terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

O que pensa a mídia: Editoriais /Opiniões

EDITORIAIS

Apesar de recuo, taxa de desemprego continua alta

O Globo

Jair Bolsonaro começa o último ano de seu mandato conquistado em 2018 correndo o risco de garantir um lugar na história como o presidente do desemprego de dois dígitos. Desde a redemocratização, todos os eleitos como cabeça de chapa para governar o país tiveram um ou mais anos de taxas de um dígito. Bolsonaro até agora não teve nenhum. Apenas Michel Temer, que assumiu após o impeachment de Dilma Rousseff e governou por dois anos e quatro meses, teve índices tão altos.

O governo Bolsonaro pode até alardear que a taxa de desocupação recuou para 11,6% no trimestre encerrado em novembro de 2021, uma melhora em relação ao trimestre anterior, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), divulgados na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pode dizer que, no acumulado de 2021, houve um saldo positivo, com 20,6 milhões de contratações com carteira assinada ante 17,9 milhões de desligamentos, de acordo com informações do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), anunciadas ontem pelo Ministério do Trabalho.

Nada disso muda o fato de o Brasil ter 12,4 milhões de pessoas em busca de trabalho, 4,9 milhões que desistiram de procurar emprego porque não têm esperanças de que irão encontrar e uma taxa de informalidade de 40% da população ocupada. Culpa da pandemia? É certo que as taxas de desocupação saltaram em boa parte do mundo a partir de março de 2020, mas hoje essa não é mais a regra em todos os lugares. Na Europa, o índice está em 7,2%. Nos Estados Unidos, em 3,9%.

No plano individual, o desemprego é sempre traumático. No caso dos mais pobres, é o risco de não ter dinheiro para o aluguel ou, pior, para a comida. Mesmo para os mais abastados, há grandes abalos. Pode forçar medidas como a saída dos filhos de escolas melhores ou a venda de patrimônio. Não raramente significa também queda da autoconfiança e piora na saúde mental. A qualidade da convivência em família costuma ser uma das vítimas.

Para o país, taxas elevadas de desemprego por períodos prolongados trazem consequências de longa duração. Parte da acumulação de capital humano responsável pela produtividade de um trabalhador vem das habilidades ensinadas nas empresas. Jovens que demoram a conseguir o primeiro emprego tendem a ver a renda futura comprometida. É como uma corrida em que o tiro da largada foi dado, mas todos os atletas ficam parados. Mesmo quando conseguirem trabalho, serão promovidos em idades mais avançadas do que as de gerações anteriores. Esse fenômeno muitas vezes tem efeitos em diferentes frentes, dos planos de casamento à compra de imóveis.

A saída para reduzir a desocupação é o alto crescimento econômico, e isso não acontecerá em 2022. Mas Bolsonaro tem plenas condições de tornar o problema do desemprego menos grave no médio prazo. Reformas amplas no sistema de tributos e na gestão do Estado certamente aumentariam a confiança dos empresários e começariam a elevar as taxas de investimento, um dos principais pilares do crescimento econômico.

Tempestades em São Paulo evidenciam urgência de remoções em áreas de risco

O Globo

Depois de Bahia e Minas Gerais, agora é São Paulo que sofre os efeitos de tempestades arrasadoras neste início de ano. As chuvas dos últimos dias no estado provocaram a morte de pelo menos 24 pessoas — entre elas oito crianças — e deixaram mais de 600 famílias desabrigadas ou desalojadas. O número de vítimas pode aumentar, já que bombeiros ainda buscam desaparecidos em casas soterradas por deslizamentos.

Histórias trágicas, como a do desmoronamento em Várzea Paulista, que matou cinco pessoas de uma mesma família, expõem mais uma vez o despreparo das cidades brasileiras para enfrentar fenômenos climáticos previsíveis. De fato os volumes de chuva em São Paulo foram extraordinários, mas não se pode dizer que eram inesperados. Na sexta-feira, o Instituto Nacional de Meteorologia emitira alerta de “grande perigo” para os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, informando sobre a possibilidade de volumes superiores a 100 milímetros de chuva por dia, ventos de mais de 100 km/h, queda de granizo e riscos de danos em edificações.

Volumes excepcionais de chuva não podem ser usados como pretexto para a inépcia dos governos. Tempestades de verão já causaram tragédias históricas no Brasil. O maior desastre climático no país provocou a morte de mais de 900 moradores na Região Serrana do Rio em janeiro de 2011.

A Organização Meteorológica Mundial deixou claro que, em consequência das mudanças climáticas, fenômenos desse tipo serão cada vez mais frequentes e intensos. O jeito é se preparar para reduzir mortes e danos.

O problema é que essas tempestades devastadoras encontram um cenário altamente favorável à ocorrência de tragédias. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) em 2018 mostrou que o país tinha 8,3 milhões de moradores vivendo em áreas suscetíveis a deslizamentos de terra ou enchentes — mais da metade (4,3 milhões) no Sudeste.

O número de construções irregulares e precárias, feitas sem assessoria técnica e em áreas de risco, como encostas e margens de rios, tem crescido vertiginosamente, sob as vistas dos governantes. Crises econômicas, falta de políticas habitacionais nos três níveis de governo e leniência de gestores têm contribuído para agravar a situação.

Cidades precisam urgentemente de um plano para enfrentar tempestades. Tanto do ponto de vista emergencial quanto de longo prazo. Existem experiências bem-sucedidas, como as sirenes que soam quando se atinge um volume determinado de chuva, servindo de alerta para que moradores deixem suas casas. Podem não evitar danos, mas salvam vidas. Ao mesmo tempo, é fundamental remover as famílias que vivem nas áreas mais vulneráveis e reassentá-las em lugares seguros, além de impedir que construções condenadas sejam reocupadas. Esta deve ser uma prioridade dos governos. Caso contrário, tragédias como as de Minas, Bahia e São Paulo serão cada vez mais frequentes.

Óbvio e necessário

Folha de S. Paulo

Compromisso do chefe da FAB reforça distanciamento entre militares e Bolsonaro

O comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, assumiu o cargo em abril de 2021 após a grave crise militar que derrubou seu antecessor e os chefes do Exército e da Marinha, além do ministro da Defesa, no fim de março.

Desde sua indicação, foi identificado como o mais bolsonarista dos escolhidos —noves fora o general da reserva Walter Braga Netto, que assumiu a Defesa e prontamente tomou tal credencial para si —e hoje é cotado para vice na chapa reeleitoral de Jair Bolsonaro (PL).

A fama do brigadeiro vinha da ação em redes sociais, por interagir na esfera próxima do presidente da República. No cargo, reforçou-a ao reafirmar, em tom ameaçador, críticas feitas por Braga Netto a uma declaração sobre corrupção entre os fardados feita pelo presidente da CPI da Covid.

Com tudo isso, é de particular interesse sua manifestação, em entrevista à Folha, ao ser questionado se os militares irão prestar continência a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ou a qualquer outro vencedor do pleito de outubro.

"Lógico", resumiu Baptista Junior. Trata-se de um truísmo, por certo, e é sem dúvida desalentador que a questão tenha de ser colocada neste quarto ano sob Bolsonaro.

Divisões entre quartel e governo ficaram borradas —muito por ação do presidente, mas também por responsabilidade das Forças.

A caserna, afinal, apoiou a aventura bolsonarista e forneceu quadros, da ativa e da reserva, para compor o governo do capitão reformado. Obteve com isso sucesso em algumas reivindicações históricas, como a reforma das carreiras.

Ao mesmo tempo, empurrada por membros mais próximos ao Planalto, viu-se como bucha de canhão da campanha de guerra institucional tocada pelo mandatário. "Meu Exército" é algo que já faz parte da retórica de Bolsonaro.

Tal associação espúria chegou ao paroxismo no 7 de Setembro, para refluir desde então. Os militares celebraram a retirada do holofote diuturno; agora sinalizam um distanciamento maior, em especial no serviço ativo, que sempre foi mais resistente ao endosso.

O Exército determinou veto a fake news pandêmicas e demonstrou preocupação com violência eleitoral. A Marinha viu um almirante, o chefe da Anvisa, Antonio Barra Torres, peitar o presidente de forma inaudita. Neste momento, coincidência ou não, vem a declaração do brigadeiro —que de quebra até negou ser tão bolsonarista assim.

Se lamentável por necessária, a reafirmação do compromisso democrático de um comandante de uma Força Armada não deixa de ser saudável, além de insinuar um caminho para fora do labirinto em que os militares se meteram.

Triunfo socialista

Folha de S. Paulo

Premiê obtém vitória inesperada em Portugal, mas oposição será mais ruidosa

As eleições legislativas de Portugal, realizadas de forma antecipada no domingo (30), deram ao Partido Socialista uma vitória tão contundente como inesperada.

No poder desde 2015, mas sempre com uma bancada minoritária, a agremiação do primeiro-ministro António Costa obteve ao menos 117 dos 230 assentos do Parlamento, conquistando, assim, uma maioria absoluta só alcançada antes uma única vez, em 2005.

A vitória socialista constitui também um triunfo pessoal de Costa, que deve se tornar o premiê português mais longevo desde a Revolução dos Cravos, em 1976.

Embora as pesquisas viessem apontando um empate entre o PS e o direitista Partido Social-Democrata (PSD) —e, em alguns casos, até uma vitória do PSD—, o que se viu foi uma vantagem de quase 800 mil votos dos socialistas sobre os social-democratas, ainda a segunda força política do país, mas agora reduzidos de 79 para 71 cadeiras.

O resultado deu a Costa, em tese, a estabilidade parlamentar almejada havia anos. De 2015 a 2019, o premiê governou sob um arranjo inédito de siglas de esquerda, que ganhou o epíteto de geringonça, dado seu caráter insólito.

Após o PS vencer o pleito de 2019, o acordo foi desfeito, e Costa passou a negociar projetos pontualmente. A estratégia, porém, ruiu no ano passado, quando o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista votaram contra a proposta de Orçamento, o que levou à dissolução do Legislativo e à nova eleição.

Os antigos integrantes da geringonça terminaram severamente punidos pelos eleitores, em especial o Bloco de Esquerda, cuja bancada passou de 19 para 5 deputados, pior resultado desde 2002.

Nessa dança das cadeiras, quem assumiu o posto de terceira força foi o Chega, agremiação de extrema direita que se apresenta como antissistema, vocifera contra a população cigana e defende pautas controvertidas, como a castração química para pedófilos.

As 12 cadeiras obtidas pelo Chega põem fim a uma excepcionalidade de Portugal, um dos poucos países europeus que ainda não haviam conhecido avanços significativos da direita mais radical.

Dentre as tarefas do próximo governo, destaca-se a gestão dos vultosos recursos fornecidos pela União Europeia para a retomada pós-pandemia. Costa desfrutará de uma posição mais cômoda no Legislativo, mas terá contra si uma oposição mais ruidosa e hostil.

Chega de mortes evitáveis

O Estado de S. Paulo

O grande volume de chuvas em janeiro não é uma fatalidade, contra a qual não haveria ação humana capaz de impedir sua ocorrência

O descaso de administradores públicos, nas três esferas de governo, e a recorrente ocupação irregular do solo pela população inseriram as tragédias de verão no calendário nacional. Há décadas o País chora a morte de dezenas, às vezes centenas, de pessoas que são vitimadas pelo despreparo de muitas cidades para lidar com as chuvas sazonais e os deslizamentos de terra no início de cada ano. As mudanças climáticas, que têm provocado fenômenos meteorológicos cada vez mais extremos, só tendem a tornar esses desastres ainda mais dramáticos, ao custo de danos materiais milionários e perdas humanas incalculáveis.

A capital paulista terminou janeiro com o volume de chuvas acima da média histórica para o mês. Na região metropolitana e no interior de São Paulo deslizamentos de terra ocasionados por solos encharcados provocaram a morte de mais de 20 pessoas, incluindo crianças. De acordo com o governo do Estado, cerca de 500 famílias ficaram desabrigadas ou desalojadas. Os municípios mais atingidos pelas chuvas do fim de semana passado foram Embu das Artes e Franco da Rocha. Arujá, Francisco Morato, Várzea Paulista, Jaú e Ribeirão Preto também sofreram perdas humanas e materiais com as fortes chuvas. O governador João Doria (PSDB) anunciou a liberação de R$ 15 milhões para a recuperação social e urbana de dez municípios. Por sua vez, a sociedade civil se mobilizou em solidariedade para acudir as populações mais afetadas com doações de alimentos e força de trabalho nos resgates.

O grande volume de precipitação registrado em janeiro não é obra do acaso, menos ainda uma fatalidade, contra a qual não haveria ação humana capaz de impedir sua ocorrência. Em outras palavras, a natureza não pode ser responsabilizada por seguir seu curso. Devastadoras, mesmo, são a negação das mudanças climáticas, da qual decorre a ausência de formulação de políticas públicas consistentes para tratar do problema, e a falta de planejamento urbano para preparar as cidades para uma nova realidade ambiental.

Meteorologistas afirmam que a chuva acima da média histórica que caiu em São Paulo decorre da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), fenômeno climático que provoca uma “banda de nebulosidade” tão densa desde a Região Amazônica até o Oceano Atlântico que as nuvens carregadas ficam “estacionadas” sobre determinados locais, provocando precipitação muito intensa nessas áreas. Foi o que ocorreu na região metropolitana e no interior paulista. As chuvas persistentes, mesmo quando menos volumosas, impedem que o solo escoe o excesso de água, provocando os deslizamentos de terra. É quando a natureza encontra a inépcia e provoca as tragédias tão tristemente conhecidas pelos brasileiros.

Resultado da falta de planejamento urbano e de sucessivas crises econômicas, a mazela social que mantém uma porção do Brasil aferrada ao atraso impõe às famílias mais pobres locais de moradia sem as menores condições de habitação. Pouco a pouco, vastas porções de terra são ocupadas irregularmente sem que o poder público seja capaz de resolver o problema na origem, movendo essas famílias para locais mais seguros. Como políticas de longo prazo raramente vingam no País, resta aos gestores, sobretudo aos prefeitos, agir pontualmente a cada tragédia. Casas podem ser reerguidas. Pontes podem ser recuperadas. Estradas podem ser desobstruídas. Mas não se remedeia a morte.

Passa da hora de prefeitos, governadores e o presidente da República – que não se preocupa com nada que não diga respeito à sua família – agirem de forma coordenada no enfrentamento das mudanças climáticas e na definição de uma agenda nacional que tire o País do atoleiro, literalmente, e promova a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros mais pobres, sem condições de viver nas áreas mais seguras das cidades brasileiras.

Aos prefeitos, especificamente, com apoio dos governos estaduais, cabe o mapeamento das áreas de risco e estruturação de um plano exequível de remoção das pessoas que vivem sob constante ameaça de vida pelas más condições de habitação, sobretudo as que vivem em encostas. Chega de mortes evitáveis.

Traquinagem judicial de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Como investigado, Bolsonaro tem direito ao silêncio, em todas as suas consequências. Mas seu comportamento protelatório é um acinte que nada tem de coragem

Ao restaurar o regime democrático, a Constituição de 1988 assegurou um conjunto robusto de liberdades e garantias fundamentais; entre elas, o direito ao silêncio (art. 5.º, LXIII). Toda pessoa investigada tem direito a permanecer calada, não cabendo nenhuma coação policial ou judicial, por mínima que seja, para que produza prova contra si mesma. Trata-se do princípio de não autoincriminação, elemento necessário de todo Estado Democrático de Direito. A pessoa investigada não é um objeto do qual se possa tirar provas, mas sujeito de direitos, com prerrogativa de falar, bem como de calar.

No regime constitucional vigente, o interrogatório é, portanto, um ato de defesa do investigado. Entre outras consequências, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, em 2019, a inconstitucionalidade da condução coercitiva de réu ou investigado para fins de interrogatório judicial ou policial. Na decisão, o Supremo reconheceu o direito de ausência do investigado ou acusado ao interrogatório. “O direito de ausência, por sua vez, afasta a possibilidade de condução coercitiva”, disse o acórdão do STF.

Tudo isso conduz a uma cristalina conclusão: ao não comparecer na sexta-feira passada ao interrogatório marcado pelo ministro Alexandre de Moraes no inquérito sobre quebra de sigilo, Jair Bolsonaro, a rigor, não descumpriu uma ordem judicial. Ele tinha o direito de ausência. No entanto, isso não significa que o comportamento do presidente da República esteja sendo correto ao longo do caso. Longe disso.

Desde o início da investigação, a atuação de Bolsonaro é manifestamente protelatória. Em função do cargo que ocupa, Jair Bolsonaro tem a prerrogativa de definir o local e a data de seu interrogatório. No entanto, descumpriu os dois prazos – de 15 dias e, depois, de mais 45 dias – para ajustar com as autoridades policiais os moldes em que ocorreria a oitiva. Em vez de dizer que não tem interesse em depor e, assim, dispensar formalmente esse ato de defesa pessoal, Bolsonaro preferiu ganhar tempo por meio da dubiedade processual. Fez que ia marcar a data, não marcou e, quando o STF a marcou, não foi ao ato.

É constrangedor que o presidente da República se valha desse tipo de artifício. Vale lembrar que a prorrogação do prazo foi solicitada pela própria Advocacia-Geral da União (AGU). Por óbvio, a lealdade processual recomenda outra modalidade de comportamento.

Para piorar, a traquinagem não teve apenas o objetivo de postergar o término da investigação. Jair Bolsonaro tentou tirar proveito político da artimanha processual. A seus apoiadores, deu a entender que sua ausência no depoimento de sexta-feira havia sido um ato de confronto com o Supremo e, em especial, com o ministro Alexandre de Moraes.

Como se vê, a desfaçatez não tem limites. Jair Bolsonaro tentou transformar o exercício de um direito reconhecido expressamente pelo Supremo – o direito de ausência do investigado no seu depoimento – em suposto ato de valentia contra o próprio Supremo. Tal retórica bolsonarista nada tem de coragem. É tão somente mais uma manipulação de quem, abdicando de qualquer resquício de integridade ou de honestidade intelectual, deseja criar conflito e confusão.

É notório o caráter contraditório do comportamento de Jair Bolsonaro. Aquele que elogia a ditadura militar e flerta com o AI-5 vale-se de uma garantia da Constituição de 1988 – o direito ao silêncio – para atacar o Judiciário e, em último termo, as garantias que sustentam a sua própria liberdade. Ao refugiar-se na proteção do regime que deseja negar aos outros, o bolsonarismo é a antítese da valentia.

Não é demais notar que a desinformação sobre questões jurídicas para fins políticos é mais uma semelhança entre o bolsonarismo e o lulopetismo. Recentemente, o PT transformou uma decisão sobre a prescrição de eventuais crimes praticados por Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex do Guarujá em suposta declaração da Justiça a respeito da inexistência desses crimes. É urgente resgatar o valor da verdade na vida pública.

A Europa contra os radicalismos

O Estado de S. Paulo

Tudo somado, as eleições em Portugal e na Itália fortaleceram o centro à custa dos extremos

Na última década, a ascensão de movimentos antiliberais despertou apreensão quanto ao futuro da democracia. O radicalismo das militâncias identitárias à esquerda, longe de ser mitigado, foi antagonizado por um populismo de direita caracterizado por uma retórica antielite, flerte com teorias conspiratórias, nativismo e ultraconservadorismo cultural. Na Europa, esse movimento ganhou tração após o colapso financeiro de 2008 e a crise imigratória, e hoje a extrema direita está estabelecida. 

Mas há sinais de que as democracias europeias estão se adaptando e, por assim dizer, “neutralizando” os extremismos. As eleições parlamentares em Portugal e para a presidência da República na Itália, no último fim de semana, deram alguns desses sinais. Mas suas ambivalências mostram que o risco está longe de estar afastado.

Na Itália, as eleições foram confusas como sempre e estabilizadoras como nunca. O colégio eleitoral, formado por parlamentares e delegados regionais, reelegeu o presidente Sergio Mattarella. A solução de compromisso aglutinou os principais partidos, exceto um, evitando o colapso do governo do primeiro-ministro Mario Draghi. Draghi assumiu há um ano com uma agenda reformista e ganhou mais um ano para consolidá-la. É uma chance para a Itália canalizar os recursos do fundo de recuperação europeu para gerar crescimento, empregos e inovação. Isso pode estimular o crescimento europeu, renitentemente freado pela estagnação da economia italiana.

Em Portugal, o incumbente Partido Socialista levou a maioria absoluta no Parlamento. As eleições foram precipitadas após seus aliados da esquerda radical, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, recusarem o Orçamento do primeiro-ministro António Costa. Costa classificou o resultado como “uma vitória da humildade e da confiança e pela estabilidade”.

Mas essa estabilidade está longe de estar consolidada. A extrema esquerda foi penalizada por sua intransigência, com perdas expressivas, mas o partido de extrema direita Chega saltou de 1 para 12 cadeiras, e hoje é a terceira força no Parlamento.

Na Itália, a direita se dividiu. A Liga Norte e o Força Itália se uniram ao governo, deixando o Irmãos da Itália, de extrema direita, na oposição. Mas as pesquisas mostram que ele é o partido de direita mais popular, e poderia ter vencido as eleições gerais, se tivessem sido convocadas. A composição de última hora impediu esse desfecho. Mas em cerca de um ano há a possibilidade de os italianos elegerem o primeiro governo de extrema direita desde o pós-guerra.

Com exceção de países menores, como a Hungria e a Polônia, a rápida e estridente ascensão da extrema direita na Europa não tem sido seguida por uma consolidação do eleitorado. Até o momento, as maiores democracias europeias foram preservadas do grande teste de um governo de extrema direita. Mas crises como a da pandemia podem mudar o sentimento popular. Por hora, ao, respectivamente, contornar uma crise e evitar outra, Portugal e Itália mostraram ser possível fortalecer o centro à custa dos extremos.

Juro em alta deve minguar oferta de crédito neste ano

Valor Econômico

Levantamento da CNC constatou que 70,9% das famílias se declararam endividadas em comparação com 66,5% em 2020

Os bons tempos do crédito farto e barato muito provavelmente ficaram para trás. Depois de ter saltado 34% nos dois anos de pandemia, injetando R$ 1,2 trilhão na economia, ajudando a amenizar o mergulho de 2020 e sustentando a recuperação de 2021, as operações de crédito devem desacelerar neste ano, como reflexo das políticas de restrição monetária para enfrentar a inflação, com a alta dos juros, postura mais cautelosa dos bancos nas concessões e crescimento menor da economia. Ciente disso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, já acena em retomar linhas que fizeram sucesso no primeiro ano da pandemia.

O Banco Central (BC) divulgou o balanço do crédito em 2021 na semana passada, com aumento de 16,5% do saldo no ano, para R$ 4,7 trilhões, o equivalente a 54% do Produto Interno Bruto (PIB). O saldo superou os R$ 3,5 trilhões no fim de 2019, e cresceu mais do que os 15,6% do primeiro ano da pandemia. As operações com as pessoas físicas puxaram o resultado, com crescimento de 20,8%, ritmo mais acentuado do que os 11,1% dos empréstimos para empresas. Em 2020, foi o inverso. Para socorrer a economia, o governo lançou linhas especiais para incentivar os negócios, que contribuíram para o aumento de 21,8% do crédito para pessoas jurídicas, enquanto as operações com as famílias cresceram 11,2%.

Para este ano, porém, os próprios bancos preveem crescimento menor do crédito e a volta ao padrão de antes da pandemia. Em novembro, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) projetava aumento de 7,3% neste ano, mas reduziu a estimativa para 6,7%, agora, em função da diminuição das expectativas para o PIB e da base de comparação. O BC é mais otimista. Ainda assim espera que os empréstimos registrem expansão de 9,4% neste ano, com as operações para as famílias seguindo na liderança, mas crescendo quase a metade (11,7%), e as dirigidas às empresas também menores (6,3%).

O exame dos números mais recentes já mostra a tendência à desaceleração. Em dezembro, as concessões somaram R$ 497 bilhões, retração dessazonalizada de 12,1%, com quedas nas operações com pessoas jurídicas (6,6%) e físicas (9,3%). No acumulado do ano, as concessões de crédito cresceram 19% em 2021, ante 5,3% em 2020.

A alta dos juros é dos principais motivos para a freada do crédito. O salto da taxa básica de juros em 2021, com a Selic passando de 2% ao ano em fevereiro para 9,25% em dezembro em parte já repercutiu no crédito. Se a Selic quadruplicou, a taxa média do crédito subiu um terço, passando de 18,4% para 24,4% ao ano, para uma inflação pouco superior a 10%. O crédito com recursos livres, lastreado em recursos livremente captados pelos bancos, sem direcionamentos, que representa 57% do estoque, subiu mais, e sua taxa média passou de 25,5% para 33,9% ao longo de 2021.

As linhas para as pessoas físicas são as mais salgadas. O campeão é o rotativo do cartão, que chegou a 349,6% ao ano. Segundo as regras do Banco Central, os bancos são obrigados a conceder linhas mais baratas para o cliente que ficar mais de mês no rotativo. O crédito parcelado geralmente oferecido não sai muito mais em conta: estava em 168,5% no fim do ano.

Apesar disso, a inadimplência segue em níveis relativamente baixos. Ao fim do ano estava em 2,3%, sendo de 3% para a pessoa física e de 1,3% no caso das empresas. No fim de 2020, a taxa média de inadimplência era de 2,15%. Esses números estão, no entanto, amenizados pelas renegociações de dívidas lideradas pelos bancos. Segundo informações da Febraban, desde o início da crise sanitária, os bancos renegociaram 18,7 milhões de contratos, totalizando R$ 1,1 trilhão em saldo devedor.

Outro fator preocupante é o endividamento crescente das famílias. Levantamento do fim do ano da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) constatou que 70,9% das famílias se declararam endividadas em comparação com 66,5% em 2020. Empregando outra metodologia, o Banco Central também vem registrando o aumento do endividamento, que foi de 50,4% para 51,2% das famílias, de setembro para outubro.

A combinação do aumento das taxas de juros dos empréstimos, que continuarão subindo na esteira da elevação da Selic, em ambiente de PIB desacelerando, mercado de trabalho frágil e renda baixa, com inflação ainda elevada, são os elementos que reforçam a perspectiva de menor oferta de crédito neste ano.

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