Valor Econômico
Ex-presidente mira amplo acordo para
governabilidade
A liderança do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva nas pesquisas tem sido tão folgada que criou no petista uma
autoconfiança capaz de combinar múltiplas estratégias. Desde a chancela a
movimentos à esquerda - como a tentativa de o PT formar federação com legendas
progressistas - quanto os mais à direita - a exemplo da aliança com o ex-tucano
Geraldo Alckmin para vice da chapa.
Com amplo favoritismo, Lula lança mão tanto
de apostas ideológicas, partidárias ou pessoais - ao comprar briga pela
candidatura de Fernando Haddad a governador em São Paulo ou agradar Marcelo
Freixo no Rio - quanto recorre a composições pragmáticas que, inversamente,
parecem sugerir um receio, o temor do revés.
É o caso da informação de que seu advogado
Cristiano Zanin teria sido o emissário de uma proposta de aproximação com o
ex-presidente Michel Temer. Logo Temer, o vilão do impeachment da ex-presidente
Dilma Rousseff.
Acusado de traição, o vice de Dilma personificou, como poucos, ladeado pelo ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, a imagem de maior inimigo do petismo. Até a ascensão de Jair Bolsonaro.
É de se duvidar se Lula precisa de Temer,
tanto quanto Bolsonaro necessitou dos préstimos do emedebista quando seu
governo esteve à beira do abismo. Ao insuflar o golpe no 7 de Setembro e ver
escalar o risco do impeachment, Bolsonaro recorreu a Temer como quem contrata
um médico ou advogado caro para lhe salvar o pescoço.
Temer é grande fiador do velho sistema
político brasileiro, ícone do establishment. Não é primordial, mas Lula sabe da
importância de apoios, para quebra da resistência à direita - ainda que para
desgosto da base de militantes ou de arrependimentos futuros.
Em junho de 2012, a foto do encontro entre
o petista, Haddad e Paulo Maluf, nos jardins da casa do adversário histórico do
PT, mostrou que tudo é possível e esquecível quando o objetivo é ganhar uma
eleição.
Na ocasião, o então pouco conhecido Haddad
tentava se eleger prefeito de São Paulo e ansiava pelos preciosos minutos de
propaganda do PP. Em troca, Maluf exigiu a presença de Lula e da famosa foto
para selar o acordo.
Cinco anos depois, Lula diria ter se
arrependido. Nem tanto pelo encontro em si ou pela aliança - que levou Luiza
Erundina a desistir de ser vice de Haddad - mas pelo registro de imagens que
evidenciavam um pragmatismo que passara dos limites, até para os padrões do
ex-presidente.
Agora, uma eventual aproximação com Temer
parece ter motivação não apenas eleitoral, apesar do movimento ter o potencial
de encorpar a campanha do petista com a adesão de políticos do MDB. Nos bastidores,
Lula tem verbalizado que, mais do que vencer nas urnas em outubro, precisará de
força para governar.
O ex-presidente sabe que encontrará um país
muito diferente do que deixou para Dilma, em 2011, ou do que recebeu do
antecessor Fernando Henrique Cardoso, em 2003, seja politicamente ou
economicamente. Lula não precisará mais provar que seu governo respeita
contratos, o que dispensa uma Carta ao Povo Brasileiro. Não poderá perder tempo
em revanchismo com os militares, nem recorrer a zelo extraordinário na relação
com as Forças Armadas. É pô-las no lugar de onde Bolsonaro as retirou, ao
aparelhar o Estado e politizar os quartéis.
Mas superar o estrago causado nos últimos
anos e driblar as turbulências do cenário internacional exigirão de Lula, caso eleito,
uma pactuação ou mitigação de diversos atores, o que não é trivial.
É incerto o peso com que o bolsonarismo e a
extrema direita sairão das urnas e em que grau serão um fator de
desestabilização. Na relação entre Poderes, o Congresso cresceu de tamanho
diante do Executivo, por uma série de instrumentos a começar pelo controle
maior do Orçamento. No sistema partidário, mudanças progressivas vêm ocorrendo,
desde a introdução da nova legislação eleitoral, que ataca a histórica
fragmentação brasileira, uma recordista mundial.
A atual profusão de legendas interessadas
em formar federações é um sintoma de concentração que também pode alterar a
governabilidade. Muito provavelmente não será agora, pelo prazo curto de
oficialização. De todo modo, a expectativa, como pensa o PT, ao se juntar com
PSB, PCdoB e PV, é criar uma bancada que propicie menos dependência do Centrão.
Mas, caso se concretizem, as federações tendem a dar mais poder de barganha a
dirigentes e líderes partidários no Congresso. O tempo da miríade de pequenas e
médias legendas manietadas pelo presidente da República ficará para trás.
Com a experiência de quem já presidiu, e
sabe que o tabuleiro e o humor do eleitorado muda rapidamente, Lula, apesar da
autoconfiança, joga de maneira conservadora. Ocupa o centro, flerta com a
direita, atrai tucanos, emedebistas, o que for. Seja o ex-adversário Alckmin ou
Temer, o reputado conspirador contra Dilma.
A mesma Dilma que Lula, aliás, tem
escondido e indicou que não fará parte de seu eventual governo. Dilma que,
segundo o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso foi apeada
do poder não por um crime de responsabilidade, mas pela falta de apoio
político.
“A justificativa formal foram as
denominadas pedaladas fiscais - violação de normas orçamentárias - embora o
motivo real tenha sido a perda de sustentação política”, escreveu Barroso, num
artigo que repercutiu muito ontem nas redes sociais e entendido como uma defesa
da tese de que a ex-presidente foi alvo de um golpe frio, parlamentar, não de
um impeachment.
Nada que não se tenha lido ou ouvido, como
o célebre diálogo em que os ex-senadores Sérgio Machado e Romero Jucá afirmam
que para barrar a Lava-Jato “a solução mais fácil era botar o Michel [Temer]”.
“É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional”, sugere Machado. “Com
o Supremo, com tudo”, emenda Jucá.
Quase seis anos depois, parece ser Lula
quem não tem problema de fazer aliança “com Temer, com tudo”.
'Acordo' no caso é diferente de 'aliança'.
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