segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Criatividade ajuda a elevar índices de vacinação infantil

O Globo

Diante da omissão do Ministério da Saúde e de decisões obscuras que só servem para boicotar a campanha de vacinação infantil, governos locais, profissionais de saúde e instituições assumiram o protagonismo necessário para imunizar 20 milhões de crianças de 5 a 11 anos o mais rápido possível. São louváveis as iniciativas em andamento nos mais diversos cantos do país para aumentar os índices de cobertura — um mês depois de iniciada a aplicação das doses para essa faixa etária, menos de um terço das crianças foi vacinado.

É um alento ver a criatividade ocupar o lugar do obscurantismo. Num posto de Goiânia (GO), profissionais na linha de frente da imunização se vestiram de super-heróis para atrair a atenção das crianças e tornar menos tenso o momento da picada. Viraram heróis de verdade: a iniciativa aumentou a frequência de 60 para cerca de 150 por dia, como mostrou o jornal “Hoje”. Inúmeras cidades pelo país passaram a emitir “certificados de coragem” aos pequenos que estendem o braço à agulha. Outras distribuíram brindes. Em Belo Horizonte (MG), locais de vacinação se tornaram playgrounds. Um centro de saúde de Aquidauana (MS) emprestou óculos de realidade virtual para distrair os pequenos.

Há centenas de iniciativas por todo o país. Merecem registro também as secretarias que têm promovido “busca ativa” para localizar os não vacinados. No Rio, onde nem metade das crianças tomou vacina, a prefeitura decidiu levar a campanha às escolas. Pedidos de autorização são enviados aos pais, os que quiserem podem acompanhar os filhos. O governo de São Paulo levará postos volantes para dentro de escolas públicas e particulares.

É inegável que os obstáculos criados pelo presidente Jair Bolsonaro, contrário à vacinação, e pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga — que adota postura ambígua sobre o assunto —, têm impactado a campanha. Não se podem desprezar também os efeitos nocivos dos movimentos antivacina, que têm ganhado espaço no Brasil. Carros de som propagando mentiras e cartazes criminosos comparando as vacinas aprovadas pela Anvisa a venenos contribuem para disseminar medo e desconfiança nos pais.

Fez bem o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), em proibir o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos de criar um canal para receber denúncias de pais contrários à vacinação. O argumento estapafúrdio da ministra Damares Alves era defender os direitos humanos. Deveria se preocupar com o principal deles: o direito à vida. Lewandowski ordenou ainda que sejam retiradas as absurdas notas técnicas do governo que questionam a eficácia e a obrigatoriedade da vacinação.

Como mostrou reportagem do GLOBO, enquanto o país perdia tempo precioso com discussões inúteis sobre a necessidade da vacinação infantil, seis crianças morreram de Covid-19 e 124 contraíram a forma grave da doença, uma tragédia. Em razão dos obstáculos criados pelo Ministério da Saúde, como uma absurda consulta pública, a campanha de vacinação começou tarde e ainda não engrenou como deveria. Nesse cenário de incertezas e dúvidas fabricadas, são alentadoras as iniciativas que surgem de forma criativa por todo o país e a abnegação de profisionais de saúde para elevar os índices de vacinação. Funcionam como antídoto contra os males do negacionismo.

As lições da crise dos caminhoneiros canadenses para o Brasil e o mundo

O Globo

O protesto de caminhoneiros e manifestantes antivacina no Canadá tem inspirado movimentos semelhantes noutras partes do mundo e demonstra o poder de mobilização de pequenos grupos de defensores de teorias conspiratórias. Ecoa o mesmo espírito e reúne o mesmo perfil dos que invadiram o Capitólio em Washington ou promoveram a revolta dos “coletes amarelos” na França. Num momento em que parte maior da população sente a fadiga provocada pelas restrições adotadas para combater a pandemia, extremistas se aproveitam para sair das sombras e aumentar seu poder de confusão. Continuam sendo uma parcela minoritária, mas extremamente barulhenta.

No final de janeiro, caminhoneiros saíram de todas as partes do país rumo à capital Ottawa, para o que seria em princípio um protesto. Chegando lá, ocuparam a cidade. Em pouco tempo, passaram a interditar avenidas, xingar transeuntes por uso de máscara e buzinar sem parar. Não satisfeitos, bloquearam pontos da fronteira com os Estados Unidos, como a Ponte Ambassador, por onde passa 25% do comércio.

A ação do governo e da polícia foi de início tíbia. Na semana passada, o primeiro-ministro Justin Trudeau decidiu reagir com energia, mas aí exagerou. Para lidar com a crise, invocou uma Lei de Emergências que permite ao governo tomar medidas extraordinárias em casos de guerra ou sedição. “Não podemos e não permitiremos que atividades ilegais e perigosas continuem”, disse. A polícia comunicou aos caminhoneiros que era hora de sair de Ottawa ou enfrentar as consequências. Quem ajudou com suprimentos, combustível e fundos também foi alvo da ação. Houve multas, prisões, investigações sobre financiadores, até confisco de saldos bancários e criptomoedas usadas para arrecadação.

É possível que esse tipo de medida contenha a ameaça imediata, mas não resolve o problema de fundo: o efeito da decadência que se abateu sobre parcelas da população que querem se fazer ouvir e mantêm poder de mobilização, facilitado pela tecnologia. No mundo todo, os “esquecidos” ou “deixados para trás” em rincões afastados têm adotado o discurso de defesa da liberdade (no Canadá, o movimento se autointitula “Comboio da Liberdade”). Veem ameaça nas decisões tomadas pelo poder que emana dos grandes centros urbanos, seja o aumento do diesel (que deflagrou os protestos dos coletes amarelos ou dos caminhoneiros brasileiros em 2017) ou a imposição de restrições sanitárias (caso recente de Canadá, Austrália ou Estados Unidos).

Em toda democracia, minorias têm o direito de se fazer ouvir saindo às ruas. Os caminhoneiros canadenses, porém, passaram dos limites ao transformar protesto em arruaça, com adesão de neonazistas e outros movimentos desprezíveis. No Brasil e no mundo, as autoridades e o Judiciário precisam acompanhar os desdobramentos. Não se pode esquecer que temos um presidente com histórico de manipular caminhoneiros, propagar teorias da conspiração e ser um expoente do movimento antivacina.

Grátis para quem?

Folha de S. Paulo

Empurrar subsídios ao transporte coletivo para a União é saída fácil e enganosa

O transporte público municipal vive uma crise de financiamento que é estrutural, mas foi agravada pela pandemia. Não espanta, nesse cenário, a pressão crescente por ajuda federal vinda de prefeitos e associações de empresas do setor.

O resultado foi a aprovação pelo Senado de um projeto que poderá transferir neste ano R$ 5 bilhões da União aos municípios, recursos que serão destinados a manter a gratuidade de acesso a idosos com mais de 65 anos.

Um problema de origem da proposta está no critério de idade. Toda política pública se encontra inserida em uma realidade de escassez de recursos; por isso é preciso haver foco nos que realmente precisam da intervenção do Estado. Mais correto, pois, seria subsidiar o transporte de idosos pobres, como ocorre em outros programas.

As dificuldades do setor, de fato, são graves. A Covid-19 legou uma redução de demanda por transporte público, que ainda opera com ociosidade entre 30% e 40%. Também por causa do aumento de custos, principalmente dos combustíveis, o prejuízo acumulado desde o início de 2020 seria próximo a R$ 21 bilhões, segundo as associações.

Em que pese essa realidade, simplesmente transferir mais dinheiro federal, nos moldes atuais de operação dos sistemas, não resolverá nenhum problema de forma sustentável. No máximo, trata-se de um remendo para evitar aumento de tarifas em ano eleitoral, um terror do mundo político desde as manifestações populares de 2013.

Em vez de uma revisão ampla dos mecanismos de custeio e padrões de qualidade das concessões, que poderia se dar a partir de um novo marco regulatório para o setor em tramitação no Senado, opta-se apenas por jogar o custo nos cofres federais já deficitários.

Tal saída se tornou conveniente com a fragilidade política e programática do governo Jair Bolsonaro (PL) e a baixa capacidade de resistência do Ministério da Economia.

Se a crise no setor é um fato, não procede que Estados e municípios careçam de recursos próprios. Ao menos no caso das grandes cidades, que de todo modo concentram a maior parte do problema, houve enorme crescimento de arrecadação, a ponto de várias terminarem o ano passado com recorde de dinheiro em caixa.

Como se sabe, os municípios recebem 25% da receita do ICMS estadual, que disparou no ano passado. Tome-se o exemplo do município de São Paulo, que aprovou para 2022 um Orçamento de R$ 82,7 bilhões, o maior da história, e dispunha de inauditos R$ 27 bilhões em sua conta no final de 2021.

Segundo o prefeito Ricardo Nunes (MDB), o custo da gratuidade para idosos ficaria em R$ 450 milhões. A cidade, pois, dispõe de dinheiro, se quisesse usá-lo para esse fim. Infelizmente, o discurso fácil da penúria sempre conta com a boa vontade do Congresso.

Vieses policiais

Folha de S. Paulo

Negros, pobres e moradores da periferia são mais parados; urge adoção de câmeras

Os dados parecem não deixar dúvidas: os negros são mais abordados por policiais na cidade do Rio de Janeiro. Eles representam 63% das pessoas que dizem ter sido paradas por agentes da lei, uma fatia consideravelmente superior ao seu peso entre os cariocas (48%).

Os que se declaram brancos, em comparação, equivalem a 51% da população local e correspondem a 31% de quem foi parado ou abordado. No total, 39% dos entrevistados na cidade afirmaram ter passado por essa experiência.

Os números, apurados pelo Datafolha, estão no relatório "Elemento Suspeito", lançado na terça-feira (15) pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.

Ressalve-se que nem todos os contatos com a polícia relatados são negativos. Dos 739 moradores do Rio que responderam ao questionário completo, 66% viram agentes ajudando pessoas. No entanto nada menos que 46% testemunharam agressões, e 32% tiveram um parente ou amigo morto ou ferido.

Procurada pela Folha para comentar os resultados do levantamento, a Polícia Militar fluminense afirmou que não há viés racial nas suas operações e que segue protocolos rígidos de atuação.

A resposta, formal e irrealista, poderia levar em consideração outros aspectos identificados pela pesquisa. Por exemplo, 66% das pessoas paradas pela polícia vivem em bairros periféricos ou favelas e 60% ganham até três salários mínimos —segmentos sobrerrepresentados por pretos e pardos.

Logo, fatores como geografia e nível de renda adicionam uma camada de complexidade à questão puramente racial. Trata-se aqui, ademais, de uma cidade que tem parte importante de seu território sob o poder de criminosos e que amarga patamares alarmantes de letalidade em operações policiais.

De nada adianta virar as costas para a truculência e para os vieses por trás de boa parte de abusos e ilegalidades. É preciso encarar o problema e pensar em soluções.

Uma delas está à vista de todos. Trata-se das câmeras portáteis em uniformes, utilizada com êxito nas forças policiais de São Paulo. O equipamento inibe o mau comportamento dos agentes da lei com um simples ganho de transparência.

Sua adoção em todos os estados é urgente para conter o arbítrio e combater abusos —inclusive aqueles que a Polícia Militar fluminense ainda não consegue enxergar.

Nem Deus nem o diabo são candidatos

O Estado de S. Paulo

É falsa a afirmação de que o eleitor terá de decidir entre Lula e Bolsonaro. É manipulação rigorosamente antidemocrática.

Diante do descalabro do governo de Jair Bolsonaro, parece evidente a necessidade de que as eleições do segundo semestre sirvam para interromper o retrocesso e a destruição a que o País vem sendo submetido desde 2019 pelo bolsonarismo. Trata-se de imperativo civilizatório mínimo. Jair Bolsonaro mostrou-se indigno e incapaz do cargo que lhe foi atribuído em 2018.

Mas o desempenho sofrível de Bolsonaro na Presidência da República não leva apenas a rejeitar o bolsonarismo nas urnas. Isso seria pouco. A experiência com o governo atual explicita, com poderosa contundência, a necessidade de que a campanha eleitoral esteja centrada em ideias e propostas políticas, e não apenas em nomes. Essa é a melhor proteção contra a farsa bolsonarista.

Deve-se destacar, ao mesmo tempo, que esse tema transcende as circunstâncias políticas atuais, tendo raízes na própria essência do regime democrático. Não há pleno exercício dos direitos políticos se o eleitor faz na urna mera opção por nomes. Não há plena cidadania se o voto é tão somente uma avaliação sobre o passado. O direito ao voto inclui a possibilidade de escolha sobre o futuro do País. Daí a importância de haver – sempre, mas especialmente em ano eleitoral – uma genuína e ampla discussão a respeito dos diagnósticos e soluções possíveis para os problemas nacionais. Fugir desse debate é ludibriar, de partida, o eleitor.

Por óbvio, ninguém tem o descaramento de negar explicitamente a conveniência de discutir, numa eleição, o futuro do País. A manipulação é um pouco mais sutil, mas igualmente nefasta. Por exemplo, é cada vez mais comum ouvir que, nas eleições deste ano, o eleitor terá de decidir entre Lula e Bolsonaro. Essa afirmação, que pode soar a alguns ouvidos como realista – afinal, são os nomes que aparecem nas primeiras posições das atuais pesquisas de intenção de voto –, é inteiramente equivocada. Vigora no Brasil o sistema do pluripartidarismo e se pode afirmar, com toda a certeza, que haverá outros candidatos disputando a Presidência da República em outubro deste ano. Além disso, o primeiro turno das eleições ainda está muito distante.

A falsa disjuntiva entre Lula e Bolsonaro tem um só objetivo: desqualificar e impedir o debate de propostas e ideias políticas sobre o futuro do País. Trata-se de manipulação asfixiante e rigorosamente antidemocrática.

Como esperado, o PT se empenha em fazer com que o eleitor acredite que inexistem alternativas a Lula quando se trata de escolher um candidato capaz de desbancar Bolsonaro. O partido quer encerrar o eleitor desde já numa estreita clausura eleitoral: ou Lula ou Bolsonaro. Ao fazê-lo, o PT se dispensa de apresentar uma discussão madura sobre o futuro do País. Quer impor um binarismo que, a rigor, nem é escolha: é imposição do retrocesso, seja qual for o resultado.

Não é nova a tentativa do PT de desqualificar toda opção política não alinhada ao lulopetismo. Agora, no entanto, a pretensão autoritária tem ganhado contornos escandalosamente explícitos. Em recente reunião da legenda, segundo informou o UOL, Lula disse com todas as letras como se vê – e como deseja colocar o eleitor entre a cruz e a espada. “A humanidade acompanha há séculos a polarização entre Deus e o diabo, e nunca teve terceira via”, disse. Nesses termos apocalípticos, supõe-se que todo aquele que não votar em Lula estará escolhendo o diabo.

Outra tentativa de impedir que o eleitor pondere serenamente a respeito das consequências do seu voto sobre o futuro do País é afirmar que as eleições presidenciais de 2022 são apenas e tão somente um plebiscito sobre a barbárie do governo Bolsonaro. Sob essa lógica, para impedir um segundo mandato de Bolsonaro, valeria a pena votar em qualquer outro candidato. É bom lembrar que foi esse estreito raciocínio, antes aplicado ao lulopetismo, que conduziu Bolsonaro ao Palácio do Planalto. Não convém repetir o erro.

Eleições não são mero duelo de nomes. O voto é oportunidade de avaliar o passado e, de forma muito especial, de definir o futuro.

O triunfo definitivo do Centrão

O Estado de S. Paulo

Lira deixa claro que anemia da cadeira presidencial é fato consumado e que o próximo presidente terá de se submeter ao Congresso

Se foi malsucedido em implantar uma agenda conservadora como a prometida na campanha de 2018, Jair Bolsonaro pode se vangloriar de ter subvertido o presidencialismo de coalizão vigente no País desde a redemocratização. Na atual administração, o governo não governa, não define os projetos que serão submetidos ao Legislativo e não articula maioria no Congresso. Essas atividades foram gentilmente cedidas a Arthur Lira (PP-AL), que assumiu as funções como se tivesse sido ele, e não Bolsonaro, o eleito com o voto de 57,7 milhões de brasileiros para comandar o Orçamento e liderar o debate legislativo. É sempre necessário lembrar que não foi, ainda que uma recente entrevista de Lira ao jornal Valor Econômico explicite esse e vários outros aspectos da realidade política do País supostamente presidido por Bolsonaro. A bem da verdade, a cadeira presidencial já vinha sendo enfraquecida antes, ainda sob Dilma Rousseff, mas o processo se acentuou ainda mais com Bolsonaro, cujo único objetivo desde que foi eleito é garantir mais quatro anos no cargo.

Está cada vez mais evidente que caberá a Lira dar uma solução para o pandemônio que se tornou a discussão sobre a desoneração de combustíveis, obsessão bolsonarista e alvo de pelo menos duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC), uma delas apelidada de PEC Camicase pelo impacto estimado de R$ 100 bilhões aos cofres públicos. Se depender do presidente da Câmara – e já se sabe que depende –, o Congresso deixará as bombas fiscais de lado e aprovará um projeto de lei complementar que muda a cobrança de ICMS, hoje um porcentual sobre o preço, para um valor fixo por litro, e aproveitará a proposta para embutir no texto a redução dos impostos federais sobre o diesel. “Não temos interesse nenhum em atrapalhar o caminho involutivo que o dólar está tendo e que a inflação terá”, disse Lira.

É, portanto, com o espírito público de Lira – dono do orçamento secreto e articulador da PEC dos Precatórios, aquela que dinamitou o teto de gastos – que o País precisa contar para evitar a explosão da inflação e a desvalorização do câmbio, enquanto o Banco Central luta praticamente sozinho para manter alguma estabilidade na economia. O ex-superministro Paulo Guedes, por sua vez, “é como ele é, todo mundo sabe como ele é”, na precisa definição de Lira, e deveria seguir a hierarquia – o que, neste governo, significa um presidente decorativo tutelado pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. “As pessoas me perguntam se houve uma superposição do ministro Ciro sobre o ministro Guedes. Não. Todo governo tem que ter uma hierarquização. O presidente da República, o ministro da Casa Civil e depois os outros ministros. Se o ministro da Casa Civil não organizar o Ministério, fica ruim. Tem que ter quem fale pelo governo. O ministro da Economia tem que ser ouvido, é figura-chave com relação aos projetos econômicos, mas ele não pode ter a palavra final se o governo vai querer fazer política de saneamento. Isso aí é governo. Ele pode falar sobre o impacto e o governo tem a posição política de enfrentar ou não”, disse.

Não que surpreenda, mas chama a atenção uma exposição tão nua da natureza distorcida das relações entre Executivo e Legislativo. Lira deixa claro que a anemia da cadeira presidencial é hoje um fato da vida, e se as consequências desse fato serão boas ou ruins para a sociedade é o comando do Congresso quem vai dizer. Nesse sentido, o principal recado de Lira, que já reconheceu a iminente derrota de Bolsonaro ao menos no Nordeste, foi para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Líder das pesquisas de intenção de voto, Lula já anunciou que pretende revogar a reforma trabalhista e as privatizações de estatais e subsidiárias se for eleito. “Só queria lembrar que no meio dos presidentes que estão e que serão eleitos tem o Congresso Nacional. E já deixei bem claro: permanecendo um Congresso de centro-direita, nossa vontade é não retroagir nos avanços que a gente já teve. O problema do Brasil é terminar as reformas paradas.” Traduzindo: o presidente da República pode até mudar, mas Lira fica, e o Centrão também.

Depois de seis anos, venda da Eletrobras pode virar realidade

Valor Econômico

China volta ao ponto de partida e encara um revés provisório nas mudanças de paradigma de sua economia

Os acionistas da Eletrobras, holding que controla o capital das estatais federais de energia, se reúne amanhã, em assembleia-geral, para deliberar sobre a privatização da companhia. Tudo indica que, depois de quase seis anos, quando a iniciativa foi lançada pelo governo do presidente Michel Temer, a maior empresa de energia do Brasil deixará de ser controlada, nos próximos meses, pelo Estado.

Na última quarta-feira, por seis votos a um, os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) aprovaram os estudos técnicos do Ministério das Minas e Energia para a desestatização da companhia, fundada em 1962 como estatal, em meio à polarização política provocada pela Guerra Fria. Embora aliado dos Estados Unidos na Segunda Guerra e adepto da democracia e do capitalismo, o Brasil vivia internamente, no início da década de 1960, sob forte pressão de setores da classe média para estatizar empresas, principalmente, as prestadoras de serviços públicos.

Na ocasião, eram fortes ainda os ecos da maior mobilização popular ocorrida até então: a campanha, de notório viés anti-americano, "o petróleo é nosso ", de 1953, que resultou na nacionalização das reservas de petróleo e na fundação, no ano seguinte, da Petrobras, detentora de monopólio que se estendeu até 1998, quando o Congresso Nacional, aprovou emenda à Constituição extinguindo-o.

Os custos desse monopólio para o Brasil são visíveis. Em que pese o reconhecido desenvolvimento da estatal como expert na exploração de óleo em águas profundas, a ausência de competidores para a Petrobras durante décadas atrasou o aumento da eficiência da economia brasileira, que ainda hoje paga pelas consequências do modelo estatal.

No caso da Eletrobras, o ambiente, hoje, não lembra nem de longe a concentração de mercado que ainda beneficia a Petrobras e prejudica o país. Há atores privados operando em todos os segmentos do setor, com exceção da geração de energia nuclear. Isto significa que não faz mais sentido manter a companhia sob comando estatal porque a tendência é que, presa às regras de controle do Estado, não consiga competir com os concorrentes e, assim, além de não prestar bons serviços à população e às empresas, perca continuamente valor, o que no fim também é prejudicial aos interesses da maioria dos brasileiros, dado o elevado investimento feito pelo Tesouro na empresa ao longo de 60 anos.

O corporativismo de parte dos funcionários, o patrimonialismo (dos empregados e de fatias da classe política e do empresariado) e a visão ideológica (na maioria dos casos, usada para defender interesses escusos) impuseram obstáculos à privatização da Eletrobras desde 2016, quando o governo tomou a decisão de colocar esse tema na agenda. Em decisão monocrática _ uma distorção institucional que afronta o arcabouço democrático brasileiro _, um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que, doravante, toda privatização tivesse que ser aprovada por lei. Ora, já havia lei consolidada sobre o assunto, seguida por todos os governos eleitos desde 1989, e esta exigia apenas que o presidente da República, por meio de decreto, ordenasse a inclusão da estatal no Programa Nacional de Desestatização, sendo que este foi instituído por legislação específica.

A novidade do caso Eletrobras é que todos os obstáculos, inclusive, o último, de caráter quixotesco, protagonizado por ministro do TCU, foram superados de maneira institucional e, portanto, democrática _ o que significa dizer que a não privatização é que poderá ser qualificada de ato ilegítimo, uma vez que o Congresso aprovou lei para a venda da estatal e o TCU chancelou os estudos técnicos para viabilizar a desestatização.

O ato quixotesco coube ao ministro Vital do Rêgo, do TCU. Recorrendo a algo inexistente na avaliação de ativos para fins de privatização _ o valor da potência das hidrelétricas _, o ministro, designado relator dos estudos técnicos, calculou que o erário perderá R$ 34 bilhões se vender a holding nas condições propostas. Logo, tratou como "falha" algo incalculável, uma vez que não existe mercado para mesurar o "ativo" ao qual se refere.

No Brasil e alhures, define-se, não apenas no setor público mas também no privado, o preço de um serviço de utilidade pública, como energia e telecomunicação, com base na projeção do fluxo de caixa descontado (isto é, referente ao período de concessão, estimada a inflação). Evidentemente, esta é uma conta complexa que, por isso mesmo, está sujeita à reavaliação ao longo do prazo de concessão. O ministro conseguiu holofotes para sua tentativa canhestra de impedir a venda da Eletrobras, mas não o apoio dos colegas, o que mostra que o Brasil, apesar dos problemas, avança institucionalmente.

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