Folha de S. Paulo
Baixar tributos sobre diesel e
eletrodoméstico tem pouco efeito e eleva a dívida
Paulo Guedes quer
emagrecer o "Estado obeso" cobrando menos imposto sobre
eletrodomésticos, para "beneficiar o setor industrial e o consumidor de
massa". Diz que o aumento permanente da arrecadação do governo foi de mais
de R$ 100 bilhões em 2021. Quer devolver até uns R$ 20 bilhões para a
"população abusivamente explorada" pelo governo glutão. Para tanto,
diminuiria um imposto sobre fogão, geladeira e lava-roupas.
Hum.
Como no caso de diesel e gasolina, se o governo cobrar menos imposto, vai fazer mais dívida. Vai, pois, pagar mais juros, o que beneficia ricos.
Do jeito que Guedes fala, parece que sobra
dinheiro. Não sobra, claro. Com aumento de receita, com tudo, em 2021 o governo
federal gastou R$ 36 bilhões a mais do que arrecadou (teve déficit primário de
R$ 36 bilhões). Nessa conta, não entram as despesas com juros da dívida, apenas
gastos como Previdência, salário, benefício social, máquina, investimento etc.
Por falar em dívida, o governo federal
pagou R$ 407 bilhões em juros no ano passado. Pagou com mais dívida,
"rolou".
Neste 2022 e por muitos anos ainda, o
governo terá de tomar dinheiro emprestado para pagar suas despesas básicas, o
que acontece desde 2014. O déficit federal previsto é de R$ 79 bilhões (ou R$
95 bilhões, no palpite do "mercado"). Se deixar de arrecadar mais
imposto, vai fazer ainda mais dívida e pagar ainda mais juros, fora outros
possíveis rolos. O aumento exagerado e incompetente da dívida pode dar rolo:
juros e dólar mais salgados.
Jair
Bolsonaro desistiu de diminuir o imposto sobre gasolina. Como de
costume, o que dizia sobre zerar tributos era da boca suja para fora, pois não
sabia o que estava fazendo.
Mas o governo ainda quer que o Congresso
invente uma gambiarra que o autorize a baixar
o PIS/Cofins sobre o diesel sem
ter de compensar a perda de receita com o aumento de outro imposto ou com corte
de gastos. Zerando o PIS/Cofins sobre diesel, abriria mão de até R$ 20 bilhões
por ano.
Em resumo, Bolsonaro e Guedes querem
endividar o governo e dar mais dinheiro para ricos a fim de fazer demagogia
eleitoreira.
Em certas situações, em tese, o governo
pode se endividar de modo relevante ou necessário. Pode fazer mais dívida para
financiar investimentos ditos "produtivos", em "obras", em
ciência, em pesquisa. Pode se endividar a fim de evitar que muito mais gente
morra de fome, doença ou desespero, como na epidemia em 2020.
É preciso dizer também que parte desse
endividamento pode até resultar em algum ganho de arrecadação (parte do
dinheiro da redução de imposto voltaria por aumento de consumo, por exemplo
teórico). É improvável que isso ocorra de modo relevante por meio de corte de
imposto.
Segundo alguns economistas de esquerda, o
aumento da dívida via aumento de investimento pode até resultar em mais
crescimento da economia. Mas passemos. Essas contas são complicadas e o assunto
é extenso e controverso, para dizer o menos. No Brasil de agora, esse
endividamento extra dará em apenas mais besteira.
No aspecto mais comezinho, é possível até
que o desconto de PIS/Cofins sobre o diesel (33 centavos por litro) nem chegue
à bomba, assim como a redução de imposto (IPI) sobre eletrodomésticos, mania
antiga de Guedes, pode não chegar ao preço das lojas.
Como de costume, não adianta mostrar
algumas tabelas ou problemas básicos de argumento, de justiça social e de
incongruência de meios e fins. Chefetes do Congresso dizem que é
"prioridade" mexer em combustível. Bolsonaro precisa desesperadamente
de alguma demagogia para salvar uns pontos nas pesquisas. Fim.
Bolsonaro e Guedes,uma dupla do barulho.
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