Nesses dias, mais uma vez seus dirigentes
políticos, cuja capacidade fora posta à prova com a criação inusitada da
geringonça, instrumento voltado para lhes assegurar governabilidade, souberam
superar as ameaças que partiam do campo da direita reacionária numa disputa
eleitoral decisiva, em pleno recrudescimento da pandemia, impondo uma
esmagadora vitória eleitoral aos socialistas com votos de outros setores da
esquerda que lhes vai assegurar condições a fim de realizar seu programa de
governo. Tal resultado impacta não só o cenário europeu como o do Brasil em
particular, onde a sucessão presidencial se avizinha.
Bons ventos que atravessaram o oceano nos
trouxeram a novidade portuguesa, percebida aqui por políticos atentos que a
traduziram para seu idioma político na aliança Lula-Alkmin, dois veteranos na
política com um histórico de fortes desavenças mútuas no longo tempo em que
estiveram envolvidos, sempre como adversários, em disputas eleitorais. Fora
aqueles, desafetos por natureza às alianças em política com que disfarçam seus
apetites pelo poder, a fórmula abrasileirada da geringonça tem sido bem
recebida como um caminho viável para que o país se evada dos flagelos que ora o
atormentam. Lula e Alkmin são herdeiros, cada qual a seu modo, do que foram as
experiências da social-democracia entre nós nos governos de Fernando Henrique e
do PT, certamente inconclusas e ultra-moderadas, e que ganham agora uma nova
oportunidade diante do quadro de excepcionalidade em que vive o país.
Os desafios a que Lula-Alkmin estão
expostos não podem ser subestimados. No campo adverso, bem mais do que os
recursos que lhe conferem a imensa máquina estatal, se alinham quadros experimentados
– os dirigentes do Centrão – no controle social e político da massa dos
retardatários da modernização brasileira, sujeitos ainda ao mandonismo local e
às políticas de favor, que apenas os ingênuos desconhecem. Conta sobretudo com
o apoio dos poderosos interesses emergentes no agronegócio e das elites no
comando das finanças, e mais essa nova malha que nasceu sob forma mafiosa nos
grandes centros urbanos em torno de interesses escusos, quando não abertamente
criminosos, atuante na captura do voto popular.
O regime Bolsonaro se assenta na defesa de
privilégios, dos que se enraízam desde a nossa formação como país e dos que
surgem sob seu patrocínio, que não são poucos. Derrotá-lo exige engenho e arte,
não é obra para poucos, sem a atividade do grande número que afaste, por sua
envergadura, suas possibilidades de resistência, inclusive as golpistas com o
recurso a ações de milícias armadas sob o beneplácito de políticas
governamentais.
A democracia sustentada por suas
instituições tem sido capaz até aqui de resistir ao assédio sem quartel das
hostes bolsonaristas, mas elas, um poder desarmado, não contam com os meios próprios
para obrigá-las a dispersão. O processo eleitoral, nesse sentido, descortina um
campo novo e promissor para as forças democráticas, exemplar no caso dessa
ainda obra aberta geringonça, cuja conclusão está a requerer maior ampliação
pelos caminhos da negociação política com os partidos e personalidades públicas
que rejeitam a fasciticização da nossa sociedade e pela interlocução com os
movimentos sociais, especialmente o sindicalismo.
Não se trata apenas da erradicação do
bolsonarismo, uma manifestação sombria do conservadorismo brasileiro que cumpre
agora afastar com os recursos possíveis de que dispomos, mas de resgatar as
melhores promessas que cultivamos ao longo da nossa trajetória.
*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio
A obra de Chico Buarque e Ruy Guerra é linda,''Fado Tropical''.
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