Folha da Manhã (Campos (RJ)
O movimento estratégico de Lula na direção
do centro político, tanto para consolidar seu favoritismo e tentar catapultá-lo
à Presidência já no primeiro turno, como para construir uma alternativa
parlamentar ao Centrão, em caso de vitória, parece ter mexido com o tabuleiro
eleitoral.
Nesta quarta (26/01), o candidato do PDT, Ciro Gomes, ensaiou uma escapada pela esquerda diante do congestionamento do centro político provocado por Lula, que também embaraça a ascensão de Moro e pode inviabilizar as pretensões de Dória. Percebendo a impossibilidade de furar a fila nesta disputa, onde Moro tem maiores credenciais, Ciro radicalizou o discurso acenando para um pacote de reformas a ser apresentado nos seis primeiros meses de seu virtual governo e referendado diretamente pelo eleitorado por meio de um plebiscito.
A proposta é ousada e parece se inspirar na
saída chilena à crise de 2019, cuja solução plebiscitária instituiu uma
constituinte exclusiva, eleita em 2020, que culminou com a vitória de uma nova
esquerda, liderada por Gabriel Boric,
à Presidência da República no final de 2021, desbancando o até então partido
dominante da centro-esquerda (PS).
Ciro parece apostar no desgaste da fórmula
centrista do lulopetismo, tardiamente ampliada para acomodar o PSDB histórico
num pacto de união nacional para a "reconstrução do país” – sem um
programa claramente definido –, mais vocacionado para agradar o Mercado e
preparar o terreno para uma virtual governabilidade, que pode incluir também a
direita moderada do PSD e até mesmo, por que não, o fisiológico Centrão em
posição subalterna.
A proposta já fora insinuada por Dilma no
barata-voa político das manifestações populares de junho de 2013, e atacada
como aventureira e perigosa em função do exemplo chavista de manipulação
plebiscitária. Na conjuntura atual, porém, e depois do exemplo chileno, talvez
ela possa ser vista com novos olhos, até por conta da radicalização política
estéril da polarização lulobolsonarista e do potencial veto parlamentar às
mudanças, tanto política (reforma eleitoral) como econômica (contenção do
parasitismo financeiro).
Nem por isso os temores se dissiparão, pois
em nossa história, em dois momentos cruciais da crise do Governo João Goulart,
um plebiscito realizado em 1963, pelo retorno do presidencialismo, e outro
cogitado em 1964, pelas reformas de base, levaram ao colapso institucional ao
invés da solução da crise – principalmente, por erros de cálculo dos setores
progressistas e inconsistência do programa de reformas.
O principal erro de cálculo nos anos 1960
foi a superestimação da crise e do espírito de luta da classe trabalhadora – à
época majoritariamente rural. Quanto ao programa, a proposta do Plano Trienal,
costurada por Celso Furtado, foi considerada pelos líderes radicais da época
(Brizola, Julião e Prestes) como insuficiente, sem que fosse apresentada
qualquer alternativa consistente.
Assim, no pré-1964, a radicalização
política do campo progressista, não obstante a retórica, teve mais um caráter
de tomada do poder – como José Dirceu tentou reeditar no breve ostracismo
petista depois do impeachment de Dilma – do que de mudança estrutural para
superar o subdesenvolvimento.
O quadro hoje, naturalmente, é distinto. O
Brasil se tornou predominantemente urbano, depois da modernização conservadora
acelerada dos anos 1970, e o programa de reformas, embora ainda em debate,
assumiu uma clareza e uma consistência significativas, sobretudo no plano
econômico (novo-desenvolvimentismo), propiciadas pelas reflexões em torno da
era varguista (1930-1964), do regime militar (1964-1984) e do ciclo petista
(2003-2016).
Ocorre que, em sentido contrário, as forças
progressistas foram, por assim dizer, abduzidas pelo populismo e seu projeto de
poder sem propostas efetivas de mudança, que atrai, até aqui, parcelas
expressivas do eleitorado.
Diante de tal desencontro histórico, Ciro
arrisca um movimento ousado que pode ter desdobramentos também à direita, com
Moro e outros candidatos ao centro buscando escapar ao engarrafamento
conduzindo suas campanhas mais para a direita, tentando recolher frutos da luta
fratricida no interior do bolsonarismo.
A ver em que medida tal estratégia avançará e qual impacto terá num eleitorado até aqui incapaz de olhar para os lados, quanto mais para cima.
*Cientista Político, Professor da UENF
O Ciro querer ser presidente do Brasil já virou carma,coitado!
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