O Globo
Na semana passada, o governo Bolsonaro
enviou sua lista de projetos prioritários para votações no Legislativo neste
ano. Além do homeschooling, que já aparecera em 2021, foi incluído na educação
um projeto da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) que estabelece o fim do
sistema de ciclos, popularizado por seus críticos como “aprovação automática”.
A justificativa que consta do projeto é uma peça exemplar
do bolsonarismo raiz: um conjunto de achismos sem base em qualquer evidência
científica.
A repetência é dos poucos temas na literatura acadêmica em que a conclusão é inequívoca: trata-se de péssima estratégia, pois o principal efeito é aumentar a probabilidade de evasão sem elevar a aprendizagem, como mostra a revisão de meta-análises (estudos mais robustos por agregar o resultado de um conjunto de pesquisas) feita por John Hattie no livro “Visible Learning”.
No início da década de 2000, políticos de
várias matizes elegeram a “aprovação automática” como vilã. O sistema, porém,
nunca foi majoritário. Em 2002, apenas 11% das escolas o utilizavam. Em
2007, estudo de Ocimar Alavarse mostrou que o desempenho de
alunos na Prova Brasil (exame oficial do MEC) nas redes que adotavam ciclos não
era diferente das demais. Em 2014, pesquisa de Reynaldo Fernandes, Luiz Scorzafave, Maria
Isabel Theodoro e Amaury Gremaud sobre o que aconteceu em sistemas que
adoram ciclos indicou que “o fluxo educacional melhorou no ensino fundamental
sem que se verificasse uma queda no desempenho dos estudantes pertencentes às
gerações beneficiadas por essas políticas”.
Constatar que os ciclos não prejudicaram a
aprendizagem não significa que tenham contribuído para alguma melhoria da
qualidade. O problema é muito mais complexo do que a simples adoção de um ou
outro sistema.
Essa forma de organização reapareceu na
legislação nacional em 1996, como opcional. Entre 1995 e 2019, a proporção de
crianças do 5º ano do fundamental com aprendizado adequado em matemática
aumentou de 19% para 52% nas avaliações oficiais do MEC. Nada indica que isso
esteja relacionado aos ciclos, até porque, como dito, eles nunca foram
majoritários. (Aliás, para quem acha que se trata de uma invenção da esquerda,
vale lembrar que a Lei 5.692/1971 - no artigo 14, parágrafo 4º -, do auge
da Ditadura Militar tão glorificada pelos bolsonaristas, já dava brechas a
outros critérios de progressão não-seriada).
O ponto mais absurdo das justificativas
apresentadas no projeto é que “evitar a reprovação em si faz com que as crianças
inconscientemente sejam ensinadas a não lidar com as frustrações naturais da
vida, que não são uma vergonha, mas sim apenas um processo natural pelo qual
a criança pode passar para
se tornar um adulto mais forte e preparado para a realidade do mercado de
trabalho, que é muito mais dura que a escola, uma vez que envolve também as
relações humanas e de
poder.”
Se tamanho disparate fizesse algum sentido,
seríamos então um dos países com mais “adultos fortes e preparados para o
mercado de trabalho” do planeta, já que as taxas de repetência no Brasil sempre foram altíssimas em todo o século XX. Mesmo no início
do século XXI, um relatório de acompanhamento de metas da Unesco trouxe
em 2008 dados de 150 países. O Brasil, com um percentual de 21% de repetentes,
ficava atrás apenas de 10 nações: Togo (23%), Chade (23%), Congo (24%),
São Tomé e Príncipe (24%), Camarões (26%), Guiné Equatorial (26%), Comores
(27%), Burundi (30%), República Centro- Africana (31%) e Gabão (34%).
Eu sempre achei estranho essa tal de aprovação continuada,ou automática.
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