sábado, 12 de fevereiro de 2022

Ascânio Seleme: Lula e o Rio

O Globo

Se o petista conseguir fazer no estado a média de votos que tem no resto do país, pode fechar a conta ainda no primeiro turno

Não há hipótese de Lula fazer corpo mole na campanha eleitoral no Rio. Tampouco caberá ambiguidade neste pleito, como já ocorreu em outras eleições. O candidato do PT terá indiscutivelmente que se posicionar de um lado, porque do outro estará seu adversário, o presidente Jair Bolsonaro. Se tergiversar, dança. Não que o Rio seja decisivo num pleito em dois turnos. Mas se quiser resolver no primeiro, é bom olhar com atenção para o estado onde seu partido vem perdendo eleitores seguidamente desde 2002. Naquele ano, Lula ganhou de Serra aqui com 79% dos votos. Em 2006, fez 69% contra Alckmin. Dilma ganhou com 60% sobre Serra em 2010 e passou apertada por Aécio em 2014, com apenas 51,64% dos votos. Em 2018, Haddad perdeu para Bolsonaro com apenas 32% dos eleitores ao seu lado.

Lula precisa de um candidato forte no Rio, forte suficiente para rivalizar com o governador Cláudio Castro, candidato à reeleição que terá Bolsonaro em seu palanque, além de todas as demais forças de direita no estado. Esse candidato, de acordo com todas as pesquisas feitas até agora, deveria ser o deputado Marcelo Freixo, ex-PT, ex-PSOL, hoje no PSB. O palanque de Freixo terá a cara da esquerda, mais moderna e flexível do que a representada pelo PT, mas ainda assim de esquerda e anti-Bolsonaro. Uma solução caseira, pode ser redundante. Restam ainda alternativas ao centro, com o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, ou brizolista, com o candidato do PDT, Rodrigo Neves.

É por aí que trabalha o prefeito Eduardo Paes, que não quer Marcelo Freixo no páreo, sugerindo outros nomes do PT, como o de André Ceciliano, ou buscando solução em outros partidos. Paes teme um adversário forte no Guanabara em 2026, quando vai disputar o governo estadual. Por isso sugere candidaturas para frear Freixo e aposta secretamente na derrota de qualquer um deles para Cláudio Castro. Com Castro reinstalado na cadeira, seu caminho fica livre. Paes sabe fazer política, mas nesta eleição está sendo óbvio demais. Primeiro, apostou em Ceciliano. Depois fez afago em Ciro Gomes e sugeriu apoiar a candidatura de Rodrigo Neves. Tudo isso, sem nunca abandonar Felipe Santa Cruz, seu candidato ideal para perder para Castro.

O prefeito do Rio chegou a chamar Lula de “irrelevante” numa entrevista a Cristian Klein e Francisco Góes, do Valor. Já deve ter se arrependido do que disse. Se os repórteres perguntarem de novo, ele vai dizer outra coisa. Até o presidente do seu partido, Gilberto Kassab, já acena com apoio a Lula no primeiro turno. Paes pode voltar a insistir em trocar o apoio federal do PSD com uma mudança de tática de Lula no Rio. Não dá para dizer se vai colar, pois Lula precisa ter um candidato seu no Rio. E não qualquer um, como fez no passado. Ele precisa de um candidato competitivo. Se conseguir fazer no Rio a média de votos que tem no resto do país, pode fechar a conta ainda no primeiro turno.

As pesquisas mostram uma liderança inequívoca de Lula sobre Bolsonaro de 22 a 27 pontos percentuais em todo o país. No Rio, a diferença entre os dois é de apenas nove pontos. Se Lula conseguir subir aqui ao patamar nacional, ganhará entre 600 mil a 900 mil votos adicionais. Não é pouca coisa. Se repetir seu próprio desempenho em 2002, quando teve 40% dos votos no primeiro turno, pode liquidar a fatura no dia 2 de outubro.

Vai ser jogo duro daqui até as convenções que definirão chapas, alianças e federações. O “dado concreto” é que Lula vai ter que se preocupar mais com o Rio. Qualquer descuido pode significar perder votos, ou ganhar menos votos do que poderia conquistar. Ele terá de decidir se Freixo é mesmo o candidato ao governo estadual com maior capacidade de aglutinação e arregimentação de eleitores. O que Lula não pode é seguir palpite furado e apostar errado. Perder votos no pleito estadual para Cláudio Castro eleva o risco de perder votos na eleição presidencial. Aí, quem ganha é Bolsonaro.

Ministro na rua

“Quero ser um ministro na rua, quero estar com o povo”, disse André Mendonça, do STF, à jornalista Carolina Brígido. Pode parecer democrático, mas não é. Em 2009, durante um debate quente entre Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, o ex-ministro relator do mensalão recomendou que o seu interlocutor fosse às ruas, sugerindo que Gilmar não estava ouvindo o que o povo queria dele. Juízes podem até ir para a rua ouvir o povo, mas não podem ser guiados por ele. O clamor pode até ser justo, mas nem sempre é legal. Estar com o povo é conversa de político, não de juiz. O político pode atender ao clamor das ruas, propondo até mesmo mudanças de leis, este é o seu papel. O juiz, não. Cabe a ele tão somente interpretar a lei. Estar ao lado do povo pode ser bonito e atende um anseio do próprio povo, mas também pode ser perigoso para a justiça, para as instituições e para a própria democracia. É bom não esquecer que muito recentemente parte do povo foi às ruas pedir o fechamento do Supremo.

Agora vai

O relatório da CPI da Covid deu entrada esta semana no TPI (Tribunal Penal Internacional). Se seguir os trâmites normais, o resultado da investigação será apresentado antes de Augusto Aras dar sinal de vida.

Nazismo

Você vai dizer que não dá para colocar Bolsonaro e nazismo no mesmo balaio, e eu vou concordar. Mas, ainda sobre Augusto Aras, foi notável a sua rapidez em abrir investigação contra o podcaster Monark que defendeu a legalização do nazismo. Foi no mesmo dia, como deveria ser. Já com o seu querido capitão…

Custo eleitoral

Cada vez fica mais cara a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro. A última fatura já foi para o Congresso, vai custar R$ 100 bilhões e atende pelo nome de PEC dos Combustíveis. A terra vai ficando tão arrasada que daqui a pouco nem Bolsonaro vai querer mais governar este país.

Olho no dinheiro 1

O dinheiro da privatização da Cedae já começou a encher os cofres do estado e de diversos municípios da região metropolitana do Rio. É muito dinheiro que entra sem qualquer carimbo, sem nenhuma destinação específica. O estado, que recebe R$ 14 bilhões, já definiu onde gastar. Desse total, R$ 8 bi vão para obras de infraestrutura. Em educação serão aplicados R$ 459 milhões, pouco mais de 3% do total. Na saúde, 539 milhões, pouco menos de 4%. O secretário da Casa Civil, Nicola Miccione, diz que nos gastos com infraestrutura constam obras em escolas e hospitais.

Olho no dinheiro 2

Caberão ao Rio, capital, R$ 4,2 bilhões. Deste montante, R$ 3,7 bi já foram depositados. São Gonçalo terá R$ 1 bi, Duque de Caxias, R$ 605 milhões e Nova Iguaçu, R$ 538 milhões. No total, 29 municípios que são atendidos pela Cedae receberão dinheiro da privatização. O critério de distribuição atendeu a uma fórmula de lotes, onde alguns são mais valiosos que outros. Por isso, o Rio recebe R$ 623 mil e São Gonçalo embolsa R$ 931 mil por habitante. Trata-se, segundo o prefeito Eduardo Paes, do “princípio da solidariedade metropolitana”. Saquarema, coitadinha, não mereceu tanta solidariedade e ganhou o equivalente a apenas R$ 126 mil por habitante.

Vacinação no Rio

Ninguém consegue explicar por que o Rio não se destaca no ranking de vacinação. No quadro geral, está mais de dez pontos percentuais atrás de São Paulo. Entre as crianças, dá vexame. O estado diz que cumpre a sua parte, e que cabe às prefeituras explicar. Os municípios não dizem nada. Apenas Eduardo Paes se manifestou. Disse que deve ter errado na comunicação e anunciou que vai estender tapete vermelho para a meninada nos postos de vacinação.

Canoa furada

Quem aposta que a ministra Tereza Cristina vai embarcar na canoa de Bolsonaro para a eleição de outubro? Ao que parece, a pressão do Centrão em favor do seu nome não avançará por falta de vontade da protagonista.

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