quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Vinicius Torres Freire: Águas de março de inflação e eleição podem afogar Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Mercado acredita em mais carestia, alta de juros nos EUA pode afetar Brasil

A cada semana a guerra da inflação parece um pouco mais perdida para Jair Bolsonaro. Nesta quarta (26), foi divulgada a taxa do IPCA-15 de janeiro, que veio um tico acima da média esperada pelos povos dos mercados financeiros. Foi o bastante para montes de bancos, corretoras e consultorias elevarem seus chutes informados, previsões, para a inflação deste ano.

Antes de continuar: o IPCA-15 é a inflação medida de meados do mês passado, dezembro, no caso, a meados deste. O IPCA mensal, medida "oficial" de inflação para o consumidor, mede a inflação de um mês só, mês "cheio".

O problema vai bem além disso, de revisão pessimista das projeções da carestia, especialmente em termos políticos. Bolsonaro e o centrão estão ouriçados para aloprar, baixar impostos e fazer dívida extra de dezenas de bilhões de reais a fim de tentar baixar os preços de gasolina, diesel e a conta de luz (apenas tentar: nem isso pode dar certo). O tiro pode sair pela culatra, nas nossas fuças, porque um aumento de déficit pode ter efeito em taxas de juros e dar um sinal de que o governo pode tentar medidas ainda mais desesperadamente idiotas ou perigosas.

Como se não bastasse, em março começa de fato e no dinheiro a mudança da política monetária dos Estados Unidos (nas taxas de juros de lá). Em março também, o país das elites e do dinheiro começa a prestar atenção à campanha eleitoral. O Fed, o banco central americano, avisou nesta quarta que em março para de vez de comprar títulos públicos e privados (na prática, subsidia, reduz, as taxas de juros no mercado) e que passa a elevar sua taxa básica, que está perto de zero e, em termos reais, muitíssimo negativa. Em geral, não são boas notícias para o preço do dólar, quando não causa confusão maior (como ocorreu aqui em 2013).

Nas previsões para o ano, o IPCA seria de algo entre 5% e 6% (embora o banco Credit Suisse tenha elevado sua previsão para 6,2%). Deve ser, portanto, menor que os 10% de 2021. Mas, pelas estimativas de agora, a inflação anual (acumulada em 12 meses) deve ficar pela casa de 9% até junho e em 7% em setembro, véspera da eleição. Não vai dar para sentir o refresco, até porque os salários, na média, vão estar represados por causa da economia estagnada.

Pode ser pior, como sabemos: a safra de grãos não vai ser tão boa como se previa, o preço da carne vai ficar nas alturas, o preço do petróleo continua a subir. A inflação está ainda mais disseminada (há mais produtos e serviços ficando mais caros). A carestia nos serviços não está com cara boa e tende a aumentar (por causa da reabertura e reajustes de aluguéis e outros serviços com contratos de reajuste).

Não, não é uma disparada —por ora, a expectativa é de inflação menor, repita-se. O problema é a inflação caindo devagar em um ambiente inflamável, com eleição por aqui, alta de juros nos EUA e, para ajudar, tumulto político na Europa (a crise da Ucrânia).

Inflação, ainda mais inflação de comida, é veneno de popularidade. O que Bolsonaro vai aprontar?
Por ora, tem essa especulação de emenda constitucional para reduzir impostos sobre energia. Por vezes, essas bolhas de rumores inflam em meses de férias do Congresso, embora Bolsonaro venha falando disso faz meses. Mesmo que passe no Congresso, pode não tem impacto relevante em preços.

Dado o tamanho do estrago na popularidade do governo, por atrocidades várias, laborfobia, incompetência, genocídio e inflação, o que mais Bolsonaro vai querer inventar? O que pode fazer se, além de continuar impopular, vir debandada de aliados lá por março e abril?

 

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