Folha de S. Paulo
País europeu acaba com restrições, mas taxa
de morte é parecida com a brasileira
A Dinamarca liberou
geral. Em 1º de fevereiro, foi o primeiro país europeu a acabar oficialmente
com a exigência
de máscara em lugar fechado e transporte público, com passaporte
de imunidade, com limite de aglomeração, com tudo. A epidemia de Covid deixou
de ser "ameaça socialmente crítica". Essa conversa em breve vai
chegar por aqui, avacalhada, como de costume.
Apesar do fim da situação de emergência,
por estes dias se morre tanto de Covid na Dinamarca quanto no Brasil, em termos
relativos. São pouco mais de 3 mortes diárias por milhão de habitantes. O
morticínio por agora só não é maior do que o de janeiro de 2021. O número de
casos da doença jamais foi tão alto. O que acontece no reino da Dinamarca?
A Dinamarca é diferente, irmão, é muito
mais do que um sonho, como diria o cantor. Tem o tamanho do estado do Rio de
Janeiro e 5,8 milhões de habitantes, metade da população da cidade de São
Paulo.
É um país exótico: um dos dez mais ricos, o segundo mais feliz e um dos 15 mais igualitários do mundo. A chefe do governo é mulher, a premiê social-democrata Mette Frederiksen, 44.
Em "Borgen", série dinamarquesa
de TV, a primeira-ministra da ficção lava uma louça quando chega em casa depois
do trabalho —se não é verdade, é bem provável.
Aqui, temos um monstro imbecil que espalha
farofa, estoura o cartão de crédito do governo, é inimigo da vacina e anda
de moto aquática rindo dos mortos.
É mais fácil administrar uma crise
sanitária em país pequeno e civilizado do que na imensidão de misérias
revoltantes do Brasil. Mas há mais.
A evolução do número relativo de mortes não
diz tudo sobre a situação e o destino da epidemia, claro. Neste início de
fevereiro, havia 30 pessoas internadas em UTIs dinamarquesas. Na cidade de São
Paulo, 375. A dinâmica do vírus é diferente até porque as condições sociais,
saúde e educação são outras.
A taxa de vacinação é alta por lá: mais de
81% com duas doses, mais de 61% com reforço. O estado de São Paulo não está tão
longe: quase 80% com dose 2, 36% com reforço. Mas a taxa de morte por milhão de
habitantes em São Paulo é alta, de 5,4 e os internados em UTI são 4.000.
Além do relativo controle da doença, ora
"branda", a liberação dinamarquesa foi motivada por uma reconsideração
dos prós e contras das restrições: efeitos na economia, no bem-estar geral,
psicológico inclusive, e nos direitos e liberdades.
Os consultores do governo dizem também que
a estratégia para lidar com a epidemia depende da vontade geral de apoiar
restrições. Essa disposição vem caindo; foi maior quando os hospitais estavam
cheios, dizem as pesquisas (no Brasil é parecido, numa avaliação
impressionista).
Por fim, as opiniões a favor e contra
restrições mais e mais deixam de ser razoáveis, se entrincheiram e se tornam
causas políticas ou de guerra cultural. O cansaço também envenena o debate, a
disposição de seguir normas e de confiar no governo. "Deu".
Nos EUA, muitíssimo mais ricos, mas grandes
e quase tão desiguais quanto o Brasil, não há administração central da
epidemia, que ainda é um massacre, com mais de 7 mortes por milhão. O conflito
político-cultural é agudo. A taxa de vacinação americana é menor do que a
brasileira.
Mais países europeus estão à beira do
liberou geral. É o caso de Irlanda e Holanda, ora com baixo número de mortes, e
de Reino Unido, França e Finlândia (com taxas de morte parecidas com a do
Brasil e com vacinação em duas doses similar, mas com mais do que o dobro de
doses de reforço).
Com mais ou menos fundamento, provavelmente
muito menos, a conversa do dia da liberação chegará ao Brasil, que não é uma
Dinamarca, mas um Estados Unidos miserável.
É o terceiro ano de pandemia,ninguém aguenta mais,mas vai fazer o quê?
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