segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Sergio Lamucci: Covid e cenário para juro nos EUA elevam incerteza

Valor Econômico

Fed mais duro e avanço da ômicron tornam o quadro para o Brasil em 2022 mais complicado

As perspectivas para a economia brasileira no começo de 2022 tornaram-se um pouco mais complicadas. Com o avanço da ômicron, está em curso um aumento expressivo do número de casos de covid-19 no país, o que deverá ter algum efeito sobre a atividade econômica no primeiro trimestre, ainda que limitado. Além disso, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) indicou na semana passada que vai elevar os juros antes do que a maior parte dos analistas esperava. É uma notícia desfavorável para países emergentes como o Brasil, colocando pressão sobre as moedas desses países.

Por enquanto, esses dois aspectos ainda não provocaram revisões nas estimativas de crescimento para o ano, mas são dois pontos que apontam para um cenário mais complexo para o país. A expectativa dominante já era de uma economia fraca em 2022, dada a combinação de inflação resistente, juros em alta e incertezas fiscais e políticas elevadas, num ano de eleições presidenciais. O consenso de mercado é de um crescimento de apenas 0,36%, com alguns analistas projetando contração do PIB na casa de 0,5%.

Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, a onda de contágio acelerado da ômicron deverá ter um “certo impacto” sobre a atividade, “especialmente em serviços que tendem a retomar com mais lentidão no primeiro trimestre”. Esse repique da pandemia ocorre num quadro de uma economia já enfraquecida, com inflação e juros mais elevados, o que pode ter o efeito “de manter o estado de estagnação”, afirma Vale. Ele ressalta que o resultado do PIB no quarto trimestre de 2021 pode ter sido negativo, considerando provável que “isso possa acontecer também no primeiro trimestre deste ano, especialmente por causa dos serviços.” No segundo e no terceiro trimestre do ano passado, o PIB já recuou em relação aos três meses anteriores.

Vale estima um crescimento de 4,5% em 2021 e de zero em 2022. No entanto, o peso adicional de um avanço mais forte da covid no começo do ano “pode levar o PIB para terreno negativo”, diz ele, explicando que a projeção de uma economia estável está muito atrelada aos juros altos e à incerteza eleitoral.

Em relatório sobre os impacto econômicos da ômicron, o Bank of America (BofA) afirma esperar um padrão de alta e queda abruptas de casos na maior parte dos países. O cenário-base da equipe do economista Ethan Harris é um choque de cerca de dois meses em cada região. Na visão do BofA, a evidência até o momento sugere que a fase aguda da ômicron deve durar cerca de metade da onda da variante delta. Na África do Sul, a delta levou 106 dias para fazer os casos subirem de 2 mil para 20 mil por dia e depois recuarem novamente para a casa de 2 mil. Extrapolando a tendência para a ômicron, essa trajetória tenderia a durar 60 dias. Por ser altamente transmissível, o BofA avalia que a nova onda atingirá os países em ondas sucessivas. A boa notícia é que a gravidade da doença causada pela ômicron parece bem menor do que a de uma variante como a delta, levando a um número mais baixo de hospitalizações e mortes, num momento em que fatias mais expressivas das populações estão vacinadas.

Nesse quadro, o maior impacto da nova onda sobre a economia global deve ser um choque curto e intenso na oferta de trabalho, afirmam os economistas do BofA. Segundo eles, é o que tem ocorrido nos EUA, onde o número de trabalhadores em quarentena pode atingir um pico de mais de quatro milhões. No âmbito global, o afastamento de funcionários do trabalho por causa da ômicron tende a provocar perturbações sucessivas em setores diferentes da economia, à medida que a variante passa a afetar com mais força as diferentes regiões do planeta, aponta o BofA. “Um ponto a se notar é que a ômicron ainda não se estabeleceu nos países asiáticos mais envolvidos nas cadeias globais de suprimento, caso de China, Japão, Coreia do Sul e as nações do ASEAN [bloco que reúne economias como Tailândia, Filipinas, Malásia, Indonésia, Vietnã e Camboja]”, observa o relatório do banco. “Isso significa que poderemos ver novas perturbações nas cadeias de oferta na primavera [no Hemisfério Norte], mesmo que o panorama para o sistema de saúde melhore significativamente nos EUA e na Europa.”

É um quadro que pode levar a um pouco menos crescimento e a um pouco mais de inflação. O efeito, porém, não deve ser muito forte, tanto pela menor gravidade dos casos provocados pela ômicron como pela expectativa de uma onda de menor duração. No Brasil, o aumento simultâneo dos casos de covid e de influenza tem afetado a mão de obra em alguns segmentos de serviços, como bares, restaurantes e companhias aéreas. Para Vale, a nova onda “deve causar impactos relativamente pequenos na economia”. Ele lembra que, no começo do ano passado, a segunda onda no Brasil foi muito mais agressiva, mas o efeito na atividade não foi tão forte. No caso de sua projeção para o PIB neste ano, de variação zero, isso pode ser suficiente para levar o número para o terreno negativo, ainda que os estragos não sejam grandes.

O avanço da vacinação no país é um trunfo importante, embora o governo de Jair Bolsonaro faça o possível para atrapalhar. O presidente busca sabotar e desacreditar a imunização de crianças, inventando obstáculos e difundindo informações falsas sobre o assunto. Além disso, não há dados precisos sobre a situação da covid-19 no país desde 10 de dezembro, quando houve um ataque cibernético aos sistemas do Ministério da Saúde. Até agora, a pasta não conseguiu normalizar a situação.

Nos primeiros dias do ano, mudou também o panorama para a política monetária dos EUA. A expectativa é que os juros americanos comecem a subir já em março e o Fed passe em seguida a reduzir o volume de ativos em seu balanço. Isso tende a elevar a aversão global ao risco, pressionando as moedas de países emergentes. É mais um fator a contribuir para a desvalorização do real, num cenário em que incertezas fiscais e políticas já mantêm a divisa brasileira muito mais depreciada do que o sugerido pela solidez das contas externas e pelo forte aumento da Selic, dificultando o combate à inflação. O Bradesco espera três altas de juros pelo Fed neste ano, a primeira delas em março, com a taxa subindo 0,25 ponto percentual por trimestre, até atingir 3% em 2023 - hoje, está entre zero e 0,25% ao ano. Como se vê, o fim da era do juro zero nos EUA está cada vez mais próximo, o que deve se traduzir num quadro global menos favorável para os emergentes ao longo deste ano e dos próximos.

 

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