O Globo
Se havia dúvidas sobre a instrumentalização da Polícia Federal em favor dos interesses políticos de Jair Bolsonaro, uma nota publicada pela corporação em seu site na última terça-feira ajudou a eliminá-la.
“Moro mente”, dizia o texto, em resposta a
uma declaração do ex-juiz da Lava-Jato dada no dia anterior. Numa entrevista,
Moro disse que “hoje não tem ninguém no Brasil sendo investigado e preso por
grande corrupção” e afirmou que a PF não tem mais autonomia sob Bolsonaro.
Segundo a nota oficial, Moro mente porque, nos últimos três anos, a corporação
realizou 1.728 operações contra a corrupção, e o maior número de ações ocorreu
em 2020.
A última afirmação não necessariamente contradiz a anterior, mas isso não vem ao caso. O que importa é que Moro é um político em campanha, e a Polícia Federal é uma instituição de Estado. Foi por isso que a nota e seu tom agressivo chamaram a atenção.
Os ex-diretores da corporação e
ex-ministros da Justiça de diversos governos que consultei, à esquerda e à
direita, dizem que nunca viram manifestação semelhante antes, nem nas crises
mais brabas. Além do mais, se a PF está na berlinda há meses, não é pelo número
de operações que realiza, mas pelas que deixa de fazer.
Outro dia mesmo o delegado William Tito
escreveu que o presidente da República não havia prevaricado ao não dar
andamento às denúncias de irregularidades na compra da Covaxin —
porque, segundo Tito, a Constituição não diz expressamente que é dever do
presidente mandar apurar suspeitas de desvios de dinheiro público.
Desde o início do mandato de Bolsonaro,
delegados que tentaram denunciar o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo
Salles, foram afastados de seus cargos. No setor que investiga autoridades com
foro privilegiado junto ao Supremo, foram todos substituídos depois de
conflitos sobre o rumo de investigações mais sensíveis.
A própria denúncia de Moro sobre a suspeita
de interferência de Bolsonaro na PF — segundo o presidente, a “minha Polícia
Federal” — é alvo de um inquérito no Supremo, que ainda não foi concluído e em
que a direção da corporação é parte interessada.
Em dezembro, a PF realizou uma operação de
busca e apreensão na casa do presidenciável Ciro Gomes (PDT), que a acusou de
ter “objetivo claro de tentar criar danos” a sua pré-candidatura. Ciro também
chamou a PF de “braço do Estado policialesco de Bolsonaro, que trata opositores
como inimigos a serem destruídos fisicamente”.
Há duas semanas, Bolsonaro se recusou a
depor sobre o vazamento de dados sigilosos de um inquérito da própria PF, numa
live em que sugeriu ter havido fraude nas urnas eletrônicas em 2018.
Quando a delegada Denisse Ribeiro concluiu
que ele e seu parceiro de live, o deputado Filipe Barros (União Brasil-PR),
haviam cometido um crime, Barros disse que as conclusões de Denisse eram de “um
absurdo sem tamanho” e que tomaria “medidas jurídicas cabíveis” para
responsabilizá-la.
Assim como não houve nota pública em
resposta a Ciro Gomes, também não houve comunicado oficial em defesa do
trabalho de Denisse Ribeiro ou da autonomia da PF. Agora, as coisas parecem ter
mudado. E se amanhã Lula, Doria ou qualquer outro candidato atacar a
corporação, como vai ser? A Polícia Federal rebaterá a todos?
Em sua nota pública, a cúpula da PF afirma
que não é função da corporação “produzir espetáculos” e que ela “não deve ser
usada como trampolim para projetos eleitorais”. Está certíssimo. Só que, se
pretende se mostrar independente, íntegra e autônoma, a PF precisa se manter
longe de bate-boca político.
Quando decide responder, e de forma tão agressiva, a um candidato em campanha, a direção da polícia faz justamente o que diz repudiar e se joga de cabeça no debate eleitoral.
A Polícia Federal persegue só quem critica o Bolsonaro.
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