quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Elio Gaspari: O compromisso com o erro

O Globo

Lula parece ter ouvido JK

Há poucas semanas, quando Guido Mantega foi escalado pelo PT para escrever um artigo para a Folha de S.Paulo propondo um programa econômico, a turma do papelório assustou-se. Haveria o risco de retomar o caminho da ruína? Passaram-se 26 dias, e o próprio Mantega mostrou que dentro do lençol não havia fantasma: “Não pretendo voltar. A economia tem ciclos; você fica com a parte boa, mas se a economia não funciona, a culpa é do ministro. Fiquei no governo por 12 anos seguidos. Já dei a minha parte”.

O pessoal do papelório gosta de sustos, e Lula gosta de administrar temores alheios.

Depois de ter surpreendido a plateia da cena política apontando a possibilidade de escolher o tucano Geraldo Alckmin para seu vice, Lula mostra que absorveu o ensinamento de Juscelino Kubitschek: “Não tenho compromisso com o erro”. Tê-lo desprezado foi um dos pilares da derrocada petista na eleição de 2018.

JK não tinha compromisso com o erro porque estava de bem com a vida e sabia o que fazer no governo. Tudo o que o Brasil precisa neste ano eleitoral é de candidatos que não tenham compromisso com o erro. Se Lula seguir essa escrita, será dura a vida de Bolsonaro, pois enquanto Mantega mostrou que sairá da cena, e Lula fecha alianças com governadores do MDB, o capitão fez piada com fantasmas: “Se o cara voltar, José Dirceu vai para a Casa Civil, Dilma para o Ministério da Defesa?”.

Esse tipo de campanha não leva a lugar algum. Seria como ouvir Lula dizendo que Bolsonaro, reeleito, reconduzirá Abraham Weintraub ao Ministério da Educação e Ernesto Araújo ao Itamaraty.

A eleição de outubro não precisa ser transformada num acerto de contas. Mesmo para quem sonha com essa hipótese, de Lula partem sinais de que evitará esse embate. Afinal, ele já se definiu como uma “metamorfose ambulante”.

No mundo das touradas, todo o esforço do matador busca confundir o animal de tal forma que acaba aceitando a demarcação do combate pelo adversário. Pode-se ir de um lugar a outro na arena, mas é sempre o toureiro quem escolhe o espaço. Quem segue o conselho de JK não briga onde o adversário quer, mas onde prefere.

Por exemplo: e a intervenção do governo, em 2012, nos preços da energia? É Mantega quem responde: “Não funcionou.(...) Na verdade, acho que cometemos um erro lá”.

Bolsonaro teve mais de dois anos para se livrar da cloroquina e abraçar a vacina, mas preferiu teimar na superstição. Restam-lhe oito meses para abandonar causas perdidas. Até porque, mesmo com dois ministros desastrosos (Eduardo Pazuello e Marcelo Queiroga), chegará a eleição podendo dizer que durante seu governo vacinaram-se todos aqueles que quiseram vacinar-se. Podendo falar de vacinas e da extensão de seu programa de socorro aos mais necessitados durante a pandemia, o capitão prefere combater a guerra de 2018.

Enquanto Lula está na arena com a lógica do matador, Bolsonaro entra com a fúria do touro. Estima-se que desde 1700 tenham morrido na Espanha 40 mil touros, contra 52 toureiros, entre os quais o grande Manolete. Pouca gente se lembra de Islero, o animal que o chifrou.

Escolher o papel de touro é mau negócio.

 

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