domingo, 20 de fevereiro de 2022

Vinicius Torres Freire: Guerra, comida e gasolina

Folha de S. Paulo

Invasão da Ucrânia e punição séria da Rússia mexeriam com milho, trigo, petróleo e finança

Ucrânia vende 17% do milho do mercado mundial. Tem peso relevante, embora fique atrás de EUA, Brasil e Argentina. Ucrânia e Rússia exportam 30% do trigo comprado pelo resto do planeta —é muito.

Quase 47% do gás e 25% do petróleo que a União Europeia importa sai da Rússia. Os russos têm mais ou menos 11% das exportações mundiais de petróleo, apenas atrás da Arábia Saudita (17%). Quase metade das exportações russas é de energia, o que sustenta a economia e as contas do governo.

Qual o impacto que uma guerra pode ter nos preços da vidinha? Depende também do tamanho das sanções contra a Rússia, claro, o que parece depender do tamanho da guerra, mas não apenas.

Se a Rússia bloqueasse a saída da Ucrânia para o mar, o preço dos grãos poderia subir bem. Mas a China, aliada mais ou menos de Vladimir Putin, compra um monte de seu milho na Ucrânia.

Se a exportação de energia da Rússia para a União Europeia fosse interrompida, russos e europeus iriam para o buraco, chutando de resto o preço do petróleo para o alto.

Na sexta-feira de frenesi de guerra na mídia americana, a mídia especializada em grãos estava mais preocupada com a safra de soja e milho de Brasil e Argentina, prejudicada pelo mau tempo. Comentavam uma ligeira alta do preço do trigo, de passagem.

O petróleo está caro, passou de US$ 77 por barril (Brent) no final do ano passado para US$ 93,5 no final da semana passada. No entanto, é o preço em torno do qual tem flutuado desde o início de fevereiro, quando piorou a crise na Ucrânia, mas não necessariamente por causa do tumulto geopolítico.

Os negociantes de dinheiro, os mercados financeiros, estão de fato mais nervosos, em particular nos Estados Unidos, onde o governo de Joe Biden e a elite da política, da mídia e da finança parece achar ou propagandear que a "guerra iminente" é agora inevitável.

Claro que uma invasão maciça da Ucrânia pode ter consequências que vão além destas continhas e observações elementares. Há desde o efeito pânico na finança até o imponderável: de risco de conflito descontrolado até um fiasco russo, embora o International Institute of Strategic Studies (IISS) diga que equipamento, composição e treinamento das tropas russas tenham melhorado depois de vergonhas na rápida invasão da Geórgia, em 2008.

Entre uma hipótese e outra, a Rússia pode submeter a Ucrânia a um longo estado de sítio. Pode recorrer à guerra cibernética, a intervenções por meio dos separatistas do leste ucraniano, a sabotagens, a ameaças que criam desconfiança econômica e paralisia decisória nos negócios e na política, enquanto desmoralizam o ânimo punitivo e inibem a ação do "Ocidente". Isso deve ter um custo, mas marginal.

A questão maior é saber se, depois da peste, ainda teremos guerra para valer. Além disso, no que interessa à especulação econômica, é preciso descobrir que tipo de sanções duras que EUA e aliados podem impor à Rússia sem que sofram um efeito bumerangue (petróleo caro, mais inflação, acidentes nos mercados financeiros).

Como se sabe, os americanos ameaçam pegar o dinheiro de oligarcas russos, das estatais do país e machucar os bancos. É um estrago. E se não funcionar? A tentativa de quebrar as pernas econômicas da Rússia não sairia de graça para o mundo, fora o risco de conflito armado ainda maior.

Enquanto isso, o dólar cai sem parar no Brasil de 2022. Apesar dos tombinhos do Ibovespa, continuou a entrar dinheiro de não residentes ("estrangeiros") na Bolsa (até 16 de fevereiro, R$ 52 bilhões, mais da metade do que entrou em 2021 inteiro). A entrada de dólares no país neste ano supera à do total de 2021. É uma calmaria surpreendente.

 

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