quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Supremo dá valioso recado ao país em ano eleitoral

O Globo

A solenidade que abre os trabalhos do Judiciário no começo de cada ano é sempre motivo de atenção para a sociedade. A sessão solene do Supremo Tribunal Federal (STF) realizada por videoconferência na terça-feira teve um atrativo a mais por se tratar de 2022, um ano de eleições gerais. Ao presidente do STF, ministro Luiz Fux, coube a tarefa de proferir o discurso de abertura. De forma firme e serena, ele mandou recados claros e sensatos. Em tempos normais, muitos comentários poderiam ser classificados como obviedades. Não em 2022.

Fux reconheceu que debates inflamados são parte do jogo democrático, consequência de um ambiente onde circulam diferentes visões sobre os problemas do país e como solucioná-los. Isso tudo é válido. Campanhas que incentivam a polarização extremada não são. “A democracia não comporta disputas baseadas no ‘nós contra eles’”, disse o presidente do STF, que pediu tolerância e moderação nos embates entre os candidatos e seus apoiadores, mas não apenas nesses casos.

Após três anos de governo Bolsonaro, Fux foi categórico: “Não há mais espaços para ações contra o regime democrático e para violência contra as instituições públicas”, declarou. O magistrado não chegou a citar o nome de Jair Bolsonaro, provavelmente porque são de conhecimento público todas as investidas do presidente contra órgãos de controle do Estado.

Lembrando que o STF é o guardião da Constituição, Fux reconheceu que o caminho é árduo e sinuoso, mas que não existe motivo para qualquer pessimismo. “Nesse cenário, o império da lei, a higidez do texto constitucional brasileiro e a liberdade de imprensa reclamam estar acima de qualquer que seja o resultado das eleições.”

Horas mais tarde, ainda na terça-feira, uma outra solenidade marcou o reinício das atividades do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na ocasião, o atual presidente da instituição, Luís Roberto Barroso, criticou Bolsonaro no caso do vazamento de dados do inquérito que apura ataque hacker ao tribunal eleitoral. “Ninguém fornece informações que possam facilitar ataques, invasões, e outros comportamentos delituosos. Tudo aqui é transparente, mas sem ingenuidades. Sempre lembrando que informações sigilosas que foram fornecidas à Polícia Federal para auxiliar uma investigação foram vazadas pelo próprio presidente da República em redes sociais, divulgando dados que auxiliam milícias digitais e hackers de todo o mundo que queiram invadir nossos equipamentos”, disse Barroso.

Após o vazamento, o TSE teve que tomar várias providências de reforço da segurança nos seus sistemas digitais. Na semana passada, Bolsonaro se recusou a atender a uma intimação do STF para depor e prestar esclarecimentos sobre o assunto. A conclusão da Polícia Federal é que houve crime. Bolsonaro violou sigilo funcional para espalhar informações falsas sobre a segurança das urnas eletrônicas. Entretanto, a ausência ao depoimento, ainda segundo a Polícia Federal, não prejudicou as apurações. Como bem disse Barroso na terça-feira, “faltam adjetivos para qualificar a atitude deliberada de facilitar a exposição do processo eleitoral brasileiro para ataques criminosos”.

Assassinato de congolês espancado em quiosque não pode ficar impune

O Globo

O congolês Moïse Mugenyi Kabagambe veio para o Brasil ainda adolescente. Sua família deixou a República Democrática do Congo em meio a violentos conflitos, que levaram à morte muitos de seus parentes. Na noite de 24 de janeiro, Moïse, de 24 anos, teve a vida interrompida a pauladas, socos e pontapés, num quiosque da orla da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, onde fora cobrar uma dívida de R$ 200 referente a dois dias de trabalho.

As imagens das agressões reveladas por câmeras de segurança chocam pela selvageria. Ao menos três homens golpeiam o congolês com um porrete por cerca de 15 minutos até a morte. A vítima teve mãos e pés amarrados com fios. Depois da longa sessão de espancamento, os criminosos tentam reanimá-lo com uma bizarra massagem cardíaca. Tarde demais. O laudo do Instituto Médico-Legal explicita a brutalidade. A causa da morte foi traumatismo no tórax com contusão pulmonar, provocada por ação contundente. Os pulmões tinham áreas hemorrágicas de contusão e vestígios de broncoaspiração de sangue. Segundo um perito, Moïse agonizou por cerca de dez minutos.

A Polícia Civil do Rio está investigando o caso. Enquanto a mecânica do crime não ficar clara, é perigoso imputar racismo ou xenofobia, embora essas chagas estivessem presentes na vida do rapaz. Nos últimos dias, a polícia tomou depoimentos, recolheu imagens de câmeras de segurança e fez pelo menos três prisões temporárias. A prefeitura interditou o quiosque onde aconteceu o crime e suspendeu o seu alvará de funcionamento. Agem corretamente diante da brutalidade e da grande repercussão do fato. Evidentemente, a melhor resposta que se pode dar à barbárie é não deixar que ela permaneça impune. É a sensação de impunidade e a crença de que tudo vai ficar por isso mesmo que criam condições para que essas aberrações se perpetuem.

Mas isso é apenas parte da questão. É fundamental que se reflita sobre a situação de anomalia que conduz a esses crimes bárbaros, num bairro nobre da segunda maior cidade do país e diante de câmeras de segurança. Infelizmente, não se pode dizer que seja um ponto fora da curva. Como mostrou reportagem do GLOBO, o assassinato de Moïse é o terceiro caso de morte por espancamento na orla da Barra em menos de um mês. Não menos preocupantes são as tentativas de linchamento de suspeitos de furtos nas praias da Zona Sul — num intervalo de apenas três semanas, foram contabilizadas ao menos 12. Essas distorções crescem na ausência do Estado. Não se trata de fenômeno regional. Em abril do ano passado, dois suspeitos de furtar carne num supermercado de Salvador (BA) foram entregues por seguranças ao tráfico para serem assassinados. Eles haviam implorado que se chamasse a polícia.

São situações que não condizem com o Estado Democrático de Direito. A sociedade deve rechaçar de forma veemente esses crimes. Sem isso, a pena será normalizar a barbárie.

Trágica rotina

Folha de S. Paulo

Mortes nas chuvas em SP expõem falhas na prevenção e incúria em áreas de risco

O roteiro repete-se há décadas. Por descaso ou conveniência política, autoridades fazem vista grossa para a ocupação de áreas de risco; frágeis construções, mal equilibradas em morros e encostas, multiplicam-se de forma desordenada; as águas de chuvas contínuas, comuns no verão brasileiro, infiltram-se no terreno irregular.

Por fim, a tragédia: toneladas de terra vêm abaixo, arrastando e destruindo o que há pela frente —famílias inteiras, muitas vezes.

A mais recente catástrofe do tipo ocorreu no fim de semana no estado de São Paulo. Até esta quarta (2), os 27 municípios afetados somavam 27 mortos em deslizamentos e alagamentos. Também em razão de enchentes, havia 1.546 famílias desabrigadas ou desalojadas. Sete pessoas estavam desaparecidas.

Até certo ponto, a perda de vidas era previsível e evitável. Com 20 das 27 vítimas, a Grande São Paulo, por exemplo, dispõe de amplo mapeamento geológico. Sabe-se muito bem onde ficam as regiões que jamais poderiam ser habitadas e as que até comportam algumas edificações, desde que obedecendo a restrições e obras de engenharia.

É certo que não faltou "visão de futuro" por parte de quem construiu, como miseravelmente definiu o presidente Jair Bolsonaro (PL) ao sobrevoar as áreas atingidas. Faltou, isso sim, planejamento adequado, responsabilidade e investimento sólido em programas de moradia por parte dos governantes, em todos os níveis.

Nesse aspecto, causa espécie a notícia de que o governo João Doria (PSDB) gastou, em 2021, menos da metade (45%) do dinheiro previsto para obras antienchente. No ano anterior, o percentual desembolsado foi ainda menor: 18%.

Em que pesem questões administrativas e entraves burocráticos, como argumentou a gestão, a tarefa, hercúlea e de longo prazo, vai além de obras de contenção.

Urge uma mudança de orientação: novas ocupações em terrenos instáveis e à beira de cursos d’água devem ser impedidas de imediato, antes que proliferem; projetos habitacionais precisam contemplar prioritariamente moradores das áreas mais perigosas, que, por óbvio, devem ser removidos.

No curto prazo, um sistema de alerta meteorológico efetivo, que contemplasse ampla cobertura da imprensa e mensagens direcionadas por celular, poderia salvar vidas com a retirada prévia das famílias.

Em um planeta ameaçado pelas mudanças climáticas, ações corajosas e concretas do poder público podem evitar que mais cadáveres sejam contabilizados a cada verão —ou talvez já na próxima chuva.

Faz de conta

Folha de S. Paulo

Normas para propaganda partidária são exemplo de irrealismo na lei eleitoral

Ele é candidatíssimo, todos os eleitores o sabem, mas a palavra "candidato" não pode ser usada. A pessoa também não está autorizada a pedir votos, embora seja isso claramente o que ela busca.

Situações de faz de conta, em que todos fingem, não são inéditas no Brasil. Mas, se há um campo em que elas se fazem especialmente gritantes, este é o hiper-regulado direito eleitoral.

Regras universais e padronizações não são um mal, muito pelo contrário. Para comprová-lo basta observar o que se dá nos pleitos norte-americanos, onde estados e até condados gozam de ampla autonomia para definir suas próprias normas de registro de eleitores e candidatos, propaganda, votação, contagem de votos, certificações.

É um sistema desnecessariamente confuso, que oferece muito espaço para contestações. Não há dúvida de que, nessa matéria, estamos melhor. Daí, porém, não decorre que não tenhamos problemas.

Um dos pontos a ser aprimorado é a hipertrofia de regulamentações. Ela fica particularmente visível agora com a volta da propaganda partidária no rádio e na TV.

Frise-se que, no entender desta Folha, tal instituto, redundante e perdulário, deveria ter permanecido extinto. Como ele retornou, porém, os partidos se preparam para utilizá-lo —e precisam ser extremamente cautelosos.

Afinal, se a Justiça entender que alguma das inserções configura propaganda eleitoral antecipada ou infringe alguma outra das às vezes exóticas regras, pode punir a legenda com a subtração de tempo.

O problema é que, no mundo real, a campanha já começou. Obrigar as siglas a circunlóquios para evitar punições amplia a insegurança jurídica e confere um ar de irrealismo às ações da Justiça Eleitoral.

É claro que as datas de início e fim da propaganda oficial precisam ser definidas, mas daí não segue que as autoridades devam combater ativamente a realidade política. Gostem ou não os juízes, a campanha de governantes com direito à reeleição costuma começar no dia em que eles assumem o posto.

Não é o único exemplo de excesso regulatório. A legislação eleitoral, complementada por infinitas resoluções de TREs e do TSE, define até o tamanho máximo do cartaz de propaganda que o cidadão pode afixar em sua janela. Artistas não podem cantar canções em ato de apoio a seu candidato.

Campanhas pedem —e às vezes conseguem— a censura a jornais e pesquisas. Na sua pior versão, como se vê, o ímpeto paternalista chega a comprometer o direito dos votantes à informação.

Judiciário rechaça ameaça às eleições

O Estado de S. Paulo.

Perante as ameaças de Bolsonaro contra as eleições, os presidentes do STF e do TSE reafirmaram a disposição de defender a Constituição e o regime democrático

Ano eleitoral é sempre diferente, tendo características próprias. No entanto, 2022 não é apenas peculiar. É de fato um ano único. É a primeira vez, desde a redemocratização do País, que o ano eleitoral já começa sob o signo da ameaça e da contestação às eleições. O ineditismo da situação atual ficou especialmente visível na abertura do Ano Judiciário de 2022. Nas respectivas cerimônias do dia 1.º de fevereiro, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, e o presidente do Tribunal

Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, reafirmaram a disposição de defender, sem concessões, a Constituição e o Estado Democrático de Direito.

O presidente do STF começou seu pronunciamento dizendo estar “imbuído de profundo senso de cautela”. A atitude é sintomática dos tempos atuais. O ano de 2022 exige estar em alerta. Não é medo, tampouco pessimismo: é apenas a reação natural – e responsável – perante as ameaças contra o sistema eleitoral proferidas pelo presidente Jair Bolsonaro e seus camisas pardas. Há sérios motivos para que, neste ano, sociedade e Judiciário estejam em alerta.

O ministro Luiz Fux assegurou que, em 2022, a pauta de julgamentos da Corte “continuará dedicada às agendas da estabilidade democrática e da preservação das instituições políticas do País”. Além de ser o primeiro tema mencionado entre os numerosíssimos assuntos que estão no Supremo, chama a atenção que, depois de três décadas da Constituição, seja necessário falar, como prioridade nacional, em “estabilidade democrática” e em “preservação das instituições políticas”. Há sintoma mais evidente de que os tempos atuais são realmente muito esquisitos?

O País deveria estar construindo soluções para melhorar as condições de vida e para avançar no desenvolvimento social e econômico da população. Mas não. Com seus ataques e ameaças às instituições, o bolsonarismo traz à tona a mais cabal agenda do retrocesso. Em pleno 2022, o STF é instado a cuidar da “estabilidade democrática”.

O retrocesso bolsonarista atinge também outras áreas. Não basta ao Supremo recordar os princípios básicos do Estado Democrático de Direito, que são evidentes e deveriam ser rigorosamente inegociáveis. A atual linha de batalha é ainda mais recuada. Em seu discurso, o ministro Luiz Fux defendeu o uso das “bússolas da razão e da ciência”. Eis o resultado da degradação intelectual e cívica provocada pelo bolsonarismo. Agora, o STF tem de homenagear e fazer valer os princípios da epistemologia e da lógica, uma vez que Jair Bolsonaro e seus seguidores cultivam a ignorância e praticam o negacionismo na vida pública.

Por sua vez, na cerimônia de abertura do Ano Judiciário no TSE, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu a democracia, o sistema eletrônico de votação e o jornalismo. “No mundo da pós-verdade, dos fatos alternativos, nunca foi tão importante o trabalho da imprensa”, disse.

Ao mencionar as várias tentativas de desqualificar o processo eleitoral brasileiro, o presidente do TSE lembrou a absurda situação ocorrida no ano passado, quando o próprio presidente Bolsonaro divulgou em suas redes sociais informações sigilosas de uma investigação. Segundo Luís Roberto Barroso, eram “dados que auxiliam milícias digitais e hackers de todo o mundo que queiram invadir nossos equipamentos”.

A conclusão faz-se óbvia. O ano de 2022 exige alerta máximo. O atual inquilino do Palácio do Planalto não apenas deu repetidos sinais de desapreço pela democracia e pela lei, como já afirmou que, dependendo do resultado das eleições de outubro, poderá não aceitá-lo, tal como fez Donald Trump nos Estados Unidos. A ameaça de Jair Bolsonaro foi suficientemente clara.

Hoje, a rigor, não existe conflito entre Poderes, como se o STF também estivesse provocando tensões ou atritos. O que se tem é Jair Bolsonaro na Presidência da República, atuando como sempre atuou, desde os tempos de mau militar. É a recalcitrância nesse histórico, tão pouco exemplar, que suscita cuidado e vigilância, como bem entendeu o Judiciário. Felizmente.

O desafio da reindustrialização

O Estado de S. Paulo.

Um novo presidente poderá interromper o retrocesso e retomar a construção de um moderno e forte setor industrial

Reconstruir a indústria, retomando o caminho da modernização, será uma das grandes tarefas do próximo governo, se o novo presidente for capaz de entender as potencialidades do Brasil, de seguir uma estratégia e de repensar a inserção internacional do País. Não bastará compensar as perdas ocasionadas pela pandemia. Será preciso frear o retrocesso histórico iniciado no período petista e acelerado a partir de 2019. Depois do tombo de 2020, a produção industrial reagiu e cresceu 3,9% em 2021, mas ainda ficou 0,9% abaixo do patamar de fevereiro do ano anterior, quando apenas se percebiam os primeiros sinais do surto de covid-19. Mas o desafio real é muito mais complexo do que retornar ao nível pré-pandemia. No fim do ano, o setor industrial ainda produziu 17,7% menos que em maio de 2011, o pico da série histórica tomada como referência pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa diferença é muito mais que um problema conjuntural.

Sem inovação, sem eficácia e sem poder de competição, a maior parte da indústria brasileira perdeu espaço no mercado internacional na última década. Alguns segmentos ainda tiveram sucesso e algumas empresas brilharam competindo no exterior, mas foram exceções. Houve perdas até nos mercados sul-americanos, normalmente os mais acessíveis para os produtos brasileiros. Dentro e fora do País, o quadro geral do setor manufatureiro foi de retrocesso.

A produção da indústria geral diminuiu em seis dos dez anos de 2012 a 2021, de acordo com o IBGE. Variações negativas só haviam ocorrido em um dos dez anos encerrados em 2011. Foi uma queda de 7,1% em 2009, na maior crise financeira internacional deste século. Outras diferenças importantes marcaram os dois períodos. A economia foi mais próspera no primeiro, a inflação foi mais moderada, a política monetária foi mais severa e o controle das contas públicas foi mais efetivo, embora algum afrouxamento fosse visível já em 2010.

O enfraquecimento da indústria, bem visível a partir de 2012, resultou de equívocos políticos bem conhecidos, como a estratégia de favorecimento dos chamados “campeões nacionais”, e da erosão dos fundamentos econômicos. As contas públicas se desmontaram, a política monetária se tornou ineficaz, a inflação disparou, o investimento produtivo fraquejou e o País afundou na recessão, enquanto a presidente Dilma Rousseff era submetida a um processo de impeachment, acusada de violação grave de normas fiscais.

A economia saiu da recessão, mas sua expansão nunca chegou a 2% nos primeiros três anos de retomada. A maior parte da indústria continuou sem vigor, e a administração instalada em 2019 nunca pareceu incomodada por esse fato. Mais que isso, essa administração nunca apresentou planos e metas de crescimento econômico nem programas de modernização e de ganhos de competitividade.

O Ministério da Educação logo se ajustou aos padrões intelectuais e políticos do presidente Jair Bolsonaro. Também se ajustou o Ministério de Ciência e Tecnologia, humilhado e desmoralizado por ataques presidenciais ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), produtor de imagens de satélite comprovadoras da devastação ambiental favorecida pela nova administração federal.

Sem compromisso com a educação, com a ciência, com a tecnologia, com a produtividade e com as condições gerais da indústria, o poder central tentou favorecer o empresariado com o barateamento da mão de obra. Esse barateamento ocorreu, de fato, mas como consequência da estagnação econômica, do desemprego e da precarização das condições de trabalho, façanhas do desgoverno instalado há pouco mais de três anos.

Iniciado há mais de um século, o esforço de industrialização acentuou-se a partir dos anos 1940 e prolongou-se por muitas décadas. Foi mantido por governos autoritários e democráticos, ideologicamente distintos, mas igualmente comprometidos, cada um à sua maneira, com ideais de modernização e de desenvolvimento. Em 2023 alguém poderá, no Palácio do Planalto, retomar essa agenda.

FMI suaviza acordo com Argentina e divide governo

Valor Econômico

Nada há sobre metas para a inflação

Depois de se meter em uma enrascada ao fazer o maior acordo de stand by de sua história com a Argentina, no qual desembolsou rapidamente US$ 44,5 bilhões sem que praticamente nenhuma meta fosse cumprida, o Fundo Monetário Internacional repete a aposta e, aparentemente, com condições mais suaves do que as do programa fracassado.

O presidente Alberto Fernández e seu ministro da Economia, Martín Guzmán, disseram que das negociações com o FMI resultaram objetivos realistas que não desviam o governo de sua política econômica. O filho de Cristina Kirchner, Máximo Kirchner, líder da Frente de Todos na Câmara dos Deputados, renunciou ontem ao posto, dizendo o contrário: não concorda com o acordo e não quer ter nada a ver com os resultados de sua execução.

O governo argentino é bifronte. Fernández governa à sombra da vice-presidente Cristina Kirchner, que controla as correntes kirchneristas radicais, como o La Cámpora, de Máximo. Quando os peronistas perderam as primárias de outubro, ela ordenou que ministros aliados se retirassem do gabinete e exigiu reforma no poder, no que foi acatada pelo presidente, que perdeu até seu chefe de gabinete, mas manteve Guzmán na Economia.

Não se sabe o que Cristina pensa da ação do filho, mas sabe-se que ela não concorda com restrições a gastos ou a subsídios que o acordo trará. A saída do líder parlamentar do governo é a primeira salva de tiros de uma nova refrega entre os moderados de Alberto Fernández e os kirchneristas. Marca também o distanciamento prévio da vice-presidente de eventuais fracassos do programa.

Estranhamente, o pré-acordo divulgado, ao qual faltam detalhes importantes, é bastante suave em relação ao que se poderia esperar do Fundo. Uma avaliação feita em dezembro do fracasso do stand by anterior apontou o gradualismo da execução das metas e a condescendência com os desejos do governo anterior como alguns dos motivos do naufrágio do plano. A receita agora, ao que parece, é a mesma. O propósito do Fundo é evitar novo default da Argentina, que não tem dinheiro para pagar os empréstimos da instituição que começaram a vencer.

O anúncio do entendimento com o Fundo pelo governo conteve muito mais informações sobre o que a Argentina não será obrigada a fazer do que sobre os rumos gerais a tomar. Alberto Fernández e Guzmán afirmaram que ele não contem restrições que impeçam o crescimento, que não haverá queda do gasto real, que ele permite aumento dos investimentos públicos e não estabelece reformas estruturais a perseguir.

As metas divulgadas não são definitivas ainda. O déficit primário deverá cair para 2,5% do PIB este ano, 1,9% em 2023 e 0,9% em 2024. Até outubro, o déficit primário foi de 3,1% (US$ 12,65 bilhões), mas o orçamento enviado de 2022 estimava déficit de 4% em 2021 e de 3,3% em 2022. Não é um esforço gigantesco, mas também não é trivial em um país onde o Banco Central financia o déficit do Tesouro. A Argentina se comprometeu a reduzir esse financiamento de 3,7% do PIB a 1% este ano, a 0,6% em 2023 e cessá-lo em 2024. Ou seja, já em 2022 o BC cobrirá menos da metade do déficit primário almejado, de 2,5% do PIB.

Não há um caminho claro de como se fará isso. O FMI indicou um rumo de “consolidação fiscal”, no qual a “redução dos subsídios de energia será fundamental para melhorar a composição do gasto público”. Com o congelamento, esse subsídio subiu para 2,4% do PIB (cerca de US$ 10 bilhões), quase do tamanho do déficit primário total. Por aí há ganhos econômicos possíveis, mas encrenca política certa com os kirchneristas. Pelo acordo a Argentina terá de praticar taxas de juros positivas (hoje em torno de 40%, ante uma inflação de pouco mais de 50%), o que implica aperto considerável.

Nada há sobre metas para a inflação. O FMI deu aval ao acordo de preços como um dos instrumentos para baixá-la, mas ele é inócuo. O acordo anterior primeiro indicou o sistema de metas, que foi abandonado por outro de metas quantitativas monetárias. Não se sabe o que virá agora, ou se virá algo.

Nem todo o pragmatismo do FMI, porém, pode ser suficiente para conter a oposição de uma parte dos peronistas a qualquer acordo com a instituição. Ele terá que ser ratificado pelo Congresso, onde o governo perdeu a maioria - e o líder da ex-maioria governista, contrário a ele, renunciou. É um péssimo sinal sobre as chances de um novo programa vingar ou sobre a disposição de uma parte importante do governo de se esforçar para isso.

 

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