sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Brasil deveria condenar invasão com veemência

O Globo

Numa leitura bastante generosa, foi tímida a primeira reação do governo brasileiro à invasão russa da Ucrânia, que deveria ter sido condenada com presteza e veemência. Depois de sua visita recente a Moscou, em que empenhou “solidariedade” a Vladimir Putin, o presidente Jair Bolsonaro ignorou o assunto nos discursos que fez ontem em São Paulo. Só na sua “live” noturna resolveu desautorizar o vice, Hamilton Mourão, que condenara o ataque russo. Pela manhã, enquanto o mundo democrático manifestava repúdio pela guerra em termos firmes, o Itamaraty se debatia com os termos da nota oficial cheia de dedos que emitiu.

Em vez de condenar a invasão, o governo brasileiro manifestou apenas “preocupação com a deflagração de operações militares” e fez um apelo pela “suspensão imediata das hostilidades”. É pouco. Noutra situação, se Bolsonaro não tivesse lançado o Brasil ao limbo da geopolítica internacional, poderíamos até ter um papel de mediação que justificasse o comedimento em deferência aos russos. Não é o caso. A reação brasileira deveria ter sido veemente. Até para desfazer o mal-estar provocado pela viagem de Bolsonaro em aliados bem mais relevantes aos interesses brasileiros, como Estados Unidos ou os países europeus. Como integrante do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Brasil tem o dever de apoiar uma resolução que condene a invasão com firmeza, sem tergiversar nem tentar fazer média com Putin.

Nenhum país civilizado pode tolerar a invasão do território de nações soberanas como a Ucrânia, o bombardeio de cidades vibrantes como a capital Kyiv (Kiev para os russos) ou Kharkiv (Kharkov), o avanço de um aparato bélico poderoso contra um país militarmente mais fraco, que não promoveu nenhuma agressão contra a Rússia. Havia um caminho diplomático para arbitrar as demandas sobre as províncias de maioria étnica russa no Leste da Ucrânia. Putin abandonou-o unilateralmente ao proclamá-las repúblicas independentes, sob o mesmo pretexto fajuto que usou para lançar seu ataque.

Nem uma semana atrás, embora continuasse a mobilizar tropas e blindados, Putin contestava a afirmação americana de que estivesse prestes a invadir. Mentiu sem pudor. Ontem voltou a repetir suas fabulações contra a existência de uma Ucrânia independente, insinuando veladamente que poderia até usar armas nucleares se o Ocidente interviesse. É uma situação impensável, já que a própria Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) descarta ação militar. Cabe às potências ocidentais articular uma ação coordenada capaz de aumentar o custo da aventura militar para Putin. Sanções mais duras são apenas o primeiro degrau numa escala abrangente de reações que podem levar a um conflito de extensão e duração ainda imprevisíveis.

Para o Brasil, são evidentes os riscos de uma guerra prolongada. Não apenas pelo impacto na cotação do petróleo, na importação de fertilizantes ou na economia. Militares como Mourão apontam com razão que compactuar com a violação da soberania ucraniana poderia abrir espaço a contestações exóticas da soberania brasileira sobre a Amazônia. Para não falar na incerteza global gerada por um conflito no continente que foi o principal palco das duas grandes guerras mundiais. Em momentos assim, um país como o Brasil precisa deixar claro de que lado está.

É animadora nova visão do governo sobre concessão de aeroportos do Rio

O Globo

O governo federal parece ter entendido enfim que os aeroportos Santos Dumont, no Centro do Rio, e Antonio Carlos Jobim/Galeão, na Ilha do Governador, precisam operar de forma complementar, e não na base do “cada um por si”. Depois de muita controvérsia, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, afirmou nesta semana que a concessão conjunta prevista para os dois aeroportos privilegiará os voos de negócios no Santos Dumont.

A decisão da concessionária que administra o Tom Jobim/Galeão de devolver a concessão, anunciada no início do mês, abriu nova possibilidade para o governo resolver o problema do esvaziamento do aeroporto internacional do Rio, pois permitirá que o terminal seja relicitado com o Santos Dumont.

O edital da concessão do Santos Dumont, antes prevista para maio, continha uma série de equívocos. O maior era tratá-lo de forma isolada, ignorando o impacto no Tom Jobim/Galeão. Para tornar o terminal doméstico mais atraente, o governo federal pretendia aumentar o número de voos e até autorizar rotas internacionais. Seria um absurdo, considerando a estrutura limitada, a localização em área urbana e a vocação do aeroporto, que exigem restrição de voos. As regras, que contribuiriam para canibalizar voos do Tom Jobim/Galeão, desagradaram ao governo do estado, à prefeitura do Rio e a políticos e empresários fluminenses.

Acatando as críticas e sugestões, o relatório final do grupo de trabalho criado para analisar o edital recomenda limitar a capacidade de passageiros no Santos Dumont, garantir a participação de representantes do Rio nas discussões, coordenar os voos entre os aeroportos e impedir a formação de monopólios. Propõe ainda que sejam estabelecidos em contrato compromissos de investimento e que a nova licitação seja feita no máximo até o fim do primeiro semestre do ano que vem.

É animador que o governo tenha reconhecido a necessidade de tratar os dois aeroportos como um sistema conjunto. Não interessa a ninguém ter um terminal doméstico turbinado e um internacional às moscas.

O esvaziamento do TomJobim/Galeão, que se agravou na pandemia, precisa ser resolvido. No ano passado, o terminal registrou movimento de apenas 3,9 milhões de passageiros. Mesmo antes da pandemia, a situação não vinha bem. Em 2019, ele recebeu 14 milhões de passageiros, ante uma capacidade anual de 37 milhões.

Segunda maior cidade do país, porta de entrada de estrangeiros no Brasil, o Rio merece ter um aeroporto internacional à altura. Por si só, a concessão não resolverá esse problema, que não depende apenas da concessionária, mas de regras estipuladas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e pelo governo. A solução exige equilibrar a demanda entre os dois terminais. Isso tornará o leilão ainda mais atraente, além de beneficiar a cidade, o estado e o país.

A agressão russa

Folha de S. Paulo

Invasão da Ucrânia merece o repúdio da comunidade internacional e do Brasil

Consumou-se a hipótese mais temida na escalada militar de Vladimir Putin contra a Ucrânia. O autocrata de Moscou procedeu à invasão do país vizinho, o que configura violação do território de uma nação soberana e deveria ser condenado pela comunidade internacional.

Ainda não estão claros a extensão da intrusão das tropas russas nem o seu objetivo militar. Ao que parece, os invasores pretendem sufocar a região da capital, Kiev, e isolar e enfraquecer as forças legalistas que combatem separatistas pró-Moscou no leste da Ucrânia.

Os pretextos para a guerra alegados por Putin, como o de proteger russos étnicos no oriente ucraniano de um suposto genocídio e o de "desnazificar" a região, não passam de uma farsa para ocultar as intenções tirânicas do líder russo.

Embora em nada justifique a aventura armamentista do Kremlin, falhou mais uma vez a estratégia das potências ocidentais para lidar com o expansionismo russo.

Algo semelhante, em menor escala, já havia ocorrido em 2008, quando o mesmo Vladimir Putin tomou de assalto rapidamente a Geórgia, que, como a Ucrânia agora, se aproximava da Otan, a aliança militar ocidental. A Rússia repetiria a dose de ousadia arrancando dos ucranianos a Crimeia em 2014.

As sanções econômicas e financeiras tornaram-se na prática o único instrumento para impor punições à Rússia. O alcance desse tipo de medidas, contudo, está limitado por alguns fatores.

Se prejudicar a principal fonte de recursos externos para a elite dirigente russa —as exportações de gás e petróleo—, o castigo irá inevitavelmente comprometer o abastecimento energético da Europa ocidental, em especial o da Alemanha, com repercussões negativas para toda a economia global.

Além disso, a ditadura chinesa, que reforçou seus laços diplomáticos com Moscou durante a crise na Ucrânia, poderá atuar para amenizar o efeito das sanções, abrindo mais portas do seu gigantesco mercado aos negócios com a Rússia.

Nesse jogo de xadrez, enquanto move suas peças sempre depois do líder russo, a aliança ocidental deveria repensar a sua linha de interação com o Kremlin. Incentivar nações fronteiriças a aderirem à Otan não tem se mostrado opção eficaz para estabilizar a região.

A despeito disso, não se pode deixar de condenar a solução de controvérsias pelo recurso às tropas, como tem sido a opção de Putin. A diplomacia mais responsável e pragmática que já foi inventada pauta-se pelos princípios do respeito à autodeterminação dos povos e da não ingerência em questões internas de outras nações.

São de resto pilares da Carta brasileira, o que deveria levar o Itamaraty a condenar a invasão russa.

A inacreditável agressão russa

O Estado de S. Paulo

Se o mundo não deixar claro que tal comportamento é inaceitável, a soberania das nações deixará de ser um dos pilares da ordem internacional

O inacreditável aconteceu. A invasão da Ucrânia pela Rússia, em escandalosa afronta ao direito internacional, abalou a ordem europeia pós-2.ª Guerra, está estremecendo a economia global, que mal se recuperou da pandemia de covid-19, e pôs a Europa à beira de uma conflagração de dimensões e consequências imprevisíveis. Se o mundo não deixar claro que tal comportamento é inaceitável, a soberania das nações deixará de ser um dos pilares da ordem internacional.

Vladimir Putin, o autocrata russo, alega legítima defesa ante a expansão da Otan e as hostilidades às comunidades russas na Ucrânia. Pode-se até debater a legitimidade dessas preocupações. Mas a desproporcionalidade do remédio é indisputável. O ataque em massa não foi provocado e viola qualquer padrão do direito internacional.

A desproporcionalidade escorre das próprias palavras de Putin. Em sua declaração de guerra, ele comparou a Otan à Alemanha nazista e disse que queria “desnazificar” a Ucrânia e impedir o “genocídio” dos russos. Um de seus generais disse que a fronteira com a Ucrânia é uma fronteira “americana”, e que o Ocidente estava “bombeando” a Ucrânia com armas e “arsenais nucleares”.

Mas não havia perspectiva de integração da Ucrânia na Otan – França e Alemanha, por exemplo, já haviam se posicionado abertamente contra –, muito menos de arsenais nucleares. Os direitos dos povos russos na Ucrânia poderiam ser protegidos com um retorno aos acordos de Minsk, de 2015, e a suposta ameaça à sua existência poderia ser neutralizada com forças de paz internacionais. Se os acordos de fato fossem implementados, as comunidades russas teriam inclusive condições para manter a neutralidade da Ucrânia, vetando alianças com a Otan ou a União Europeia.

Em resumo, havia um arsenal diplomático a ser esgotado antes que se justificasse um só batalhão russo na fronteira com a Ucrânia. Mas Putin mandou esse arsenal pelos ares, rasgou os acordos e do dia para a noite sua “força pacificadora” se transformou em um assalto massivo ao território ucraniano. Já não há como disfarçar as ambições de um ditador possuído pelo delírio de que foi escolhido pelo destino para restaurar as glórias do império soviético.

A prioridade é evitar que esse delírio transforme um conflito local em regional e mesmo mundial. A Otan, com razão, descartou um envolvimento direto, que poderia desencadear a guerra entre potências nucleares. Mas já destacou tropas para países fronteiriços. Um grande risco são os ataques cibernéticos. O art. 5.º da Aliança, que prevê que um ataque a um membro é um ataque a todos, foi elaborado com vistas a uma agressão territorial. Mas como compreendê-lo à luz de ataques cibernéticos? Os aliados precisam se preparar para essa hipótese. Com Putin, nada está fora da mesa.

Quando a ordem global é ameaçada, o impacto sobre a economia global é inevitável. Todos estão pagando o preço, mas a comunidade internacional precisará de um concerto capaz de lançar o máximo peso desses custos sobre Putin – que, aparentemente, se fia em sua aliança com a China para sobreviver à esperada reação ocidental.

Nesse contexto, o Brasil não pode se omitir. O Itamaraty soltou uma nota equilibrada, manifestando “grave preocupação”, mas não condenou explicitamente a invasão russa – afinal, há alguns dias, Jair Bolsonaro, que como presidente da República é quem determina a direção da política externa, irresponsavelmente manifestou “solidariedade” à Rússia, e ontem parecia ter optado por um inacreditável silêncio, enquanto grande parte dos líderes mundiais corria a declarar sua repulsa à agressão russa.

O drama das últimas três décadas que conjurou nos horizontes do mundo pósguerra fria a sombra de uma 3.ª guerra mundial tem muitos protagonistas, muitas cenas, muitos equívocos de parte a parte. Mas, no palco ucraniano de hoje, o sangue russo e ucraniano derramado está nas mãos de Putin. Como sentenciou o embaixador ucraniano no Conselho de Segurança da ONU: “Não há purgatório para criminosos de guerra. Eles vão direto para o inferno”. Enquanto Putin não acerta suas contas com Deus, o mundo deve se unir para que ele e seus próceres sofram as consequências de sua delinquência. O seu isolamento é o melhor caminho para a paz.

Contra a autocracia na Câmara

O Estado de S. Paulo

Ao qualificar os opositores da liberação da jogatina de ‘sectários’, ‘hipócritas’ e ‘demagogos’, Lira mostra até onde pode ir para dificultar o debate democrático

Se ainda restava esperança de que a pandemia de covid-19 levaria o Congresso a se debruçar sobre projetos que podem melhorar as condições de vida da população, não há mais. A pretexto de proteger os parlamentares, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se aproveitou do avanço tecnológico que permitiu o advento das votações remotas para impor um ritmo frenético de deliberação de pautas que estão longe de ser prioridade e de ter consenso na sociedade. Na Câmara de Lira, nada passa pelas comissões temáticas, cuja atribuição é justamente aprofundar o debate antes que os textos sejam submetidos ao plenário, onde as discussões são mais rasas. Neste momento, a precedência é a legalização de cassinos, bingos, caça-níqueis, apostas online e jogo do bicho, por meio do “Marco Regulatório dos Jogos no Brasil”.

É tudo para ontem. O texto em questão tramita desde 1991 e recebeu aval de uma comissão especial. O detalhe é que isso ocorreu em agosto de 2016 – ou seja, na legislatura anterior. Nos escaninhos da Câmara, o parecer repousou em berço esplêndido até o ano passado. Em setembro, Lira criou um grupo de trabalho para discutir o assunto com dez parlamentares. Todos já apoiavam a legalização dos jogos previamente. Na única audiência pública realizada na Comissão de Turismo da Casa em 2021, somente empresários do ramo foram convidados para o debate.

Em dezembro, na última sessão do ano, um requerimento de urgência – recurso que permite que o texto “fure” a fila de tramitação – foi aprovado em menos de uma hora. O substitutivo apresentado ao plenário pelo relator, deputado Felipe Carreras (PSB-PE), é composto por nada menos que 117 artigos e foi protocolado na semana em que iria a plenário. A despeito da avidez dos debates evidentemente enviesados, nos quais ninguém foi chamado para criticar a legalização, Lira disse que não houve pressa de sua parte ao pautar o tema no Legislativo. Ao contrário: o projeto estaria “maduro”. Para o presidente da Câmara, aqueles que se opõem à discussão da matéria não passam de “sectários” e o fazem por “hipocrisia” e “demagogia pura”. “Onde não acontecem jogos no Brasil? Temos o jogo do bicho há uma vida. Nós temos cassinos, eu não quero ser grosso, mas em São Paulo deve ter mais de 300”, afirmou, como se a mera existência da jogatina justificasse retirá-la da clandestinidade.

Lira não disse a que sectários se referia, mas convém lembrar ao presidente da Câmara que a legalização de jogos de azar, quando seriamente discutida pela última vez pelo Legislativo, contava com a oposição frontal de muitos – do Ministério Público Federal (MPF), do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), da Polícia Federal, da Receita Federal, de especialistas em saúde pública e assistência social e de religiosos. Há muitas razões para esse posicionamento, a começar pelo fato de que a jogatina é o recurso preferido de criminosos para lavar dinheiro oriundo de atividades ilícitas e arruína a vida dos viciados e de suas famílias. Não será a promessa de “regras duras, com ‘compliance’” – princípios da proposta, segundo Lira –, que resgatará a atividade da imoralidade.

A bem da verdade, ser a favor ou contra a legalização dos jogos não é a questão, mas o reiterado modus operandi autocrático de Lira. Ele recorreu à mesma tática na discussão da Lei de Improbidade Administrativa, da reforma do Imposto de Renda e até da famigerada PEC dos Precatórios: consiste em uma votação às cegas, em que os deputados não têm acesso prévio nem tempo de analisar o longo relatório. É estarrecedor que tão poucos parlamentares protestem contra essa prática.

Nesse sentido, o rei do “orçamento secreto” tem agido como um déspota nada esclarecido, impondo a pauta e negando espaço ao contraditório. Na distopia do Centrão, Lira quer fazer acreditar que não há vozes alternativas – e, se existem, elas devem ser ignoradas por serem minoritárias e um obstáculo ao que ele defende ou se comprometeu a aprovar.

Comércio exterior entra em compasso de espera

Valor Econômico

Exportações brasileiras de manufaturados estão perdendo competitividade até mesmo na América Latina

A balança comercial brasileira começou o ano com déficit. Janeiro registrou um saldo negativo de US$ 214,4 milhões na comparação entre exportações e importações. Isso não acontecia desde novembro. Tudo indica, porém, que o sinal vermelho foi uma exceção. As previsões para o fechamento do ano são positivas, embora díspares. Variam desde o saldo de US$ 34,5 bilhões projetado pela Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) no fim do ano passado, até os US$ 79,4 bilhões estimados pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex).

Qualquer que seja o resultado ele agora vai ser influenciado pelo desenvolvimento da crise no leste europeu, causado pela invasão da Ucrânia pela Rússia. Nem a Rússia nem a Ucrânia são parceiros comerciais expressivos do Brasil, mas o conflito vai certamente impactar todo o comércio internacional. Apesar de ser um mercado com 140 milhões de habitantes, a Rússia é apenas o 36º mercado de produtos brasileiros. No ano passado, o Brasil teve um déficit de US$ 4,1 bilhões no comércio com a Rússia, importando principalmente adubos e fertilizantes, e exportando commodities e proteínas. Melhorar esses números foi um dos objetivos da visita do presidente Jair Bolsonaro a Moscou na semana passada. Nada de concreto foi obtido, porém. Desde 2017, o Brasil é deficitário nesse intercâmbio.

O conflito no Leste Europeu pode desacelerar mais o crescimento global, que já será menor do que em 2021, e elevar mais a inflação, com impacto no comércio internacional. Além disso, deve aumentar os preços dos combustíveis e das commodities. De um lado, isso prejudica o Brasil, que importa combustíveis. Mas o favorece o país de outro, por conta da importância das commodities nas exportações.

Segundo cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, a balança comercial do agronegócio teve um superávit de US$ 7,7 bilhões no mês passado, com exportações totalizando US$ 8,8 bilhões, patamar superior ao registrado nos dois anos anteriores. Houve um forte aumento das vendas externas do complexo soja - soja em grão, farelo e óleo - tanto em quantidade quanto em valor. A receita obtida com as vendas externas de produtos agrícolas compensou as importações dos demais produtos de modo a reduzir o déficit do mês aos US$ 214,4 milhões.

Em 12 meses, o saldo da balança comercial do agronegócio atingiu nada menos do que US$ 108,5 bilhões, cobrindo o déficit de US$ 47,1 bilhões acumulado pelos demais setores, com saldo suficiente para produzir um superávit recorde de US$ 61,4 bilhões.

A receita elevada das commodities não só agrícolas como minerais tem o lado positivo de garantir recursos para bancar a compra de outros produtos. Mas também revela a crescente dependência da economia desse setor e a perda de espaço de atividades com maior tecnologia envolvida e que oferecem mais postos de trabalho, como a indústria de transformação.

Desde 2009, as commodities representam mais da metade das exportações brasileiras e a China é o principal comprador desses produtos. O déficit da balança comercial da indústria de transformação atingiu US$ 53,3 bilhões em 2021, o pior resultado desde 2015.

Para o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o que mais preocupa é a perda de espaço em setores com maior intensidade tecnológica. Enquanto 72,4% das exportações da indústria de transformação são de bens de baixa e média-baixa intensidade tecnológica e menos de 30% são de alta e média-alta tecnologia. Na importação acontece o inverso.

Essa tendência está se acentuando ao longo do tempo. Em 2013, os ramos de média-alta e alta tecnologia, em que se encaixam as indústrias de aeronaves, farmacêutica, automobilística e de máquinas e material elétrico, somavam 36,1% da exportação da indústria de transformação. Em 2021, a fatia foi de 27,6%. Enquanto a balança comercial como um todo fechou 2021 com superávit recorde, a indústria de transformação viu seu déficit se aprofundar para US$ 53,3 bilhões, o pior resultado desde 2015. Na pré-pandemia, em 2019, o saldo negativo foi de US$ 42 bilhões, segundo dados do Iedi.

Em consequência disso, as exportações brasileiras de manufaturados estão perdendo competitividade até mesmo na América Latina, cedendo mercado para fornecedores asiáticos. Setores mais promissores deveriam ser alvo de políticas de apoio para reconquistar o espaço perdido.

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