segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Marcus André Melo: Lula e a reformafobia

Folha de S. Paulo

É contraintuitivo que Lula apresente-se como candidato antirreforma

Já me referi aqui na coluna à crítica implacável de Eça de Queiroz n’"As Farpas" ao reformista retórico. Eça escarneceu de uma infinidade de subtipos: reformeiros, reforminhas, reformecos, reformaricas, reformânticos, etc. Mas há um subtipo que Eça apelidou de reformafóbico, que Lula está encarnando à perfeição: "Quem é que disse que o Brasil precisava das reformas?", perguntou, referindo-se à reforma trabalhista, da Previdência e ao teto de gasto.

Eça mirava no elemento retórico de reformas meramente discursivas, ritualísticas. Elas servem, afirmou, para "um ministério fingir que administra, iludir a nação ingênua, imitar a iniciativa fecunda dos reformadores ‘lá de fora’ , aparentar zelo pelo bem da pátria, justificar a sua permanência no poder, fornecer alimento à oratória constitucional".

Eça restringiu-se às reformas como discurso e demagogia. Lula a reformas implementadas. Falar é barato. Credibilidade e reputação é o que importa.

Críticas a um programa de reformas podem mirar dois aspectos: a) sua incompletude ou seu abandono. Este tem sido, por exemplo, o tom da crítica a Paulo Guedes por analistas variados. Aqui a contradição é o abandono de pautas (privatização) ou do compromisso fiscal anunciado e sua conversão em populismo fiscal aberto (PEC dos precatórios, orçamento secreto); b) o estelionato eleitoral: a contradição entre discurso e prática desde o início do governo.

Lula e Dilma ilustram de forma distinta o problema. A Carta aos Brasileiros (2002) é uma declaração ex ante de manutenção de políticas que eram objeto de intensa crítica pelo PT antes das eleições. No entanto, as reformas que se seguiram claramente são inconsistentes com o programa apresentado na campanha. Dilma dobrou a aposta.

Em democracias maduras, o ‘ciclo político de negócios’ tem pouca importância como concluíram Alesina e Roubini (1989). Mas na América Latina, Stokes mostrou que há reversão de promessas de campanha em 1/3 das eleições que examinou. Por que alguns candidatos não revelam ex ante seus programas efetivos?

A crítica de Lula é contraintuitiva: afinal por que se apresenta como candidato antirreforma, subscrevendo críticas controversas à esquerda do debate informado sobre política econômica? Por que se desloca em críticas maximalistas e não se move ao centro? Se não se tratar de estelionato eleitoral, estaremos nos deparando com um cenário ainda mais controverso: a reversão de privatizações e reformas críticas. Existe um precedente na Argentina, sob Cristina e Nestor Kirchner, e que envolveu a estatal de Petróleo (YPF), os Correios e a Previdência Social. Não é precedente auspicioso.

Um comentário:

  1. O PT quer reformar do seu jeito,á esquerda.Apesar que a esquerda clássica gosta de revolução e não de reforma.

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