 2020 o fluxo havia atingido US$ 39,51 bilhões. Entre janeiro e dezembro de 2019, US$ 69,17 bilhões. No resto desse ano, os valores acumulados em 12 meses foram sempre superiores a US$ 70 bilhões.

O último ano de firme expansão dos investimentos diretos foi 2018, quando entraram US$ 78,16 bilhões, 4,08% do Produto Interno Bruto (PIB). A partir de 2019, os valores acumulados foram geralmente inferiores a 4% do PIB. Com oscilações, as somas em dólares declinaram nos últimos três anos. Mas, apesar da pandemia, os totais acumulados em 12 meses foram sempre maiores, entre janeiro e outubro de 2020, do que aqueles contabilizados até outubro de 2021.

O Brasil obviamente se tornou menos atrativo para o investidor estrangeiro durante o mandato do presidente Jair Bolsonaro. A recuperação parcial do fluxo, depois da primeira onda de pandemia, de nenhum modo contraria essa percepção, mesmo tendo o País passado da oitava para a sétima posição entre os destinos do investimento direto, segundo a Unctad.

Pelo tamanho de sua economia, pela presença já muito grande do capital estrangeiro e por suas possibilidades, o Brasil continua sendo um polo de interesse para o investidor de fora. Mas sua atração é bem menor do que foi em outros tempos, como indicou a pesquisa anual CEO Survey da empresa de consultoria e auditoria PwC.

Nessa pesquisa, realizada com cerca de 4.500 executivos de todo o mundo, o Brasil ficou na pior posição em muitos anos. Segundo o relatório, o dirigente de um fundo com aplicações superiores a US$ 100 bilhões na América Latina teria declarado a intenção de evitar qualquer aplicação no Brasil enquanto estiver no poder o presidente Jair Bolsonaro. Não seria esse um caso isolado. Em 2013 o Brasil esteve em terceiro lugar na agenda das grandes empresas internacionais. Sua posição piorou na crise do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Houve uma recuperação parcial depois da eleição de 2018, mas essa melhora já se perdeu.

Apesar do recuo do capital estrangeiro, o Brasil tem recebido investimento direto muito mais que suficiente para cobrir seu déficit em transações correntes, estimado em US$ 30,84 bilhões nos 12 meses até novembro. O superávit no comércio de mercadorias, garantido pelo agronegócio e pelo setor mineral, tem permitido manter em nível seguro o déficit das transações correntes. O País tinha em novembro US$ 367,77 bilhões de reservas, um volume confortável. Como explicar, então, a instabilidade cambial e o dólar supervalorizado? A resposta, bem conhecida, está na insegurança dos aplicadores financeiros, diante dos desmandos e das omissões do presidente Bolsonaro. Dólar caro e retração do investidor direto formam parte do custo do desgoverno instalado em Brasília.

Negligência ante a mudança climática

O Estado de S. Paulo.

Enquanto as três esferas de governo não derem importância às mudanças no clima, populações inteiras seguirão sofrendo

É a lei natural: o verão é uma estação chuvosa em países tropicais como o Brasil. Antinaturais são as ações humanas que têm tornado as chuvas cada vez mais “atípicas”, para usar uma designação dos especialistas em clima, com consequências dramáticas para a população.

Entra ano, sai ano, os únicos elementos que mudam no mosaico de nossas tragédias anunciadas são as localidades afetadas pelo volume das chuvas e a intensidade dos danos. Às vezes, nem isso. Perene é a incapacidade de administradores públicos, nas três esferas de governo, de compreender a ameaça das mudanças climáticas e agir para freá-las e mitigar seus efeitos.

Ainda falta um mês e meio para o fim da estação chuvosa, mas o Rio Tocantins

já registra uma cheia histórica, que desalojou 3,4 mil famílias em Marabá (PA). As chuvas atípicas também deixaram submersos os bairros de 175 municípios da Bahia, causando a morte de mais de 20 pessoas. Cerca de 350 prefeituras de Minas Gerais decretaram estado de emergência. Estradas ficaram intransitáveis por dias em decorrência das enxurradas no Estado, isolando comunidades e dificultando a prestação de socorro. Deslizamentos de terra destruíram parte do patrimônio histórico em Ouro Preto. Já nas Regiões Sul e Centro-Oeste, a seca e uma onda de calor arrasaram lavouras e causaram prejuízos da ordem de R$ 45 bilhões para o agronegócio. Soja e milho, principais grãos da pauta de exportações do País, foram as culturas mais afetadas.

Neste início de 2022, o País registra o maior número de desabrigados e de decretos de emergência por chuvas dos últimos cinco anos. Até o momento, são mais de 60 mil pessoas desabrigadas e cerca de 1,3 mil decretos de emergência, segundo um levantamento feito pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), ao qual o Estado teve acesso, com base nos dados reportados pelas prefeituras ao Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil entre os dias 1.º de outubro do ano passado e 17 de janeiro deste ano. Além dos desabrigados, ou seja, dos que perderam o teto, há os que estão desalojados, que buscam abrigo na casa de parentes e amigos. Estes, segundo a CNM, somam 226.786 pessoas.

Esses tristes recordes tendem a ser batidos ano após ano caso as cidades brasileiras continuem despreparadas para lidar com fenômenos climáticos cada vez mais intensos. Alertas não faltam. Ninguém de boa-fé pode alegar surpresa. “Há dez anos, falávamos em possibilidades. Hoje falamos da realidade das mudanças climáticas”, disse ao Estado o professor Pedro Luiz Côrtes, do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP). De fato, a ciência tem feito a sua parte há décadas. Universidades e órgãos como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) produzem dados aos borbotões para ajudar governos a se anteciparem aos acidentes.

Mas essas informações, na maioria dos casos, são negligenciadas pelos gestores públicos. “As áreas de risco chamam a atenção agora. Mas e quando parar de chover?”, questiona Côrtes. Uma longa história de descaso corrobora a dúvida do professor.

Há três deficiências fundamentais que tornam o Brasil tão vulnerável aos desastres causados não pelo clima, mas pelo despreparo das autoridades para lidar com as mudanças climáticas. O primeiro é a negação do problema. Há quem pense que a natureza “é assim mesmo” e nada há a fazer, a não ser remediar. Outro problema, em boa medida decorrente do primeiro, é o desprezo pelos dados ou, em uma interpretação mais benevolente, a subutilização das informações produzidas pela ciência. Mas nenhum deles é tão danoso quanto a falta de coordenação federal na formulação e implementação de medidas para deter o avanço das mudanças climáticas.

Jair Bolsonaro é um inimigo das boas causas do País. É o presidente que cortou recursos para a Defesa Civil no Orçamento de 2022 para financiar suas prioridades antirrepublicanas. É o presidente que afirma que “a Floresta Amazônica não pega fogo porque é úmida”. O que esperar de alguém que pensa assim? Resta torcer para que o País volte a ter um presidente que dê à proteção do meio ambiente a atenção que o tema requer.

Biden impopular

Folha de S. Paulo

Democrata completa um ano de mandato em meio a crises e fortalecimento de Trump

Não é comum um presidente eleito por maciça votação popular terminar o primeiro ano do mandato desaprovado pela maioria dos cidadãos. Na estável democracia dos Estados Unidos, tanto menos.

Desde a administração de Harry Truman (1945-53), até a qual chegam as pesquisas de popularidade mais comparáveis naquele país, o fenômeno só ocorreu duas vezes: com Donald Trump (2017-2021) e agora com seu sucessor, Joe Biden.

A manifestação precoce da impopularidade apenas nos dois mandatários mais recentes talvez não seja uma coincidência. Pode representar a contraface de haver agora um território bem mais pedregoso que os anteriores para o exercício da Presidência norte-americana.

A despeito dessas hipóteses mais estruturais, o fato é que a gestão do democrata Joe Biden aniversaria em meio a crises simultâneas.

O controle da pandemia, uma de suas promessas mais salientes na campanha de 2020, acabou sabotado pela fatia relevante de cidadãos que se recusa a tomar vacina.

Mesmo tendo saído muito na frente da maioria dos países e dispondo de doses em abundância, os EUA mal conseguiram ultrapassar a marca de 60% da população protegida. O Brasil, que começou tarde e com carência de imunizantes, está se aproximando de 70%.

O plano do democrata para estimular vacinação nas maiores empresas foi derrubado na Suprema Corte. Com quase dois anos de pandemia, o país registra pouco menos de 2.000 mortes por dia.

Na economia, Joe Biden prossegue com a sua maior tacada, um plano de US$ 2 trilhões em investimentos em infraestrutura, equidade social e sustentabilidade ambiental, travado no Congresso por desavenças em seu próprio partido.

Enquanto isso, a inflação ao consumidor atingiu 7% em 2021, uma alta do custo de vida que não ocorria na pátria do dólar havia quatro décadas. Não está certo o arrefecimento da carestia, apesar da promessa de um ciclo de restrição de crédito pelo Fed, o banco central.

Como se não bastassem os temas domésticos, Biden enfrenta ainda uma dificílima costura geopolítica com seus parceiros europeus diante de uma cada vez mais provável agressão militar russa à Ucrânia.

O prospecto para os democratas, que enfrentam eleições legislativas em novembro, não é bom. Não será surpresa se uma onda republicana, sob o comando de Trump, tirar da agremiação de Biden os comandos da Câmara e do Senado.

O populismo autoritário do ex-presidente, derrotado há pouco mais de um ano, recuperou-se e está à espreita. O exemplo dos EUA mostra que, tão importante quanto derrotá-lo nas urnas é governar bem, para não dar oportunidade a seu fortalecimento e seu retorno.

Vexame encoberto

Folha de S. Paulo

Sigilo de cem anos agrega infâmia a processo do Exército que absolveu Pazuello

A decisão de manter por cem anos o sigilo do processo interno do Exército que absolveu o general Eduardo Pazuello de participação em atos político-partidários, rejeitando a demanda desta Folha por acesso ao documento, agrega infâmia a um episódio degradante.

Como é público e notório, em 23 de maio de 2021, ao fim de um desfile de motociclistas capitaneado por Jair Bolsonaro no Rio, o ex-ministro da Saúde subiu num palanque ao lado do presidente para saudar os militantes ali aglomerados.

Pazuello justificou a insubordinação com uma desculpa esfarrapada. A manifestação não teria caráter partidário, dada a circunstância de que o mandatário, à época, não estava filiado a nenhuma sigla.

Os fatos dispensam interpretações. O oficial inequivocamente violou o Regulamento Disciplinar do Exército decretado em 2002, o qual estabelece expressamente entre as transgressões o ato de "manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária".

Contrariando todas as evidências, porém, o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, decidiu não aplicar nenhuma punição a Pazuello.

Fez-se mais, contudo, com a imposição de sigilo de cem anos sobre o processo, sob a alegação de se tratar de informações pessoais. Ora, o que haveria de pessoal num processo disciplinar concernente a um servidor do Estado acerca de suas ações na esfera pública?

Invocando a Lei de Acesso à Informação, este jornal tentou ter acesso ao documento por duas vezes —ambas negadas pelo Exército.

Recorreu-se então à Controladoria-Geral da União, que atendeu parcialmente o pedido, e depois à Comissão Mista de Reavaliações de Informações, a derradeira instância administrativa para pedidos dessa natureza, que nesta semana rejeitou a solicitação.

Em sua resposta, o órgão afirmou que a divulgação dos documentos representaria risco aos princípios da hierarquia e da disciplina no Exército. Trata-se de pretexto que inverte os fatos.

Tais princípios já foram maculados, e um grave precedente, aberto com a decisão da Força de não punir um oficial que abertamente afrontou o seu regulamento.

Com a absolvição agora encoberta pelo manto do sigilo, os atores que protagonizaram o vexame seguem livres para persistir em suas fanfarronices antidemocráticas.

China quer estabilizar a economia e limitar retração

Valor Econômico

China volta ao ponto de partida e encara um revés provisório nas mudanças de paradigma de sua economia

A China começou a usar seu conhecido arsenal de medidas para estancar a desaceleração e estabilizar a economia - que parece ser agora a divisa da burocracia e dos líderes do Partido Comunista chinês. As ondas de choque no setor imobiliário, com a quebra da Evergrande, segunda maior imobiliária do país, aliadas à queda do consumo, derrubaram o PIB para 4% ao ano no último trimestre de 2021. O crédito começou a ser relaxado e as taxas de juros tiveram uma pequena redução, mais como sinal de que novas virão de acordo com a necessidade. A reação chinesa escorou as moedas emergentes de países exportadores de commodities, como o Brasil, nos últimos dias, em contraponto à pressão altista do dólar diante da iminência do ciclo de alta de juros nos Estados Unidos.

Dirigentes do governo em conferência econômica em dezembro resumiram o que está por vir: uma “política monetária prudente”, mas “flexível e com liquidez adequada” e uma “política fiscal proativa”, mas “dirigida e sustentável”. Orientação semelhante foi tomada diante de crises anteriores que tinham, como a falência da Evergrande mostrou, a mesma origem: bolhas de crédito, em boa parte concentradas no mercado imobiliário. O governo chinês, ao se defrontar com os custos de estourá-las, recuou depois que os danos à economia começaram a aparecer e recorreram ao crédito, juros menores e liquidez ampla para retomar um equilíbrio que sabe ser instável.

Estima-se que o setor imobiliário componha de 25% a 30% do PIB chinês (US$ 17,3 trilhões) e teve um peso importante no rápido crescimento do país por anos a fio. Seu enfraquecimento está derrubando a economia. As novas construções, por exemplo, caíram 29,8% em 2021 e os investimentos imobiliários, 13,9% no ano passado, enquanto que as vendas de imóveis encolheram 19,9%. Como consequência, os investimentos em ativo fixo caíram 1% no terceiro trimestre e 1,1% no quarto, ao contrário da expansão exuberante da década passada.

A desaceleração rápida do setor imobiliário não é o único problema a preocupar o PCC. A ômicron desafiou o governo a utilizar sua tática de aniquilar com todas as possibilidades de transmissão do vírus, com lockdowns massivos em grandes cidades, com fechamento de fábricas, paralisação de portos e mobilidade zero. O vírus entrou em Pequim e aproxima-se o ano novo lunar, em 1 de fevereiro (começa o Ano do Tigre), e os chineses se deslocam em massa pelo país. Centenas de milhares foram impedidos de voltar para casa quando o coronavírus estreou na China em 2020. Os esforços atuais estão reduzindo as atividades econômicas.

Ontem, pela primeira vez em dois anos, a taxa de financiamento de imóveis foi reduzida, e a prime rate de 5 anos foi de 4,65% para 4,6% e a taxa de 1 ano, de 3,8% para 3,7%, sinalizando para onde o BC chinês se moverá, após reduzir os compulsórios várias vezes em 2021. A queda da inflação (o núcleo foi de 1,2% no ano passado) não só permite como incentiva a redução, caso contrário a taxa real subiria, contra os objetivos do BC. O financiamento social total, medida mais ampla do crédito, fechou o ano com expansão de 10,3%. Os investimentos em infraestrutura serão acelerados para sustentar a economia e, nessa tarefa, conta com a ajuda dos investimentos industriais, que cresceram 11% no quarto trimestre.

A produção industrial mantém-se forte pelo avanço decisivo das exportações que, com o decréscimo das importações, fizeram a China bater novo saldo comercial recorde, de US$ 676 bilhões. Ainda que as exportações sejam 20% do PIB, sua expansão nessa circunstância impede demissões na indústria, que ocorreriam diante de uma retração na demanda doméstica. O consumo das famílias recuou para 7% no quarto trimestre e a renda real disponível, para 3,9%.

Assim, ao privilegiar investimentos e exportações a China volta ao ponto de partida e encara um revés provisório nas mudanças de paradigma de sua economia. O crescimento dos salários são menores que o PIB (Michael Pettis, FT, 17 de janeiro). O consumo e o mercado doméstico, elementos vitais da “circulação dual” e da “prosperidade comum” são preteridos novamente porque a China ainda não conseguiu por ordem no excessivo endividamento (a relação dívida-PIB do país subiu a 330%). Equilibrar a economia chinesa é uma tarefa de anos que, se conseguida, reduzirá as taxas de crescimento para perto de onde elas estão hoje.

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