domingo, 27 de fevereiro de 2022

Bernardo Mello Franco: A folia da jogatina

O Globo

O carnaval começou mais cedo para a turma da jogatina. Na madrugada de quinta, a Câmara aprovou um projeto que legaliza cassinos, bingos e caça-níqueis. A folia também incluiu o jogo do bicho, cujos chefes passaram a se aliar às milícias.

A operação foi pilotada por Arthur Lira. Ele desengavetou um texto apresentado há 31 anos e comandou sua aprovação em apenas três horas. O deputado defendeu a proposta com um argumento que poderia ser usado em favor da liberação das drogas: “Todos nós sabemos que isso existe. Mas tem que existir na clandestinidade?”.

Estudos da Polícia Federal, da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da República mostram que a questão não é tão simples. Bingos e cassinos são instrumentos poderosos para a lavagem de dinheiro do crime organizado. “Seria pueril imaginar que a legalização vai acabar com a corrupção”, alertou a PGR em 2016.

A nota técnica sustentou que a liberação pode facilitar a lavagem de dinheiro do crime organizado. E acrescentou que o setor continuará sob o domínio das quadrilhas que hoje operam na clandestinidade. “O jogo não será uma atividade econômica aberta a novos empreendedores. Ele já tem dono”, concluiu.

O lobby da jogatina alega que a proposta arrecadará bilhões para os cofres públicos. Chutes à parte, a tese tem dois problemas. Grande parte do que será deixado na roleta seria gasta no comércio e em outras atividades que já recolhem impostos. E a bancada do jogo não manifesta o mesmo interesse em aprovar a taxação de grandes fortunas ou a tributação de dividendos.

O governo fez jogo duplo para ajudar Lira com o rolo compressor. O presidente Jair Bolsonaro prometeu aos evangélicos que vetaria o texto, mas seus aliados votaram em peso pela aprovação. Flávio Bolsonaro, o primeiro-filho, nunca escondeu a simpatia pela jogatina. Em 2020, comandou uma excursão a Las Vegas, com passagens pagas pelo Senado, para confraternizar com donos de cassinos.

O capitão cultiva o sonho de criar uma “Cancún brasileira” na região de Angra dos Reis. O plano inclui a extinção da Estação Ecológica de Tamoios, onde Bolsonaro já foi multado por pesca ilegal. Após se eleger presidente, ele conseguiu anular a autuação e mandou o Ibama exonerar o fiscal que o flagrou.

Parlamentares que acompanharam as negociações dizem que a construção de resorts pode encantar o presidente, mas não é o maior objetivo do Centrão. O bloco está mais interessado em facilitar a vida dos bicheiros, que sempre financiaram campanhas por baixo do pano.

Na noite da votação, a bancada evangélica tentou apelar a um último argumento: os riscos à saúde mental dos idosos, que costumam ser as presas mais fáceis do vício no jogo. O problema é real, mas não deve sensibilizar o capitão e seus conselheiros. Na célebre reunião de abril de 2020, o ministro Paulo Guedes debochou da preocupação com os velhinhos: “Deixa cada um se f... do jeito que quiser. Principalmente se o cara é maior, vacinado e bilionário. Deixa cada um se f..., pô!”. 

 

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