sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro quer tumultuar combustíveis

Folha de S. Paulo

Ideia de zerar imposto é demagogia descarada ou tentativa de se fazer de vítima

Vamos supor que o Congresso aprove o mais recente capricho demagógico de Jair Bolsonaro e acabe com os impostos federais sobre a venda de combustíveis. Na melhor das hipóteses e "tudo mais constante", o preço da gasolina poderia cair uns 40 centavos. Dificilmente "tudo mais" vai ficar constante.

O preço pode ficar até mais salgado. Pode ser até que Bolsonaro ganhe uns pontinhos políticos sendo derrotado. Para alguns, talvez ficasse a imagem da vítima do sistema: "Não deixam o homem trabalhar".

Se o preço do barril do petróleo chegar à casa dos US$ 100 (está a US$ 88), os combustíveis ficarão ainda mais caros do que agora, mesmo sem imposto federal.

Não se sabe para o onde vai o dólar, que também define o preço de gasolina, diesel etc. Não se sabe quanto da redução de tributos vai desaparecer porque pode ser apropriada por empresas, sendo absorvida pelas margens das firmas envolvidas na cadeia de combustíveis.

Restaria então apenas um buraco de dezenas de bilhões de reais nas contas do governo, que seria tapado com aumento de impostos em outra parte, aumentando a zorra do sistema tributário, de resto dando uma mãozinha para pessoas que não são exatamente as mais pobres do país.

Como vai ser compensado o buraco? Quem vai pagar? O crédito vai ficar mais caro, por exemplo? Nem é possível imaginar, claro, que o governo vá cortar gastos para arrumar a nova bagunça que pretende fazer.

Além do mais, é outro indício de que Bolsonaro e seu comando político estão dispostos a fazer qualquer negócio a fim de evitar uma derrota ou eliminação ainda no primeiro turno da eleição.

Não se trata de dizer que medidas alopradas como essa possam com certeza render pontos nas pesquisas ou nas urnas. Podem ser até contraproducentes em termos eleitorais, no limite. No entanto, como deveríamos estar já bem acostumados a esta altura, no caso de Bolsonaro ou:

1) falta pragmatismo, solapado pela ignorância mais tosca, atroz ou jeca —essa gente dá tiros no próprio pé por burrice ou incompetência ou;

2) a ideia é mesmo causar apenas confusão, jogar para a galera das falanges bolsonaristas e manter uma tropa unida, imune à razão ou desapercebida, grupo que equivale hoje a um quarto do eleitorado, dizem as pesquisas. É o bastante para evitar um impeachment, chegar a um segundo turno e tentar tumultuar o ambiente o quanto possível.

Vai passar no Congresso? Difícil saber. Senadores e deputados estão de férias, literal ou metaforicamente viajando. Ao ouvir a pergunta do jornalista, alguns perguntam "de onde saiu isso?". No entorno da cúpula do centrão, porém, se diz que a ideia é essa mesma, aprovar uma emenda constitucional lá pelo fim de março, a fim de baixar preços de combustíveis e energia elétrica; que os parlamentares "não teriam coragem" de negar esse "benefício para o povo em tempos de inflação".

Faria algum sentido acabar com impostos sobre energia? Talvez. Não é possível saber sem perguntar "a troco de quê?". Depende. Quais impostos ficariam mais salgados? Qual o efeito sobre rendas e eficiência econômica? Quem pagaria o pato, no final das contas?

Nunca é uma resposta simples, em se tratando de impostos: quem recolhe o imposto não é quem fica com a conta. O efeito de um aumento de tributos aqui pode aparecer noutra parte da economia (a conta pode ser transferida, alguns negócios ou rendimentos que nada têm a ver com o imposto podem ser afetados, pode haver aumento de ineficiências e perdas gerais etc.).

Em resumo, não é assim que se faz. O que se passa agora é populismo descarado, direto e atroz, talvez apenas tentativa de criar tumulto e cortina de fumaça. É "Bolsonaro, zorra!".

 

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