sábado, 5 de fevereiro de 2022

Thales Machado*: Copa bienal contra a crise

O Globo

"Mas hoje tem jogo da seleção?". Mesmo quem acompanha o futebol com mais atenção já se surpreende quando há uma nova partida do Brasil. Com exceção da Copa do Mundo, o desinteresse pelos jogos dos pentacampeões mundiais é flagrante. E claro, do 7 a 1 à falta de identificação dos jogadores com o país, os motivos internos são muitos, mas o problema não é só da CBF. Alavancador de paixões na nossa infância (ao menos dos que têm mais de 30), o futebol de seleções está em crise. E a solução para isso talvez esteja na agridoce proposta da Fifa para tornar a Copa do Mundo bienal.

Agridoce porque há interesses econômicos e políticos por trás. Mas é também um projeto esportivo que merece atenção. E é preciso admitir que o atual modelo faliu.

Pense no Brasil. Hoje, a seleção treina pouco, joga muito e chama pouca atenção para seu potencial. De 2021 até 2024, é possível que dispute 60 partidas. Dessas, em apenas sete (caso chegue à final), todas na Copa do Qatar, Tite comandará uma equipe em jogos que despertam interesse nacional. Outras 32 serão oficiais (Copa América e Eliminatórias), mas sem apelo. E uma grande fatia, 21, será de amistosos que não valem nada.

Criada em 1930, numa época de globalização distante e em que seleções precisavam de dias no navio para atravessar continentes e jogar, a Copa a cada quatro anos tem lógica tradicional, mas ultrapassada. E distancia o futebol de seleções da emoção, paixão e relevância. Com exceção das europeias, a maioria das equipes tem grandes partidas apenas por um mês a cada quatro anos.

A Fifa chamou o lendário ex-técnico do Arsenal, Arsène Wenger, para tocar o projeto esportivo. É a única coisa que a entidade fez bem na sua campanha até aqui. Enquetes duvidosas, um apoio público de grandes estrelas que não parece natural e a péssima fala recente do presidente Gianni Infantino — que se reelege mais facilmente se a proposta passar —, sugerindo que a Copa bienal reduziria as mortes de imigrantes no Mar Mediterrâneo, só contribuem para a antipatia à mudança. Mas Wenger propõe o que o futebol de seleções precisa: menos convocações e jogos que pouco importam, mais competições de alto nível.

Com a Copa a cada dois anos, a ideia é diminuir o número de amistosos e mudar o formato das Eliminatórias, tornando-as mais curtas e atrativas ou inseridas nos torneios continentais. Elas seriam jogadas numa ou duas convocações, com vários jogos de uma vez. Hoje, o Brasil convoca nove vezes ao longo de quase três anos, num longo e esquecível torneio, para carimbar sua vaga no Mundial.

Na soma final, cada ciclo de quatro anos terá menos convocações e jogos entre seleções (o que agradaria aos clubes, que cada vez menos querem ceder seus craques milionários), mais tempo para elas treinarem (o que melhoraria a qualidade do jogo) e com mais partidas importantes.

Relembre a conta de 60 possíveis partidas do Brasil no ciclo 2021-24, com apenas sete que realmente param o país. Se a proposta de Wegner diminuísse o número total para 48, por exemplo, com duas Copas, teríamos 14 possíveis jogos interessantes. Um aumento de 12% para 29% nos jogos com mais apelo em cada quadriênio. Some as Eliminatórias mais curtas e emocionantes e uma Copa América que pode dar vaga no Mundial e veja que a ideia soa melhor para o esporte e para o negócio.

Não creio na diminuição do interesse só porque a Copa deixará de ser “rara”. Até campeonatos falidos e mal organizados, como os estaduais, mexem com o torcedor quando chegam às finais, balançando a velha rivalidade local anualmente. Os melhores do mundo reunidos defendendo seus países? É o tipo da oferta que desequilibra a demanda.

O argumento da tradição é bonito, mas não há costume que sustente o desinteresse do torcedor. Tem jogo da seleção hoje? Não é mais possível esperar nascer outro Pelé para voltar a saber isso de cor.

*Editor de Esportes do GLOBO

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