terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Alvaro Gribel: Trégua não diminui o risco

O Globo

A entrada de recursos estrangeiros não é exclusividade do Brasil e pode mascarar riscos em momento de aumento de gastos em ano de eleições

A queda do dólar e a entrada de investidores estrangeiros na Bolsa brasileira neste início de ano podem levar o Congresso e o governo a uma interpretação equivocada. A de que o mercado financeiro não está preocupado com as propostas de subsídio dos combustíveis e os seus impactos sobre as contas públicas. O capital que chega ao país este ano é atraído pelo bom momento dos preços das commodities e pelo aumento da Taxa Selic, o que beneficia ações de bancos e instituições financeiras. O risco para o país é o Congresso se aproveitar dessa “trégua” dos investidores para ampliar ainda mais as despesas e pressionar a dívida.

O economista-chefe do banco digital Modalmais, Álvaro Bandeira, explica que, na visão do mercado financeiro, o ano eleitoral será de ampliação de gastos, independentemente da Bolsa e do câmbio. Por isso, há pouca reação negativa neste momento diante das PECs que circulam no Congresso. O Orçamento, explica, está nas mãos de políticos do centrão, que já deram demonstrações de que farão o que for preciso para ajudar na reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Ele acredita que essa piora do quadro fiscal já estava “na conta” dos investidores desde o ano passado, com a mudança na PEC dos Precatórios e seus efeitos sobre o teto de gastos.

— O Congresso vai gastar o que for preciso, independentemente da reação do mercado. Já tiraram o teto, já botaram o PIB lá em cima no Orçamento, o que aumenta a projeção de arrecadação. Então temos um quadro que é natural de certa forma no Brasil, que é na véspera de eleição se gastar mais —afirmou Bandeira.

Ontem a FGV divulgou o IGP-DI, com forte alta de 2,01% em janeiro, o que deixou a taxa em 12 meses em 16,71%. Ou seja, foi mais um indicador ruim de inflação neste início de ano, agora no atacado. Se por um lado a alta dos preços das commodities ajuda na valorização de empresas como a Vale e a Petrobras, por outro pressiona a inflação e leva o Banco Central a subir a Taxa Selic. Hoje o BC divulgará a Ata do Copom, e a preocupação fiscal também será motivo para justificar o aumento dos juros.

Na América do Sul, as bolsas de países exportadores de commodities também estão em alta este ano, como Argentina, Colômbia, Peru e Chile. A entrada de recursos estrangeiros não é exclusividade do Brasil e pode mascarar riscos em momento de aumento de gastos em ano de eleições. O vento dos mercados sempre pode mudar de direção rapidamente.

Maré alta

Segundo levantamento da Economática, das 10 ações mais valorizadas na Bolsa brasileira este ano, apenas uma não está ligada a commoditites ou ao setor financeiro. A própria B3 lidera a lista, com alta de 23%, seguida por Itaú Unibanco (21%), Bradesco (19%), Bradespar (18%) e PetroRio (16%). Petrobras e Vale também sobem 15%, impulsionadas pelo aumento do petróleo e do minério de ferro. Por setores, mineração, petróleo e gás e serviços financeiros são os segmentos com os maiores retornos no ano, diz Einar Rivero, gerente de Relacionamento Institucional da Economática.

Freio de mão

A indústria automotiva vive praticamente três choques que têm afetado a produção e as vendas. A pandemia continua dificultando o acesso a componentes eletrônicos para produção, os preços dos carros dispararam com essa restrição de oferta e, para completar, a Taxa Selic voltou aos dois dígitos. Para se ter uma ideia da importância dos juros para o setor, mais de 50% das vendas de veículos acontecem de forma financiada no Brasil, como mostra o gráfico. “E temos um ano de baixa previsão de crescimento do PIB”, explica o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, que aposta nas exportações para tentar amenizar o quadro.

 

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