segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Entrevista: ‘PT tem que botar a sandalinha da humildade', diz Jaques Wagner

Senador afirma que o nome do ex-governador Geraldo Alckmin como vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não está pacificado dentro do partido

Julia Lindner e Bruno Góes / O Globo

BRASÍLIA — Pré-candidato ao governo da Bahia e integrante da ala moderada do PT, o senador Jaques Wagner diz que o nome do ex-governador Geraldo Alckmin como vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não está pacificado dentro do partido, mas defende que o antigo adversário cumpre um requisito essencial ao posto: “ser complementar ao presidente”.

Em meio ao favoritismo indicado pelas pesquisas, o parlamentar afirma que os integrantes do PT devem “botar a sandalinha da humildade” e evitar um clima antecipado de vitória. Para ele, que considera Sergio Moro um adversário mais fácil a ser batido do que o presidente Jair Bolsonaro, em caso de segundo turno, o Centrão, inevitavelmente, será atraído para a base em um eventual governo do PT.

O senhor concorda com a análise de que o centro ficou deslocado nesta eleição?

Acho que se faz uma análise da polarização, ou anseio da terceira via, muito pela característica do atual presidente. Todas as eleições, à exceção de 1989, que tinha 15 candidatos, foram polarizadas. A diferença entre 2018 e as demais é que, antes, a polarização era entre dois conjuntos que tinham um projeto para o Brasil (PT e PSDB). Gosto de dizer que as duas boas novidades após o regime militar foram PT e PSDB. Essa ânsia de terceira via ocorre pelo deslocamento de um dos projetos políticos e a chegada ao poder de alguém que não tem projeto nenhum, só fanatismo e truculência. É uma anomalia que está nos custando caro.

Como vê o papel do PT nas eleições deste ano?

O Lula sempre foi um conciliador. Ele nunca atiçou a turma dele a jogar pedra. Mesmo saindo de uma prisão indevida, ele já conversou com Eunício (Oliveira), (José) Sarney, Renan (Calheiros), alguns dos quais fizeram o impeachment da Dilma (Rousseff). Então, ele tem noção de que, no quadro em que nós estamos, institucional e econômico, não dá para sentar alguém (na Presidência) para conflagrar mais ainda o país.

A imagem do governo Dilma é apontada como um problema para o PT. Como lidar?

Quem vai decidir o local de cada um não sou eu. A Dilma, na minha opinião, está protegida pelo manto da injustiça do impeachment. Não há culpa a colocar, por mais que ela fosse impopular na época e não tivesse uma relação boa com o Congresso.

E outros personagens, como Guido Mantega?

Ninguém disse que ele será ministro da Fazenda. Não sou eu que vou escolher. O presidente deu sinal de que quer se cercar de pessoas mais jovens, da nova geração. Para a população que vai votar, não é essa a discussão. A discussão será: “Eu vou ter emprego? Vou voltar a ter renda? Vou poder comprar meu carrinho 1.0?” Essa discussão é nossa. O debate vai ser saúde, Covid, a postura do presidente. A busca é de uma luz no final do túnel.

A temática da campanha será essa?

Nessa linha. E aí nós vemos, por exemplo: qual é o projeto político do Moro? Vai falar de corrupção. As pesquisas mostram que o tema está lá embaixo. A terceira via, quarta via, quinta via, (poderia ter chance) desde que apresentasse projeto consistente para o Brasil. Com alguém que tenha serviço prestado e possa dizer: isso daí eu já fiz e posso fazer de novo. Não é para vender pastel de vento. O único em que vejo consistência é o Ciro. Já foi governador e ministro. Mas ele adotou uma linha que acho que não vai chegar a lugar nenhum. É essa metralhadora giratória. Se bem que ela não gira: quando chega no Lula, ela para e fica atirando uma porção de vezes. Mas não vou deixar de dizer que é um quadro nacional que pensa o Brasil.

Críticas ao Moro serão exploradas pelo PT?

Prefiro mostrar o que temos para fazer. Mas se me perguntarem: “Qual é o melhor adversário?” O melhor adversário para enfrentar o Lula no segundo turno é o Moro. Porque o Moro é a mentira que cada vez fica maior. E ele não tem um grupo de adeptos como o outro (Bolsonaro) tem. Ele não tem esse exército de seguidores e não tem nada de político. Como eu acho que a última opção do povo por alguém que não era da política não deu muito bom resultado, eu não sei se vão optar de novo. É a velha música do cada macaco no seu galho. Ele não entende muito disso daqui. O outro (Bolsonaro) também chegou dizendo que ia botar a banca e virou isso aí, orçamento secreto... Essa é a nova política que se instituiu pelo neófito da política.

É possível Alckmin estar na chapa e ser indicado ao Ministério da Agricultura?

Acho que não se deve misturar montagem de governo com montagem de chapa. Se olhar para o histórico do Lula, o vice-presidente dele sempre teve ocupação (José Alencar foi ministro da Defesa). Mas é muito do perfil do vice. Ele (Alckmin) tem tamanho para ser (ministro). Sinceramente, acho que isso não está em discussão, porque é futurologia pura. Alckmin cumpre o que acho que o vice deve ser: complementar ao presidente. O presidente tem um perfil, um lugar de fala, um público preferencial. Ele tem outro público, outro lugar de fala e outro público preferencial. Ele cumpre, como poderia cumprir a (empresária) Luiza Trajano , como poderia cumprir o (presidente da Fiesp) Josué Alencar, (o ex-ministro) Roberto Rodrigues ou mil outros nomes.

O nome do Alckmin já foi aceito?

Não. Você já viu o PT aquietar? O PT é buliçoso. O nome do Alckmin brotou de um estado importante. É a maior economia do país, a maior população, o maior eleitorado... Lógico que passou pela eventual disputa do governo do estado (em São Paulo), tudo contou. Mas, se você perguntar se está consagrado, não está. Você com certeza vai encontrar gente do PT dizendo: “Ele (Lula) não precisa disso, tem popularidade”.

Ainda não começou a campanha...

Eleição não é peru de Natal, não morre de véspera. Eleição tem que trabalhar até a abertura das urnas. Muita gente em 2018 foi dormir com a faixa e acordou derrotada. Não brinco com isso, até me preocupo. Vamos botar a sandalinha da humildade. Botar os argumentos na cabeça. Muita gente no PT fala que tem que bater no presidente (Bolsonaro). Por mim, eu nem toco o nome dele. O que ele tem ruim já está consolidado. Eu não sou dos que acham que um acerto ou outro da economia ou programa social vão impulsioná-lo.

O Centrão, que apoia Bolsonaro, pode formar a base de Lula?

É possível, quando você tem um projeto que tem uma liderança com o peso do Lula. Ela, por si só, preenche uma lacuna enorme. Em muitos estados, Nordeste, Norte etc, as pessoas querem andar ao lado do Lula, sem ele ter dado nenhuma emenda para elas. Pelo peso da ideia. Ele é uma ideia-força. O Lula tem a política como arma de trabalho. Então, eu acho que é possível. Lógico que tudo vai depender da construção.

Há receio de uma reação do bolsonarismo se o PT voltar ao poder?

Isso que chegou em 2018 não vai embora. Nós vamos sempre ter uma oposição barulhenta. Não necessariamente parlamentar, mas na sociedade. E o estilo complicado de agressividade. Vamos ter que aprender a conviver, infelizmente. Saiu da gaveta e não sei se volta. Como nos EUA também há os trumpistas.

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