O Globo
Está em cena um espetáculo engraçado,
protagonizado por Jair Bolsonaro, seus ministros e representantes no Congresso.
Trata-se de uma peça em que cada um se
finge de desavisado enquanto todos sabem que o governo promove, em mais de uma
frente, a discussão de propostas que visam, artificialmente, reduzir o preço
dos combustíveis para que o tanque eleitoral do presidente saia da reserva e
seu carro rode mais alguns quilômetros.
Antes mesmo de Flávio Bolsonaro tascar sua
impressão digital na tal PEC Kamikaze, já se sabia que vinha da Casa Civil uma
versão menos suicida de proposta, que aportou na Câmara.
Ainda assim, Paulo Guedes topa, de novo,
encenar o ato em que o ministro da Economia luta contra moinhos de vento e
tenta defender os cofres públicos de uma “bomba” armada logo ali do lado, pelo
seu chefe e pelos seus colegas.
Do jeito que Guedes pinta o quadro de
infortúnios que o impediram de fazer as reformas que imaginou e de vender as
empresas que prometeu, o último responsável é Bolsonaro. Na sua frente estão o
Congresso, a imprensa, os economistas “social-democratas” e sabe-se lá mais
quem.
Pois não é nenhum desses personagens secundários que está no palco, quando as luzes rapidamente se apagam, e a cena da peça muda, tratando de, mais uma vez, promover benesses eleitoreiras à custa de um estica e puxa no Orçamento da União.
Resta saber por que o ministro aceita o
papel do incauto, desavisado, o “naive” de quem todos fazem troça e, ainda
assim, proclama sua fé na manutenção da suposta aliança entre “liberais e
conservadores” para mais quatro anos.
Pelo andar da carruagem, Bolsonaro pode até
lhe agradecer os préstimos e dizer que, se reeleito, seguirá por outro caminho
— esse mesmo pelo qual já está trafegando, que tem o Centrão como piloto e
copiloto.
E aí aparece em cena o outro governo, o que
de fato está dando as cartas. Este é um personagem mais complexo. Ao mesmo
tempo que redige as propostas para baixar o preço dos combustíveis, o Centrão
usa um de seus porta-vozes no Congresso, o deputado Ricardo Barros, para dizer
que, como é mesmo?, o “apoiamento” do filho mais velho do presidente a essa
medida não quer dizer nada.
Barros, Bolsonaro e os demais que
arquitetam o truque de deixar como obra do Legislativo uma manobra que visa
sobretudo a limpar a barra do presidente junto aos caminhoneiros e aos demais
eleitores que usam combustível ou transporte público (ou seja, a quase
totalidade) acham que todo mundo topa ser tão enrolado quanto Paulo Guedes.
Não é a primeira vez que a área econômica e
o segmento político de um governo andam em descompasso, com interesses
distintos, sobretudo diante da aproximação de eleições. Essa é a dinâmica
natural, causada pelo instituto da reeleição, que faz com que o desejo de
permanecer na cadeira seja não só do chefe do Executivo, mas de seus auxiliares
diretos, daí a rinha para ver quem tem mais poder.
Mas como tudo nesta quadra que
atravessamos, na era Bolsonaro essas joelhadas se dão de forma atabalhoada,
tendo como objeto de disputa não grandes projetos de país (desenvolvimentismo x
monetarismo ou ortodoxia x heterodoxia econômica), mas apenas o interesse mais
comezinho e o horizonte mais imediato da disputa eleitoral.
Como outro elemento dessa administração em
que cada um puxa para um lado, coube ao Banco Central dar o alerta que já soa
fora de Brasília: não adianta reduzir na base do cavalo de pau os preços dos
combustíveis, porque isso é percebido, precificado e estoura lá na frente. Com
as outras “bombas” que Guedes viu serem colocadas no seu caminho, sabe por quem
foram deixadas, conhece no que resultarão para a próxima gestão, mas vai aceitando
e lamentando a sorte enquanto tramam mais uma sem nem se preocupar em
disfarçar.
Se Guedes tivesse vergonha na cara já teria abandonado o cargo,ou melhor,não teria nem aceitado.
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