Folha de S. Paulo
Quando uma opinião coloca em risco outros
direitos, é evidente que ela deve ser tolhida
A liberdade de expressão é um valor
inegociável, mas é preciso impor limites. Quando a expressão de uma
opinião, ou
ainda de uma informação falsa, coloca em risco outros direitos, como o
direito à vida, é evidente que ela deve ser tolhida. Ninguém pode gritar
"fogo!" em um cinema lotado.
A pandemia sublinhou o dilema. Notícias
falsas tiraram vidas. Isolamento social, máscara, até vacinas; tudo foi alvo de
fake news. Vidas foram perdidas em nome de uma fictícia liberdade de mentir e
enganar.
E se aceitamos essa lógica com a pandemia
da Covid, é evidente que devemos aplicá-la também a outros perigos. Nem só de
Covid morre a humanidade. Machismo, racismo, LGBTfobia, fanatismo religioso,
desigualdade social e tantas outras injustiças também matam. Não vamos fazer
nada?
É uma visão ingênua —embora nada inocente— acreditar num debate público idealizado, em que o que importa são argumentos. Na realidade, opiniões refletem os conflitos de poder da sociedade, mal disfarçados por construtos teóricos.
Alguns buscam a igualdade e o bem comum;
outros, manter seus interesses e privilégios. Quando um branco questiona
consensos estabelecidos da pauta antirracista, isso não é liberdade de
expressão, é racismo. Quando um autor (ou autora) cis questiona se mulheres
trans devam ser tratadas como mulheres, isso não é liberdade de expressão, é
discurso de ódio.
Esse tipo de questionamento
"teórico" é uma ameaça concreta aos mais vulneráveis. Saber que ele
existe no interior de algumas mentes retrógradas é odioso. Permitir que seja
lido ou ouvido, criminoso. De nada adianta publicar ao lado um artiguinho
contrário, que ninguém lerá, para criar um falso equilíbrio. Pessoas são mortas
e violentadas nas ruas por causa desse tipo de discurso. Defender a tal
liberdade irrestrita é defender que um jornal possa matar e violentar pessoas.
Os bons sentimentos dos magnatas do Vale do
Silício e dos barões da velha mídia —que juram combater fake news e extremismo—
só vão até a página dois. No momento em que têm que escolher entre verdade e
lucro, é óbvio para que lado irão. Trump só foi banido das redes depois de
perder a eleição. Joe
Rogan segue veiculando seu podcast criminoso no Spotify.
Da Folha, então,
eu nem saberia por onde começar.
Enquanto reformas de longo prazo da
educação não levarem o povo a abandonar seus gurus e charlatães e a seguir
apenas intelectuais bem embasados, é preciso que nos resguardemos contra
retrocessos. Quando empresas vacilam, o Direito Penal deve ser decisivo:
separar o joio do trigo, dizer quem pode e não pode ter espaço nas plataformas
e tomar medidas contra as que continuam a dar palco para discursos perigosos.
Poderíamos formar algo como um comitê de
notáveis, apenas com referências indiscutíveis das ciências (exatas, biológicas
e humanas), com a devida representatividade de todas as minorias sociais, para
julgar previamente artigos, podcasts ou vídeos que possam ter conteúdo
problemático. É isso ou a barbárie. Aliás, se nada for feito, e rápido, contra
aplicativos como o Telegram,
Bolsonaro pode até vencer as eleições. Estão vendo aonde leva essa
"liberdade"?
Apenas o que defende o bem comum, que luta
contra injustiças, que se pauta pelo rigor da ciência, que acompanha a marcha
da História, deve ter espaço. Mentira e injustiça não têm espaço numa sociedade
democrática. Fora isso, a liberdade de expressão deve ser irrestrita.
A extrema-direita quer liberdade de expressão para praticar crime.
ResponderExcluirSei.
Não tinha percebido a tal ''ironia'',nem sei se o artigo é este,provavelmente é.
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