domingo, 13 de fevereiro de 2022

Vinicius Torres Freire: Economia da guerra na Ucrânia

Folha de S. Paulo

Em 2014, anexação da Crimeia pela Rússia deu em nada; desta vez pode ser diferente

No dia 26 de fevereiro, faz oito anos que agentes e soldados da Rússia escamoteados ajudaram russos da Crimeia, então parte da Ucrânia, a derrubar o governo da região, que seria anexada por Vladimir Putin em março de 2014. O que aconteceu com a economia mundial? Nada.

Os termômetros de tensão nem se moveram: Bolsas, juros americanos, preço do petróleo. O que acontece agora se a Rússia invadir a Ucrânia? Desta vez vai ser diferente?

Pode até ser. Os americanos prometem represálias que machuquem os bolsos russos. No entanto, uma retaliação econômica forte deve causar danos colaterais, talvez efeito bumerangue, afetando aliados. Tumulto financeiro e petróleo caro podem prejudicar ainda mais o desempenho do Partido Democrata na eleição parlamentar do fim do ano. O remédio pode ser tão ruim quanto a doença.

Joe Biden afirma que vai "impor as sanções mais graves que já foram impostas", em caso de invasão. Por enquanto, deixe-se de lado o que quer dizer exatamente "invasão". Quais seriam essas sanções graves?

Biden sugere que pode pegar o dinheiro que amigos oligarcas de Putin têm no exterior e criar problemas para instituições financeiras russas. Que pode tornar inviável o novo gasoduto Nord Stream 2, construído para levar gás da Rússia à Alemanha, pelo mar Báltico.

Cerca de 66% do gás e de 29% do petróleo que a Alemanha compra fora da União Europeia vêm da Rússia. Cerca de 44% do gás importado pela União Europeia vem da Rússia, assim como 25% do petróleo. Desde a crise de 2014, os alemães tentam evitar encrenca com os russos.

Em um caso extremo, de interrupção do comércio euro-russo de combustíveis, haveria problemas. Os europeus teriam de procurar energia em outra parte, em um mercado mundial que ficaria ainda mais apertado e caro, a não ser que a Arábia Saudita traísse a Rússia, sua aliada informal de cartel petroleiro, produzindo mais.

Havendo tantos danos mútuos, haveria tal retaliação?

A Rússia apanharia. Embora longe de pobre, os russos não são lá ricos (PIB per capita 43% maior que o do Brasil; 88% maior, em paridade de poder de compra). Vivem de um grande saldo comercial, de exportações, quase metade delas de petróleo e gás.

Jornais americanos e analistas de política e segurança internacionais especulam também que a Rússia poderia ser excluída de uma rede internacional de comunicações e financeiras, a SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunications), uma espécie de cooperativa criada por bancos que presta o serviço de transferir dinheiro entre eles. Ficar fora desse sistema é um problemão, no médio prazo. Por quanto tempo a Rússia seria excluída? E se decidir retaliar, dando calotes no "Ocidente"?

A invasão em si mesma também pode ser um problema econômico, a depender do que signifique.

Em abril e maio de 2014, separatistas pró-Rússia das províncias ucranianas de Donetsk e Lugansk declararam independência, com apoio militar muito mal velado da Rússia. Começou uma guerra civil.

Invasão significa cercar Donetsk e Lugansk? Pior ainda, ir até Kiev? Criar um corredor por terra entre a Rússia e a Crimeia? Tudo isso deve custar muita morte e dinheiro, fora o risco de fiasco. Ou a Rússia apenas intimidaria ucranianos e vizinhos pró-Otan e "Ocidente", com uns tiros, ciberataques e outras sabotagens?

As consequências econômicas de uma invasão e de represálias para valer, duradouras, podem ser bens ruins, está claro. O risco de danos mútuos grandes, para "Ocidente" e Rússia, também. Mas uma "invasãozinha" pode render uma "sançãozinha", mais baratas. Pode ser um motivo de esperança de que não aconteça mais desgraça na Ucrânia.

 

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