terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Bolsonaro deveria adiar visita à Rússia

O Globo

Com mais de três anos de governo, tanto críticos de Jair Bolsonaro quanto seus seguidores provavelmente concordam que ele não é afeito à diplomacia, nem se importa em ser inconveniente. Essas duas características — vistas por uns como defeitos, por outros como qualidades — estão evidentes agora que o presidente prepara uma viagem a Moscou. Programada para os dias 14 a 17, a visita está prevista para um momento de enorme tensão entre, de um lado, a Rússia e, do outro, Estados Unidos e seus aliados da Organização do Tratado do Alântico Norte (Otan). É iminente o risco de invasão militar russa da Ucrânia.

A diplomacia americana já deu seu recado: é contra a viagem neste momento. Europeus também não veem razão no encontro de Putin com Bolsonaro. Este insiste em dizer que a visita se restringirá às discussões sobre as relações bilaterais. Fala o óbvio. É evidente que a diplomacia brasileira deve manter sua independência em relação a todos os atores no conflito. E que existe uma agenda comum a explorar com a Rússia, país de características semelhantes ao Brasil com quem mantemos relações tímidas diante das possibilidades. Também está claro que o presidente do Brasil não deve tentar influir no conflito internacional em curso.

O que Bolsonaro não leva em conta é o contexto. Um autocrata como Vladimir Putin na certa tentará usar o encontro para passar a imagem de que não tem somente a China ao seu lado. Seria péssimo para o Brasil, país a que os Estados Unidos conferiram o status de aliado militar fora da Otan, que pleiteia um lugar na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e cuja proximidade de americanos e europeus tem lastro histórico e cultural.

Numa situação assim, melhor seria adiar a viagem. Numa data mais à frente, o Brasil ganharia duplamente. Primeiro, Bolsonaro encontraria Putin; ministros e empresários dos dois países falariam de acordos e negócios. Segundo, dois de nossos maiores parceiros, Estados Unidos e União Europeia, não ficariam contrariados.

A insistência de Bolsonaro em manter a viagem não se justifica com base no interesse nacional. A Rússia não está nem entre os nossos dez principais mercados. Em 2021, o Brasil vendeu mais para os países da América Central e Caribe. Embora importante na compra de alguns produtos, nada sugere que a Rússia passe de repente a figurar como referência aos exportadores brasileiros nos próximos anos.

A explicação mais provável para Bolsonaro manter a viagem é um cálculo político. As imagens dele isolado na reunião do G20 em Roma, no ano passado, não deixam dúvida sobre quanto ele é desprezado na comunidade internacional. Não há registro recente de uma humilhação tão grande ao chefe de Estado de um país do tamanho do Brasil.

O encontro com Putin, depois com o autocrata húngaro Viktor Orbán, seria uma maneira de Bolsonaro mostrar que não está tão radiativo no cenário internacional. É uma estratégia que só tem cabimento para o núcleo duro do bolsonarismo, com sua inclinação contumaz por regimes de extrema direita e líderes de perfil antidemocrático. Mais uma vez, Bolsonaro prefere seus interesses eleitorais ao que seria melhor para o país.

Governo federal precisa parar de boicotar a vacinação infantil

O Globo

Em pouco mais de um ano, a campanha de vacinação contra a Covid-19 no Brasil ficou imune aos ataques negacionistas do presidente Jair Bolsonaro, de seus auxiliares e seguidores. O avanço da cobertura entre adultos comprova a forte adesão à vacina. Não se pode dizer o mesmo em relação às crianças. São preocupantes os sinais de que a vacinação infantil, iniciada em janeiro, sente o efeito das ondas de desinformação e das decisões lamentáveis do governo para desestimular os pais a levar seus filhos aos postos.

Os números da vacinação de crianças têm ficado aquém do esperado e do necessário para deter a circulação do coronavírus. Levantamento feito pelo GLOBO na quarta e na quinta-feira da semana passada mostrou que algumas capitais não haviam vacinado nem 10% de suas crianças, caso de Fortaleza (8%), Teresina (4%) e Boa Vista (2%). Pode haver atraso nos registros, mas não parece ser o caso. No Rio, onde 98% dos adultos já estão com o esquema vacinal completo, menos de 50% das crianças de 8 a 11 anos, que já poderiam ter sido vacinadas, foram aos postos. O secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, atribui a baixa procura às campanhas de desinformação. A capital com maior índice de adesão é São Paulo, mesmo assim ainda abaixo de 50%.

Como se não bastassem as barreiras criadas pelas prefeituras que passaram a exigir um descabido termo de responsabilidade para vacinar as crianças, o governo tem agido para desestimular os pais. Sob o comando de Marcelo Queiroga, o Ministério da Saúde publicou uma nota técnica que exaltava a cloroquina e dizia que as vacinas não tinham eficácia. Diante da grita da sociedade, a aberração foi modificada (embora ainda continue incensando a cloroquina, comprovadamente ineficaz contra a Covid-19). A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, abriu um canal para receber denúncias de pais contrários à vacinação, outro absurdo.

A microbiologista Natalia Pasternak, em sua coluna no GLOBO, afirmou que as campanhas de desinformação têm mais impacto nas crianças. “Os mercadores da dúvida sabem que pais e mães com filhos pequenos são vítimas fáceis de incerteza e angústia”, diz. “Uma coisa é um adulto decidir se vacinar e assumir para si os possíveis riscos associados. Outra coisa é decidir em nome de uma criança.”

Se não quer ajudar, o governo federal deveria ao menos não atrapalhar, como vem fazendo desde que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a primeira vacina para crianças (há duas autorizadas, Pfizer e CoronaVac). Alegar que a vacinação infantil é opcional é um absurdo. Em seu artigo 14, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) afirma: “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. Para neutralizar a inércia federal, estados e municípios deveriam realizar campanhas para informar a população sobre os benefícios de vacinar as crianças. A tarefa deveria caber ao Ministério da Saúde, mas de lá só se pode esperar mesmo o boicote.

Ocidente na mira

Folha de S. Paulo

Aliança Xi-Putin tem limites, mas sinaliza desgaste da ordem pós-Guerra Fria

Em relações internacionais, estabelecer grandes marcos de eras é um esporte fútil e, usualmente, dado a imprecisões. Isso dito, a sexta-feira passada (4) tem chances de ingressar na história como um ponto de inflexão formal do período que sucedeu a Guerra Fria.

Aquele conflito, iniciado dos escombros da Segunda Guerra Mundial pela disputa entre Estados Unidos e União Soviética, acabou na prática com a ascensão de Mikhail Gorbatchov ao Kremlin em 1985.

Oficialmente, contudo, foi no Natal de 1991 que o império soviético deu seu último suspiro. De lá para cá, houve uma história com diversas fases da dominância do Ocidente vitorioso na contenda, com Washington à sua frente.

Claro, houve desafios de diversas ordens, como o 11 de Setembro e suas guerras ou a crise de 2008, mas até aqui essa foi uma canção entoada por seus vencedores.

A formalização da aliança entre Xi Jinping e Vladimir Putin contra os narradores ocidentais da história, ocorrida sexta em Pequim, apresenta considerável potencial de influir nessa linha do tempo.

É, antes de tudo, uma resposta à percebida prepotência americana, em momento de declínio relativo da influência política de um país cada vez mais esfacelado entre facções internas rivais.

Há também ressentimentos em jogo, principalmente em Moscou.

Os russos dizem que, em vez de terem sido aceitos como iguais pelos EUA após 1991, foram espoliados na farra liberal que quebrou os restos do seu país nos anos 1990 e tiveram suas áreas de contenção geopolítica tomadas a partir dos 2000, com a expansão a leste da Otan, o braço armado ocidental.

Já os chineses buscam ser reconhecidos como atores políticos de quilate proporcional a seu peso econômico, o segundo maior do mundo, fruto de uma parceria com o mesmo Ocidente que hoje teme a musculatura asiática.

Há, por certo, limitações à aliança entre Putin e Xi, de resto ironicamente baseada em um discurso libertário de soberania e multilateralismo —que não se aplicam às suas audiências domésticas, claro.

Não se antevê ainda uma aliança militar, dadas as desconfianças mútuas entre países historicamente rivais e com largas fronteiras. O gigantismo econômico chinês, ademais, faz o Kremlin temer a ideia de virar uma província energética de Pequim —um sócio minoritário.

A ditadura chinesa também não tem ainda como suplantar a Europa como mercado principal da Rússia, e há fatores culturais em jogo.

Ainda assim, a possibilidade de cooperação contra interesses de um Ocidente dividido, seja na Ucrânia ou em Taiwan, coloca o arranjo sino-russo no centro da moldagem deste pedaço do século 21.

Primazia militar

Folha de S. Paulo

Num contexto de penúria geral de investimentos, prioridade às Forças é distorção

Entre 2008 e 2014, auge dos anos petistas, o governo federal destinava cerca de 5,6% de sua despesa a investimentos. No início do segundo mandato de Dilma Rousseff, os recursos para obras e equipamentos começaram a entrar em colapso.

A penúria exigiu a redução de gastos em geral —cortes que, como de costume, recaíram em especial sobre investimentos, que foram reduzidos a 3,3% do Orçamento, na média de 2015 a 2018, e, nos anos de Jair Bolsonaro, a 2,3%.

Nesse grupo de despesas, as destinadas à defesa nacional foram das mais preservadas, e não apenas no governo Jair Bolsonaro. Também deve ser assim neste ano, como noticiou esta Folha.

Seja qual for o motivo, a escolha de prioridades parece inequívoca e problemática. Ciência e tecnologia, por exemplo, está entre as áreas que sofrem os maiores arrochos.

No ano passado, o investimento de maior valor do Ministério da Infraestrutura foi a conservação de estradas no Pará, com cerca de R$ 390 milhões; em segundo lugar, a construção da Ferrovia de Integração Leste-Oeste, na Bahia, com R$ 337 milhões.

Já no caso da Defesa, empenhou-se R$ 1,45 bilhão para o programa de compra de caças da FAB e R$ 435 milhões para o cargueiro militar. Destinou-se mais de R$ 1 bilhão para os submarinos convencionais e nucleares. Entre outros gastos maiores estão carros de combate, helicópteros e navios.

A cúpula militar argumenta que não se pode permitir a obsolescência das Forças Armadas, com o que perderia sentido a ideia de mantê-las. Além do mais, aponta-se que tais programas resultam de contratos de longo prazo, não raro com fornecedores estrangeiros, que não podem ser interrompidos.

Quanto ao primeiro aspecto, notem-se a degradação acelerada da já precária infraestrutura de transporte e o desmonte do sistema de pesquisa científica e tecnológica. Não é difícil listar casos desesperadores de carências em setores essenciais, e a despesa militar não pode ter privilégio no julgamento adequado das prioridades.

Mais relevante é o fato de que o governo federal destinou apenas o equivalente a 0,4% do Produto Interno Bruto para investimentos em 2021, em um gasto não financeiro total de 18,6% do PIB.

Em casa onde faltam pão, ciência e educação e saúde, é mais complexo dizer quem tem mais a reclamar. Falta justificativa razoável, de todo modo, para a primazia militar.

O Supremo – e a lei – sob ataque

O Estado de S. Paulo

O descumprimento pelo Congresso de decisão judicial sobre a publicidade das emendas de relator é parte do retrocesso institucional instaurado pelo bolsonarismo

Ação do Congresso sobre decisão judicial é parte do retrocesso do bolsonarismo.

São conhecidos os ataques e as ameaças do bolsonarismo contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Ao constatar a disposição do Judiciário em defender a Constituição – é a Justiça, e não o Congresso ou mesmo a oposição, que tem recordado os limites institucionais da Presidência da República –, Jair Bolsonaro transformou os ministros do Supremo em inimigos políticos. Mais do que Luiz Inácio Lula da Silva, seriam os membros do STF que demandam a constante mobilização dos bolsonaristas.

Inédita desde a redemocratização do País, essa atitude de confronto por parte do presidente da República contra o Judiciário expressa-se de diversas maneiras. Por exemplo, Jair Bolsonaro fala abertamente em deturpar o funcionamento do STF, prometendo usar as indicações presidenciais tanto para diminuir a independência da Corte como para aparelhá-la ideologicamente. Para piorar, Jair Bolsonaro apresenta esse aparelhamento do Judiciário como uma espécie de diferencial eleitoral. Só o bolsonarismo estaria disposto a realizar esse enviesamento ideológico e negacionista do Supremo.

Trata-se de desavergonhada promoção do retrocesso institucional. Ignorando a Constituição, Jair Bolsonaro trata o Supremo como mero ator político – e ainda subalterno ao Executivo. Essa manipulação não é apenas um erro teórico. Ela gera graves prejuízos ao País. Depois que o lulopetismo instalou a divisão do “nós contra eles”, o bolsonarismo tenta agora inserir o Supremo na mesma odiosa polarização.

Tem-se, assim, um cenário de desrespeito ao Estado Democrático de Direito, em especial a um de seus mais importantes elementos: o sistema de freios e contrapesos, que regula todo o funcionamento dos Poderes. O problema não se resume, portanto, à pretensão de Bolsonaro de agir fora dos limites constitucionais, o que por si só é grave. Sob a égide da bagunça bolsonarista – como se tudo fosse mera política, como se tudo ao final dependesse não das regras institucionais, mas da esperteza de cada um –, o peso da lei e, por consequência, o peso das decisões judiciais perdem importância.

Veja-se, por exemplo, o descumprimento pelo Congresso da decisão do STF sobre a publicidade do repasse das verbas públicas envolvendo as emendas de relator, como mostrou o Estadão. Após a revelação, no ano passado, por este jornal, do esquema do orçamento secreto – dinheiro público era usado para atender a interesses políticos discricionários, sem a devida transparência –, o Supremo determinou, entre outras medidas, que o Legislativo devia informar o nome do parlamentar que apresentou o pedido de verba. Trata-se de informação essencial numa democracia.

No entanto, o Congresso não vem cumprindo integralmente a determinação do Supremo. Por exemplo, entre 13 e 31 de dezembro do ano passado, o relator-geral do Orçamento, senador Márcio Bittar (PSL-AC), registrou no site do Congresso indicações no valor de R$ 4,3 bilhões, mas em 48% dos repasses os nomes dos parlamentares que apadrinharam esses pedidos não foram apresentados.

Além disso, as informações incluídas por Márcio Bittar não cobriram a totalidade do valor empenhado no período para as emendas de relator, da ordem de R$ 6,6 bilhões. Ou seja, além de a publicidade sobre R$ 4,3 bilhões ser incompleta, também não se sabe como ocorreu o repasse em relação a outros R$ 2,3 bilhões, se foram parlamentares que apresentaram os pedidos de repasse ou se foi o Executivo federal quem definiu o destino desses recursos.

É muito dinheiro público gasto sem a devida transparência. Ainda que fosse apenas um centavo, é muito descaramento essa parcial divulgação dos dados exigidos pelo Supremo. Num Estado Democrático de Direito, decisão judicial deve ser cumprida, e ponto final.

Engana-se quem pensa que os ataques de Jair Bolsonaro contra o Supremo e o descumprimento do Congresso de decisão da Corte são fenômenos independentes. A malemolência do Legislativo em dar plena publicidade aos dados das emendas de relator é parte do retrocesso institucional instaurado pelo bolsonarismo. É urgente restaurar o valor do STF – e da lei.

Surto global e inflação à brasileira

O Estado de S. Paulo

Alimentada por fatores internos, a inflação brasileira deixa longe a alta de preços espalhada pela maior parte do mundo

A inflação é um desafio global, como disse corretamente o ministro da Economia, Paulo Guedes, mas o problema é muito maior no Brasil do que na maior parte do mundo capitalista, como ficou claro, mais uma vez, em relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Além de maior, a inflação brasileira é mais dolorosa e mais disfuncional do que nas economias avançadas e em boa parte das emergentes. A desigualdade e a pobreza, agravadas nos últimos dez anos, tornam milhões de famílias mais vulneráveis à alta de preços, especialmente de itens como comida, energia e transportes. Além disso, velhas deficiências da economia nacional, como a excessiva dependência do transporte rodoviário, amplificam os danos causados pelo encarecimento dos combustíveis. Qualquer aumento do diesel pode afetar perigosamente o custo da comida posta na mesa dos brasileiros.

Mesmo sem esses detalhes, os números coletados e publicados pela OCDE evidenciam a diferença entre o surto inflacionário observado no Brasil, no segundo ano da pandemia, e aquele registrado em dezenas de economias avançadas e emergentes. Os preços ao consumidor subiram 6,6% nos 12 meses até dezembro, no conjunto dos 38 países-membros da organização. Foi a maior taxa anual desde julho de 1991. No ano passado, a inflação brasileira, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), chegou a 10,06%, ou 10,1%, pelo arredondamento usado no relatório. Alimentos e energia ficaram mais caros também nos países da OCDE, mas com menor impacto no conjunto de preços e nas condições de vida.

A desvantagem brasileira torna-se escancarada quando se examinam os números dos países da OCDE. Excluída a Turquia, onde os preços aumentaram 36,1% nos 12 meses até dezembro, a média se reduz a 5,6%. Além disso, o surto foi bem menos intenso na maior parte desses países. Em 28 deles, a inflação foi inferior a 7%. Em 17, ficou abaixo de 5%. Nos Estados Unidos, bateu em 7%, a maior taxa em 39 anos, mas o país fechou 2021 com desemprego de 3,9%. No Brasil, a desocupação ainda estava em 11,6% no trimestre findo em novembro, com 12,4 milhões de pessoas em busca de vagas.

Nos 12 meses até dezembro, os preços ao consumidor subiram 6,1%, em média, no Grupo dos 20 (G-20), onde se incluem, além do Brasil, várias grandes economias não participantes da OCDE. Também nesse conjunto há vários exemplos de inflação inferior à brasileira: 5,6% na Índia, 5,9% na África do Sul, 1,9% na Indonésia, 1,2% na Arábia Saudita, 8,4% na Rússia e 1,5% na China. A Argentina se destaca negativamente com uma taxa de 50,9%.

No Brasil, a inflação tem formado um trio sinistro com desemprego elevado e economia sem dinamismo. Em 2021 o Produto Interno Bruto (PIB) deve ter crescido 4,7%, segundo estimativa do mercado. Essa taxa bastou para reconduzir a atividade econômica ao nível pré-pandemia, compensando com alguma folga a perda de 3,9% ocorrida em 2020. Mas a indústria permaneceu muito fraca, sem reverter a tendência negativa observada a partir de 2012, e as projeções para 2022 compõem um quadro de estagnação. Segundo estimativas correntes, o PIB dificilmente crescerá mais que 0,5% neste ano e o desemprego continuará assombrando os brasileiros. A inflação poderá diminuir, mas com risco de superar o teto da meta oficial. O centro do alvo é 3,5% e o limite superior de tolerância é 5%. Em 2021 a alta de preços ultrapassou de longe o teto da meta, de 5,25%.

O surto global, atribuível basicamente às cotações internacionais de alimentos e de petróleo e a falhas nas cadeias de suprimento, explica apenas em parte a inflação brasileira. Esta inflação está fortemente relacionada a fatores internos, como a crise hídrica e energética, a persistente indexação e, ultimamente, as incertezas sobre as perspectivas econômicas e as contas públicas. Alimentadas principalmente em Brasília, essas incertezas provocam, entre outros efeitos, instabilidade cambial e contaminação dos preços pela alta do dólar, problemas made in Brazil.

Censo Escolar dimensiona os estragos feitos pela pandemia

Valor Econômico

Estados e municípios tiveram um superávit primário de R$ 97,7 bilhões em 2021

O Censo Escolar 2021, divulgado na semana passada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) dá uma dimensão exata dos desafios que as escolas vão enfrentar na retomada das aulas neste ano. Como se esperava, houve queda importante nas matrículas. Isso ocorreu principalmente com as crianças mais novas, até por volta dos 10 anos, e foi residual com os mais velhos, com exceção dos matriculados na Educação de Jovens e Adultos (EJA), segmento que superou todas as outras faixas, enfatizando a importância de se combater a evasão escolar.

As matrículas no EJA caíram 9,51% entre 2020 e 2021 para 2,96 milhões de inscritos, em comparação com 3,3 milhões antes da pandemia e 3,7 milhões em 2017. Nos dois anos da pandemia, a queda acumulada é de 12%. Nada menos que 340 mil estudantes desse segmento não voltaram à escola, o que pode ser determinante para seu futuro. O EJA possui estudantes de 18 a 55 anos, em parte provenientes do ensino regular, que buscam assim concluir etapas da educação que ficaram para trás. É nessa faixa etária que podem estar os estudantes que tiveram que procurar trabalho para ajudar na composição da renda familiar durante a pandemia, quando pais e mães de família perderam o emprego.

A forte queda de matrículas atingiu também o outro extremo, o da educação infantil, com diminuição de 7,3%, o que significa que 653.499 crianças de até 5 anos saíram da escola durante a pandemia. As mais afetadas foram as crianças que frequentavam creches privadas, onde as matrículas despencaram 21,6%. As crianças não foram transferidas para creches públicas, que também registraram queda de matrículas, de 2,3%.

O Censo Escolar também detectou uma redução das matrículas nos anos iniciais do ensino fundamental, que vai dos 6 aos 10 anos, de 3,2% na média, atingindo 9,2% nas escolas privadas, mas isso foi atribuído a mudanças demográficas. A partir daí, a surpresa positiva foi o aumento de 0,6% das matrículas nos anos finais do ensino médio, de 11 a 14 anos, e de 2,9% no ensino médio, que abrange estudantes de 15 a 17 anos. Outra boa notícia é o aumento dos alunos matriculados em período integral em escolas públicas, de 11,7% antes da pandemia para 16,4% em 2021.

As autoridades vêm se esforçando para ampliar as escolas que funcionam em período integral, um dos pontos importantes da reforma do ensino médio, mas isso pode estar afetando o atendimento de outras faixas. A conversão de escolas estaduais para esse sistema de funcionamento teria reduzido a oferta para os estudantes mais novos em algumas localidades, como a cidade de São Paulo, criando filas de crianças em busca de vagas nesta retomada das aulas.

Os dados reforçam a avaliação de que as crianças mais novas foram as mais afetadas pelo impacto da pandemia, dada a dificuldade de se viabilizar o ensino remoto nessa fase.

Fica mais distante o cumprimento do Plano Nacional de Educação, que tem como uma das metas universalizar o ensino para as crianças de 4 a 5 anos, faixa em que a pandemia reduziu a frequência nas escolas de 93,5% para 83,9%. As escolas públicas terão que atender essas crianças que deixaram as redes privadas.

Dinheiro não falta. Os Estados e municípios tiveram um superávit primário de R$ 97,7 bilhões em 2021, o mais alto registrado na série estatística do Banco Central, e o dinheiro está no caixa dos governos regionais, aplicados em CDBs e títulos públicos (Valor 3/2). Estados e municípios foram beneficiados pelo crescimento da arrecadação de ICMS e das transferências de impostos pelo governo federal. Ao mesmo tempo, tiveram as despesas contidas pela própria pandemia, que obrigou o fechamento das escolas, por exemplo, suspendeu contratações e reajustes salariais. A grande maioria dos Estados e municípios não cumpriu o requisito constitucional de aplicar 25% da arrecadação na educação, por exemplo. Aguardam que o Congresso aprove PEC que os perdoe por isso. Espera-se que a PEC também os comprometa a aplicar os recursos nos próximos anos e não em projetos eleitoreiros.

A desculpa de que não havia com que gastar por causa da pandemia não se sustenta. O próprio Censo Escolar mostra isso ao informar que apenas 6,6% das escolas municipais e em 12,6% das estaduais possuem os famosos tablets prometidos para o ensino remoto durante a pandemia. Além disso, somente 39,8% das unidades municipais e 74,1% das estaduais dispõem de internet para atividade de ensino e aprendizagem.

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