quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Invasão redesenha mapa geopolítico do Pós-Guerra Fria

O Globo

A entrada de tropas russas em território ucraniano, depois do discurso agressivo em que Vladimir Putin contestou a própria existência da Ucrânia como país independente da Rússia, pôs em marcha um conflito de desdobramentos ainda imprevisíveis no curto prazo. Já houve escalada da mera diplomacia ao endurecimento de sanções, por parte tanto dos americanos quanto dos europeus. A Alemanha suspendeu a licença para um novo gasoduto que traria energia russa à Europa Ocidental.

Analistas se debruçam agora sobre cenários de invasão que vão desde a anexação das duas províncias ucranianas de maioria étnica russa — que a Rússia reconheceu como independentes — até a ocupação de toda a Ucrânia, com ataques aéreos e o avanço dos 190 mil soldados mobilizados por Putin. Independentemente do dano que qualquer conflito venha a causar à região e do choque inevitável na economia global — cujo primeiro sinal é a nova alta na cotação do petróleo —, estão no médio e longo prazos as consequências mais preocupantes.

A maior delas é o redesenho do mapa estratégico do planeta em vigor desde o fim da União Soviética. Na Europa, isso se traduz no ressurgimento da Rússia como potência militar com uma esfera de influência estendida às fronteiras dos países da Europa Oriental que integram a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan): Polônia, Hungria, Romênia, Eslováquia, Lituânia, Letônia e Estônia. A agressão russa põe a Otan diante de uma questão crítica: até que ponto empenhar armas e contingentes militares para defender essas fronteiras? Só esse dilema já representaria uma vitória estratégica para Putin, cuja disposição para correr riscos e perseguir seus objetivos tem superado em muito a do Ocidente.

No outro extremo do planeta, tudo dependerá da reação do ator mais importante a emergir no novo mapa geopolítico: a China. A tibieza americana para defender a Ucrânia e os aliados do Leste de investidas russas seria inevitavelmente interpretada pelos chineses como medida de até onde os Estados Unidos estariam dispostos a ir para defender outra área em disputa: a ilha de Taiwan, que a China também considera parte de seu território. Se Moscou obtiver sucesso na invasão da Ucrânia, a questão óbvia passará a ser: que fará Pequim em relação a Taiwan?

Não é acaso, portanto, que os movimentos militares de Putin tenham sido precedidos do anúncio de uma aliança com o líder chinês, Xi Jinping. A China lhe traz fôlego para resistir a sanções de toda sorte. Interessa a Xi uma parceria estratégica para enfraquecer as pretensões americanas na Europa ou em qualquer lugar, de modo a ampliar seu poder. A disputa que até agora se restringe ao campo econômico poderia adquirir um caráter bélico.

Para o Ocidente, o momento não poderia ser menos propício a aventuras militares. O mundo ainda não se recuperou da pior pandemia em mais de um século, a inflação ressurgiu com força nos países ricos, e o ânimo isolacionista e nativista toma conta dos debates em todas as democracias. Em contraste com o ímpeto agressivo de Putin, a atitude dos líderes ocidentais tem sido apostar no apaziguamento por meio de sanções, nas instituições e nos caminhos de uma ordem global que se revela ineficaz e caduca. A maior prova do fracasso da estratégia adotada depois da Guerra Fria é que hoje é Putin quem dita o passo desse jogo.

Demanda salarial da polícia mineira é injusta e precisa ser rejeitada

O Globo

Se confirmada a paralisação de agentes de segurança — policiais civis, militares, penais e bombeiros — em Minas Gerais, ela deve ser repelida e condenada. Por pelo menos dois motivos. Primeiro, porque forças de segurança são proibidas legalmente de cruzar os braços e deixar os bandidos à vontade. Não existe greve, mas motim. A sociedade não pode ficar refém do sindicalismo de servidores armados. O segundo motivo é a saúde das contas públicas. O governador mineiro Romeu Zema (Novo) está certo ao reconhecer a necessidade de reposição salarial, mas “com responsabilidade e previsibilidade fiscal”.

Em artigo publicado ontem no GLOBO, o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung e Bruno Funchal, ex-secretário do Tesouro, demonstraram com números a importância do controle dos gastos com pessoal. Juntos, todos os estados brasileiros terminaram 2021 com R$ 140 bilhões em caixa e R$ 78 bilhões de superávit primário (diferença entre receitas e despesas, sem levar em conta gastos com juros da dívida).

Uma das principais causas desse resultado excepcional foi a Lei Complementar 173, aprovada em 2020 para enfrentar a pandemia. Ela proibiu aumentos ou concessão retroativa de reajuste a servidores em 2020 e 2021. Em dois anos, houve queda de 7% na despesa com pessoal, descontada a inflação. Pelas contas de Hartung e Funchal, se os governadores tivessem dado reajustes para cobrir a alta de preços nesses dois anos, as despesas com pessoal teriam aumentado R$ 43 bilhões.

Uma das lições da pandemia para os governadores é que não há alternativa senão controlar o gasto com servidores. Funcionários públicos têm direito a protestar contra a corrosão da renda diante do aumento de preços. Mas devem lembrar que esse é um problema que atormenta todos os trabalhadores, não apenas o setor público. Por que somente os funcionários dos estados, já privilegiados pela estabilidade no emprego e outras benesses, deveriam ter reposição salarial? Considerando os efeitos na sociedade, é uma demanda injustificável.

Estados com as contas no vermelho são sinônimo de menos atenção aos mais pobres (grupo muito mais prejudicado pela inflação alta que os servidores); falta de investimentos em estradas, pontes, postos de saúde e escolas; dívida pública maior e mais cara; e, contra o interesse do próprio funcionalismo, a volta para o padrão de atraso no pagamento de salários.

Em ano eleitoral, no mínimo 13 governadores já anunciaram reajustes, seguindo a máxima “o que importa é ganhar na urna”. Zema até agora tem se mantido firme. Condiciona a reposição dos salários à adesão de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), programa federal que visa a tornar as dívidas dos estados sustentáveis no longo prazo. No embate em curso em Minas Gerais, os eleitores precisam ficar atentos para perceber quem está a favor da lei e quem está contra.

O show de Putin

Folha de S. Paulo

Russo rasga direito internacional em nome da realpolitik; por ora, está ganhando

Em quase 23 anos de poder no Kremlin, Vladimir Putin nunca foi conhecido como um estrategista sofisticado. Sempre pareceu agir mais de forma tática, saltando de galho em galho nas crises internacionais, buscando extrair o máximo de vantagens imediatas.

Na atual contenda em torno da Ucrânia, entretanto, o presidente russo tem mostrado uma faceta que revela seus objetivos mais permanentes. Em consonância com sua fama de implacável, não tem poupado o direito internacional durante a empreitada.

O que Putin deseja pode ser resumido —dispensando as minúcias da composição étnica russa do leste ucraniano— em um ponto: restaurar áreas de isolamento entre suas fronteiras e as de seus adversários, como fizeram antes czares e líderes do Partido Comunista.

Há o componente militar do propósito, que visa afastar tropas da Otan que o Ocidente teimou em fazerem cercar a Rússia após a vitória na Guerra Fria, e o político. A União Europeia, tropa civil dessa disputa, é um garoto-propaganda da democracia liberal que Putin deseja ver longe de inspirar alguma oposição em casa.

A relação do russo com o autocrata húngaro Viktor Orbán, um estranho no seio de Bruxelas, apenas prova que há também uma queda de braço ideológica em curso.

Na segunda (21), Putin elevou ao paroxismo a até agora bem-sucedida manobra de explicitar aos Estados Unidos, que considera o único interlocutor que importa nessa disputa, seus objetivos geopolíticos.

Reconheceu as autoproclamadas repúblicas separatistas étnicas russas no Donbass (região no leste da Ucrânia), oito anos depois do início da guerra civil na qual as ajudou a minar as pretensões europeias do governo em Kiev

Com isso, e talvez 150 mil soldados mobilizados em torno da Ucrânia, Putin quer dar credibilidade à sua ameaça. Se enviar forças em apoio aos separatistas, como anunciou e depois disse só cogitar, o russo violará o território vizinho. Só não será um ato de guerra porque as áreas, na prática, já são ocupadas por seus lacaios.

Os EUA e a Europa anunciaram sanções mais duras contra o Kremlin, mas até aqui o instrumento não logrou seus objetivos. Se estabelecer as novas fronteiras como fato consumado, repetirá a operação que comandou pelos mesmos motivos na Geórgia, em 2008. Ali, houve uma curta guerra; aqui, a vitória poderá vir sem um tiro.

É realpolitik. Mas a lição que fica ao mundo é deletéria, já que entroniza a volta da força bruta no domínio das relações internacionais e recompensa um regime que, embora tenha seus motivos na peleja com o Ocidente, esposa valores crescentemente autoritários.

Mais um vizinho

Folha de S. Paulo

Colômbia é outro país a descriminalizar o aborto, expondo o atraso do Brasil

Embora seja ainda uma das regiões do mundo com mais restrições à interrupção legal da gravidez, a América Latina tem conhecido, nos últimos tempos, avanços significativos nessa seara.

Em menos de um ano, a Argentina e o México tornaram-se os dois primeiros grandes países latino-americanos a descriminalizar a prática. Na segunda-feira (21), a Colômbia, o terceiro mais populoso da região, juntou-se a esse grupo precursor, composto ainda por Cuba, Uruguai e Guiana.

Pela margem mínima de 5 votos a 4, a Corte Constitucional do país vizinho decidiu que nenhuma colombiana poderá mais ser processada por realizar aborto até a 24ª semana de gravidez. Até então, o procedimento só era admitido nos casos de estupro, má formação do feto e risco de morte da mãe.

Ao retirar o aborto do rol de delitos presentes no Código Penal, o tribunal não só concede às mulheres um direito sobre seus corpos como também evita que aquelas que já haviam sido obrigadas a se submeter a um procedimento clandestino venham ainda a amargar um processo judicial.

Chegam anualmente à Justiça colombiana cerca de 400 casos de interrupção de gravidez, sujeitos a penas que variam de 16 a 54 meses de prisão —e 346 mulheres já foram condenadas por aborto, das quais 85 menores de idade.

A maior parte desses casos termina vindo à tona por meio de denúncias de funcionários da área da saúde, uma vez que também era considerado crime que um hospital deixasse de relatar casos de colombianas que buscassem ajuda médica após complicações resultantes de uma tentativa de aborto.

Por ora, a deliberação da suprema corte garante apenas que a interrupção da gestação não mais será tratada sob a ótica penal.

A decisão, contudo, deve estimular o Congresso, para onde se dirige agora a pressão dos grupos feministas, a aprovar uma lei que garanta a realização segura e gratuita do procedimento, como ocorre, por exemplo, na Argentina.

O recente avanço latino-americano deixa ainda mais evidente o atraso do Brasil. Por aqui prevalece o temor de tratar o tema sob a ótica da saúde pública, como defende esta Folha, e buscar o convencimento da sociedade.

O debate acaba esvaziado, enquanto o exemplo colombiano serve para que Jair Bolsonaro (PL) exiba seu simplismo conservador sem enfrentar maior contraponto.

Putin testa o mundo

O Estado de S. Paulo

Ao botar um pé na Ucrânia, autocrata russo expôs inequivocamente suas intenções imperialistas. As sanções precisarão ser igualmente inequívocas

A esperança de dissuasão de uma invasão russa à Ucrânia ficou no passado, a dúvida agora é sobre sua escala. O presidente russo, Vladimir Putin, expôs suas intenções. Mas a resposta do Ocidente segue envolta em nuvens de incerteza.

Na segunda-feira, Putin, ao mesmo tempo que negou o direito à independência da Ucrânia, reconheceu a independência dos enclaves separatistas de Donetsk e Luhansk, anunciando o envio de tropas.

A Otan declarou que a Rússia está fabricando um pretexto para assaltar Kiev. A Alemanha suspendeu a certificação do gasoduto da Rússia Nord Stream 2. Os EUA e a União Europeia anunciaram sanções aos separatistas e a alguns indivíduos e negócios russos. Mas tudo ainda longe das tão prometidas “consequências massivas”.

Enquanto 190 mil soldados da Rússia seguem instalados nas fronteiras da Ucrânia, seu aparato de propaganda e desinformação avança. O entourage de Putin alega que os líderes ucranianos são “nazistas”, que está em curso um “genocídio” da população russa na Ucrânia e que o país é um fantoche usado pela Otan para “desmantelar a Federação Russa”.

Nas últimas semanas, Putin logrou desestabilizar o governo ucraniano; reafirmou sua autocracia, desviando a atenção das dificuldades econômicas e de figuras da oposição; ensaiou exercícios com mísseis nucleares para intimidar os adversários; e estreitou a cooperação com a China. Mas o sucesso estratégico desses avanços táticos dependerá da resposta do Ocidente.

É plausível que Putin tenha calculado uma repetição da invasão à Crimeia, em 2014, que pegou o Ocidente desprevenido. Mas hoje as condições são outras.

A mídia ocidental está menos vulnerável à desinformação russa, os serviços de inteligência puseram as manobras de Putin sob holofotes, e atrocidades na Ucrânia seriam difundidas em tempo real de smartphones para o mundo. A Otan expôs a intransigência de Putin e desarmou suas acusações de intransigência da Otan, ao se oferecer para negociar restrições a armamentos e exercícios militares. Os aliados prometem apoio diplomático e militar sem precedentes à Ucrânia, e a ameaça galvanizou o sentimento dos ucranianos de que seu destino está com o Ocidente.

A Rússia tem muito a perder, a começar pelo sangue e dinheiro derramados em solo ucraniano em prol de um megalômano. O isolamento comercial e financeiro da Rússia pode até favorecer os membros do Politburo, que já sofrem sanções e controlam a “fortaleza econômica” erguida desde 2014, mas feririam severamente os empresários russos e a população, criando o risco de revoltas populares. O ônus seria lançar definitivamente Putin nos braços de Xi Jinping, mas isso não compensaria as perdas econômicas e condenaria a Rússia a ser um satélite diplomático menor e um exportador de commodities baratas à China.

A debacle dos EUA no Afeganistão, o governo de transição na Alemanha, o ano eleitoral na França e as agruras políticas do premiê britânico, Boris Johnson, seguramente foram computados por Putin como fraquezas a serem exploradas. Se são de fato, o mundo está para descobrir. A dissuasão é possível, mas a retaliação econômica precisa ser mais enérgica. “Não precisamos das sanções após o bombardeio e após nosso país ser alvejado ou após não termos mais fronteiras e após não termos mais economia”, disse o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, a aliados reunidos em Munique. O mesmo pode ser dito de apoio militar.

No pior dos cenários, Putin pode desencadear uma blitzkrieg com a mesma brutalidade empregada na Chechênia e na Síria. A guerra ameaça toda a ordem europeia pós-2.ª Guerra. Mas ela ainda pode ser evitada se o Ocidente tiver aprendido com a história. Após a invasão da Crimeia, também foram prometidos “danos massivos”, mas quatro anos depois a Rússia recebia uma Copa do Mundo. O pretexto de invadir a Ucrânia em solidariedade a etnias russas ecoa a anexação dos Sudetos pela Alemanha hitlerista. Até agora as nações ocidentais mostraram mais força nas palavras do que em seus atos, mas, se não quiserem ser mais uma vez reféns de um ditador, precisarão galvanizar essas ameaças em ação.

Justiça deve ser e parecer imparcial

O Estado de S. Paulo

A imparcialidade da Justiça é exigência da Constituição. Além das causas de impedimento e suspeição, existe a quarentena de três anos para ex-juiz atuar na mesma vara

Ao tratar dos direitos fundamentais, a Constituição estabeleceu, no art. 5o, que “não haverá juízo ou tribunal de exceção” e que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Trata-se de importante limitação do poder do Estado, que assegura duas características indispensáveis da atividade judicial. O órgão julgador deve ser independente e imparcial.

O cuidado da Constituição com a imparcialidade do juiz confirma que o assunto, longe de ser formalidade burocrática, é requisito essencial da administração da Justiça. O Estado só tem direito a estabelecer uma decisão judicial sobre determinada questão por meio de um órgão julgador “competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei”, como expressamente previu a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.

Além disso, em defesa da independência da Justiça, evitando situações de conflito de interesses, a reforma do Judiciário de 2004 estabeleceu uma quarentena para os magistrados. “Aos juízes é vedado exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração”, dispôs a Emenda Constitucional (EC) 45/2004.

Esse marco jurídico cristalino contrasta, no entanto, com algumas condutas de magistrados em processos de falência e de recuperação judicial. Alguns dos casos foram ou estão sendo investigados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo o Estado apurou, juízes pediram demissão e, logo depois, integraram bancas e consultorias que atendem empresas em dificuldades financeiras, cujos processos antes tramitavam sob sua jurisdição.

Por exemplo, em maio de 2021, um mês depois de sua exoneração, um exjuiz de falências e recuperações judiciais de São Paulo já atuava como representante da Laspro Consultoria, uma das maiores administradoras judiciais do Estado de São Paulo. Antes, havia indicado esse escritório em pelo menos três processos que conduziu como juiz. O ex-magistrado não viu, no entanto, conflito de interesses. “Quando das nomeações, a minha ida à Laspro não era sequer uma hipótese”, disse ao Estado.

Noutro caso, também um ex-juiz de falências e recuperações judiciais de São Paulo associou-se a um escritório de advocacia que defende clientes em processos da mesma vara em que tinha sido juiz. Em pelo menos um processo, houve procuração ao ex-magistrado para atuar na defesa do credor de uma empresa cujo processo de falência foi conduzido pelo então juiz. Questionado pelo jornal, o ex-magistrado disse que essa procuração era fruto de um equívoco, que, tão logo descoberto, foi corrigido.

Tanto o CNJ como os tribunais têm sido instados a se manifestar sobre suspeita de parcialidade de juízes. Num caso, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo determinou a aposentadoria compulsória de um juiz, acusado de atuar indevidamente ao lado de um administrador judicial. Segundo a Corregedoria do tribunal, o filho do juiz teria uma sociedade informal com esse administrador.

Também não se pode ignorar que existem falsas denúncias perante o CNJ, com o objetivo de constranger os magistrados e, assim, limitar sua independência. Os órgãos de controle precisam ser criteriosos, para evitar tanto impunidades como injustiças. Para isso, é fundamental exigir o cumprimento dos requisitos constitucionais e legais da magistratura, evitando dúvidas desnecessárias sobre a independência e a imparcialidade do juiz.

Nessa trajetória de fortalecimento institucional do Judiciário, é também importante prover uma compreensão mais qualificada – mais constitucional e rigorosa – das hipóteses de impedimento e suspeição do juiz. Acertadamente, o Congresso ampliou, com o Código de Processo Civil de 2015, as causas de impedimento, fixando critérios mais precisos para a avaliação das situações em que a imparcialidade do juiz é descaracterizada. A todos, juízes e jurisdicionados, interessa que a Justiça pareça e seja de fato imparcial.

Tensão na Ucrânia piora quadro inflacionário global

Valor Econômico

O precário quadro fiscal e as incertezas eleitorais deixam pouco espaço para o BC ser flexível

Além dos sérios e preocupantes impactos humanitários, as tensões na Ucrânia devem ter repercussões econômicas importantes. Agravam o já complicado quadro inflacionário global e se somam a outras forças que atuam para desacelerar o crescimento mundial.

Ainda é cedo para delimitar o tamanho do estrago, mas parece certo que o custo de energia será mais alto. A Rússia é o terceiro maior produtor de petróleo do mundo, e está na segunda posição na exploração de gás natural. Ontem, a cotação do petróleo brent encostou perto de US$ 100 dólares o barril.

A alta dos custos de energia ocorre a despeito de, neste momento, os Estados Unidos e a Europa terem imposto sanções apenas moderadas, sem limitar as exportações atuais. As sanções mais pesadas ficaram para depois, na esperança de forçar uma negociação e evitar que as tensões na Ucrânia evoluam para uma guerra.

O presidente americano, Joe Biden, anunciou o bloqueio de duas grandes instituições financeiras russas nos mercados ocidentais, além de limites à negociação da dívida soberana do país. O chanceler alemão, Olaf Scholz, suspendeu a certificação do gasoduto Nord Stream 2, que fará uma ligação direta entre a Rússia e a Alemanha, sem passar pela Ucrânia. O projeto, porém, ainda não está operando, e a medida basicamente limita a oferta futura de gás.

Os mercados financeiros mundiais, no entanto, já precificam uma boa parte dos riscos de uma escalada no conflito, com a queda das Bolsas, movimento de fuga de investidores para ativos de menor risco e alta de preços de commodities, incluindo agrícolas, metais e energia.

O resultado mais provável de tudo isso é um novo impulso na inflação, num momento em que os bancos centrais de países desenvolvidos enfrentam dificuldades para reinar sobre a carestia criada pela pandemia.

No caso das economias ricas, o que preocupa sobretudo é a alta dos custos de energia. Economias de renda média e baixa devem sofrer também com a alta de preços de alimentos. A Rússia e a Ucrânia são importantes produtores de trigo. Há impactos indiretos: a alta de preços do gás deve encarecer os fertilizantes, que são muito dependentes desta fonte de energia.

Ainda não está completamente claro como o Federal Reserve (Fed) e o Banco Central Europeu (BCE) vão reagir. De um lado, a inflação tende a se acelerar. Mas, de outro, o crescimento econômico tende a perder vigor, com a maior aversão a risco e a corrosão da renda das famílias, provocada pela alta de preços de alimentos e de energia.

Os juros mais longos dos Estados Unidos expressam um pouco desse dilema. O retorno do título de 10 anos do Tesouro americano recuou. Esse movimento pode refletir apenas uma fuga dos investidores para o porto seguro dos papéis do governo dos EUA. Pode ser também uma indicação de que o aperto monetário sinalizado pelo Fed será temporário - e as forças recessivas tenderiam a prevalecer, demandando novos estímulos.

No Brasil, a cotação do dólar caiu 1,09% ontem, para R$ 5,05, transmitindo a falsa impressão de que a nossa economia está alheia aos impactos da crise geopolítica na Ucrânia. Quem mostra a verdade dos fatos é a curva de juros futuros, que registrou alta, também no pregão da terça-feira.

A taxa de câmbio reflete vários fatores. Alguns meramente técnicos, como o fim do chamado “overhedge” em 2021, que fazia os bancos comprarem dólares em excesso no mercado futuro. Há ainda uma rotação de carteiras de investimentos, com a migração de capitais estrangeiros das ações superavalorizadas de tecnologia para ativos mais baratos em países emergentes. A alta das commodities favorece o real. Os juros em dois dígitos também são uma poderosa força atratora de capitais voláteis.

O recado que o mercado de juros dá, porém, é que o ganho obtido com a valorização do real é insuficiente para cobrir os custos mais altos de produtos importados. O principal é o petróleo, mas pode haver impactos também nos preços de alimentos, com a alta das cotações do trigo, milho e soja.

Ao contrário dos banqueiros centrais de países desenvolvidos, por aqui a política monetária é calibrada com olho exclusivamente na inflação. O precário quadro fiscal e as incertezas eleitorais deixam pouco espaço para o Banco Central ser flexível, daí os mercados colocarem prêmios na curva de juros. O desdobramento mais provável será mais inflação e menos crescimento econômico.

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